A era da desordem




 

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#39 • Verão 2023 • A era da desordem

 

editorial

A edição de Verão traz uma novidade substancial: uma versão impressa. Mas mais do que uma publicação autónoma e completa, trata-se sobretudo de um complemento, uma adenda, como aquelas que se podem encontrar relativamente esquecidas num qualquer livro. Há, de facto, sempre algo que fica por dizer. Por isso, o formato escolhido é aquele da folha de sala, género sem dúvida estranho e, ainda, desprezado, mas que permite de uma forma simples manter uma relação de proximidade com o site e com os textos publicados ao longo dos meses antecedentes: uma espécie de animal de companhia. É um modo de domesticar um arquivo de textos que se tornou, ao fim de dez anos de actividade, monstruoso, mas também tão volátil como fantasmagórico.

A virtude do agora-mesmo do digital, isto é, a sua capacidade de estar presente no presente e que permite publicar textos numa relação imediata com um determinado acontecimento, tem vindo a significar, por sua vez, um desmemoriamento progressivo, uma espécie de homogeneização algorítmica do tempo e da história. Este número é, então, uma tentativa de fuga relativamente a um destino digital-imaterial do humano que a todos os níveis parece inevitável. E, neste sentido: fuga, absoluta, do reino glorioso do algoritmo, mas mais, ainda, ao modo de ser do humano em algoritmo; enfim, fuga à própria desqualificação do tempo de leitura, que se torna evidente no ciclo acelerado das redes sociais. Antecipando o colapso ou catástrofe que vem, talvez seja, afinal de contas, um modo de guardar a possibilidade de uma memória, desde logo, a memória do próprio acto de leitura em papel.

Esta primeira edição é, portanto, experimental, serve para ensaiar as possibilidades deste formato. Por isso, apenas quatro textos foram publicados em papel, tendo sido escolhidos, sobretudo, aqueles que se posicionam dentro da constelação temática desta edição dedicada às lutas e aos movimentos ecologistas. Procurou-se um formato que não implicasse um uso excessivo de papel e de recursos. Ora, talvez seja um paradoxo voltar ao papel num número que lança o seu olhar sobre a exploração extractivista da Terra pelo Capital. Mas neste gesto frágil — que é o desta publicação — há algo mais que se imprime: uma vontade de dar um outro uso ao tempo, de parar, de suspender o passo inabitável da história. Como escreve Walter Benjamin, nas suas Anotações e Materiais às «Passagens de Paris»: «Que as coisas “continuem como estão”, é isso a catástrofe».

A versão impressa estará para já disponível na Livraria Térmita, no Porto, pela módica quantia de 2€ — valor que servirá igualmente como contributo para a continuação da actividade do Punkto. Em breve, haverá mais novidades sobre a sua disponibilidade noutros locais. De resto, o Punkto continua a poder ser consultado e lido no seu endereço habitual: www.revistapunkto.com

 

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