Olho por olho e o mundo está cego • Franco “Bifo” Berardi





«Numa noite de Inverno, coube-me fazer o turno de vigia com Efraim Avneri... a penumbra não me permitia ver o seu rosto, mas denotei uma sombra de ironia subversiva na sua voz quando me respondeu:

— Assassinos? Mas o que esperas deles? Do ponto de vista deles, somos extraterrestres vindos do espaço para nos espalharmos nas suas terras... E que, com astúcia, nos apropriámos, pouco a pouco, de cada parcela do seu território. Então, o que pretendias? Que eles nos agradecessem pela nossa bondade de espírito? Que nos recebessem com cerimónias de boas-vindas? Que nos oferecessem respeitosamente as chaves de todo o país só porque houve um tempo em que os nossos antepassados viveram cá? Será mesmo surpreendente que tenham pegado em armas contra nós? E agora que lhes infligimos uma derrota esmagadora, e que centenas de milhares deles vivem em campos de refugiados desde esse dia, esperas que partilhem da nossa alegria e nos desejem felicidades?

Respondi-lhe:

— Sendo assim, porque é que ainda estás aqui a fazer a ronda, armado? Porque não sais do país? Ou levas a tua arma para combater do lado deles?

Na escuridão, senti o seu sorriso triste:

— Do lado deles? Do lado deles não me querem, em lado nenhum do mundo me querem. Ninguém me quer. A questão está precisamente aí. Já há demasiada gente como eu em toda a parte. Essa é a única razão pela qual estou aqui. Essa é a única razão pela qual ando armado, para que não me expulsem daqui. Mas a palavra “assassinos”, não a usaria jamais para descrever os árabes que perderam as suas aldeias.

Dos nazis, digo-o sem vacilar. De Stalin também. E de todos aqueles que expropriam terras de outros»

— Amos Oz, Uma história de amor e trevas.

 

«Atalya olhou-o de soslaio, desde a sua chaise longue, e como se cuspisse as palavras entre os lábios disse: “Querias um Estado? Querias a independência? Bandeiras e uniformes e notas de banco e tambores e trombetas. Derramaste rios de sangue inocente, enterraste uma geração inteira. Expulsaste centenas de milhares de árabes das suas casas, enviaste navios inteiros de imigrantes que sobreviveram a Hitler directamente das tendas de acolhimento para os campos de batalha. Tudo para ter aqui um Estado de judeus. E vê o que conseguiste».

— Amos Oz, Judas.

 

O pogrom organizado pelo Hamas (um pogrom de facto, não uma acção de guerra) não foi dirigido contra o Estado de Israel, contra o exército de Israel, mas sim contra os ravers, as mulheres e as comunidades das aldeias. Foi uma acção abominável, mas não podemos condená-la sem, ao mesmo tempo, compreender o contexto em que teve lugar. Este contexto é o da vingança de todos contra todos. Este contexto é o de uma guerra fragmentária e global, em que neste momento apenas se enfrentam nazis contra nazis. É o fruto envenenado da vitória do nacionalismo contra o internacionalismo.

Desde 7 de Agosto de 2023, tenho acompanhado os ataques dos colonos israelitas contra os agricultores palestinianos e a violência dos soldados do Tsahal contra os jovens encarcerados nos territórios ocupados ou no campo de concentração de Gaza, bem como as profanações levadas a cabo pelos ultra-ortodoxos contra os lugares sagrados do Islão na Esplanada das Mesquitas. A principal fonte de informação é a agência ANBAMED, editada por Farid Adly.

A imprensa italiana, que define como “terroristas” os militantes do Hamas, jamais chamou terroristas aos israelitas que assassinam a sangue-frio civis desarmados, que destroem diariamente casas e arrancam oliveiras. Eu sei que o Hamas é uma organização islâmica apoiada por tiranos iranianos. Sei muito bem que as suas acções se fundam numa ideologia violenta de vingança. Mas sei também que a vingança é tudo o que resta para aqueles que são objecto de violências e humilhações sistemáticas. Aqueles que vivem sob ameaça constante, que viram as suas casas destruídas, que têm um irmão encarcerado sem justificação, não podem senão desejar a vingança.

A humilhação gera monstros, como já devíamos saber. A humilhação dos proletários alemães após o Tratado de Versalhes gerou o monstro de Hitler. A humilhação dos judeus exterminados por Hitler e abandonados por todos os Estados europeus gerou o monstro do Estado étnico militarista e colonialista de Israel. A humilhação dos palestinianos esmagados pela preponderância militar dos sionistas gerou o Hamas.

