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• caderno #9 • Arquitectura e “pessimismo”: política e projecto

 

A progressiva integração da arquitectura nas estruturas político-económicas do neoliberalismo, acelerada pela crise da última década, teve impactos significativos na prática profissional e disciplinar. Ao colocar em causa os princípios e instituições do Estado social enquanto entidade mediadora e planeadora da «produção do espaço», substituindo-a pela mão invisível do mercado, o neoliberalismo pôs igualmente em crise os fundamentos políticos, éticos e disciplinares, de toda uma noção de projecto, que marcou decisivamente a experiência da arquitectura ao longo do século XX e cuja fórmula «desenho é desígnio» (Nuno Portas) é talvez a expressão mais completa e feliz. E se, por um lado, o neoliberalismo tornou obsoleto todo um campo de saber disciplinar intrinsecamente ligado ao desenho da cidade, por outro lado, ao expropriar da arquitectura a sua condição pública, isto é, precisamente, o seu desígnio, este não fez mais do que a tornar um objecto privado, ou melhor, um objecto privatizado. Não se trata, portanto, de uma coincidência a ascensão em força da expressão «objecto arquitectónico» no actual discurso disciplinar. Ao reforçar a sua autonomia formal e conceptual enquanto «entidade não-referencial» (Valerio Olgiati), o objecto é a expressão formal da função privada que a arquitectura desempenha na nova economia política neoliberal, mas também das suas contradições face à contínua desqualificação da sua função social.

As exaltações em torno da «poética da forma» e dos «valores essenciais da arquitectura» são apenas o sinal mais evidente de um discurso que procura esconjurar tanto a absoluta tecnocratização da profissão como a irrelevância social de um arquitecto (ora transformado em força de trabalho precária, ora em empreendedor de si mesmo), para quem a arquitectura enquanto saber disciplinar público sobre a cidade não passa de um desconfortável embaraço ou, simplesmente, uma antiga relíquia exposta no cabinet de curiosités da história da disciplina.

É tendo como pano de fundo algumas das questões levantadas no ensaio Arquitectura e “pessimismo”: sobre uma condição política em arquitectura – publicado pela Stones against diamonds, em Outubro de 2020 – que abrimos este caderno especial do Punkto, com o objectivo de continuar e ampliar o debate crítico em torno de um certo “estado presente da arquitectura”.

 

Sobre o projecto: espectáculo, tempo e ideologia

Luigi Snozzi entrevistado por Fabio Merlini

 

Cada casa é uma utopia inacabada

João Paupério & Maria Rebelo

 

Todo o desenho é política

Alejandro H. Gálvez