Mas a história do século XX já nos deveria ter ensinado que, se aplicarmos o princípio bíblico: olho por olho, o resultado é que ficamos todos cegos. Cegos estão os palestinianos, cegos estão os israelitas. Cegos estão os russos e cegos estão os ucranianos. No entanto, não. Após o fim do internacionalismo, movemo-nos sem rumo num mundo de cegos que lutam na eterna escuridão do nazismo omnipresente.

Livro do Êxodo:

«Se dois homens brigarem entre si e nessa luta ferirem uma mulher grávida, provocando o aborto, não havendo maior dano, ao culpado será imposta uma indemnização pelo marido da mulher, a ser paga de acordo com a aprovação dos juízes. Mas se resultar na morte, terá de ser paga vida por vida: olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, nódoa negra por nódoa negra»

Em seguida, poderão ler as notícias que a imprensa ocidental (cega) não vos deu nos dois meses que antecederam a vingança do Hamas.

 

7 de Agosto de 2023

Execução pública. Três jovens palestinianos foram executados dentro de um automóvel completamente destruído por uma saraivada de balas, em Arraba, a sul de Jenin. O comando das tropas de elite israelitas emboscou o carro num cruzamento, no meio do trânsito da cidade. O Crescente Vermelho Palestiniano denunciou que o exército impediu a assistência dos feridos e aguardou que estes morressem por sangramento, levando o carro destruído com os corpos no seu interior num reboque, numa já habitual e horrenda operação de sequestro de cadáveres. O comunicado do exército israelita fala de uma operação preventiva contra uma célula que estava prestes a levar a cabo um ataque contra cidadãos israelitas. Noutro incidente, um colono atropelou deliberadamente um rapaz palestiniano perto de Belém, provocando a sua morte. O comportamento das forças de ocupação face à agressão dos colonos caracteriza-se por uma discriminação abnormal. Não há detenção dos agressores, mas antes a sua protecção contra as pedras dos palestinianos. Em caso de assassinato, são mantidos em prisão domiciliária e, nos julgamentos, são absolvidos por "legítima defesa contra um perigo evidente". Foi o que aconteceu com os dois colonos acusados do assassinato do jovem de Burqa, Qusai Maatan, de 19 anos, assassinado a tiro durante uma manifestação palestiniana contra a apropriação de terras por colonos judeus israelitas.  Os dois assassinos, identificados através de vídeo, permanecem em liberdade. Este caso foi classificado, pela primeira vez, numa declaração do Departamento de Estado dos EUA como «um acto de terrorismo contra a população palestiniana», apelando a que os responsáveis sejam punidos pelo crime.

 

9 de Agosto

Um jovem palestiniano de 27 anos foi assassinado esta manhã, quinta-feira, pelas tropas de ocupação durante uma operação de busca em Zuwata, a oeste de Nablus. De acordo com o Ministério da Saúde palestiniano, Amir Khalifeh, de 27 anos, foi atingido na cabeça e no peito por balas militares quando atirava pedras para lutar contra o avanço das tropas. Uma execução pública que goza de impunidade. Por outro lado, a justiça libertou os dois colonos responsáveis pelo assassinato do jovem palestiniano Qusai Maatan, de 19 anos, durante uma incursão para ocupação dos terrenos agrícolas em Burqa, perto de Ramallah, na passada sexta-feira. Os dois arguidos admitiram ter disparado, «porque tiveram medo do lançamento de pedras por parte de uma multidão de palestinianos». O juiz pôs em liberdade um dos dois arguidos e decretou a prisão domiciliária para o segundo, «uma vez que não se reuniam provas suficientes que justificassem a sua culpabilidade e a sua detenção na prisão». A incursão dos colonos em Burqa ocorreu com a protecção do exército, que não interveio para impedir a agressão armada. Só após a morte de Maatan no hospital é que os assassinos foram detidos, tendo sido posteriormente libertados com recurso a conjecturas jurídicas. Mais um caso de apartheid colonial.

 

10 de Agosto

Na madrugada de hoje, mais um jovem palestiniano foi assassinado às mãos de soldados israelitas em Tulkarem, na Cisjordânia ocupada. O exército de Telavive cercou e invadiu a cidade com veículos blindados, posicionando atiradores especiais em edifícios altos. Várias casas e edifícios escolares foram ocupados para serem convertidos em bases militares. Trata-se de uma operação de busca que se repete quase diariamente nas cidades da Cisjordânia sob administração da ANP. É a terceira agressão armada num mês contra uma cidade que resiste à arrogância dos militares e dos colonos. Há alguns dias, os soldados mataram um jovem de 17 anos com um golpe na cabeça. O Crescente Vermelho denunciou que os soldados impediram as ambulâncias de socorrer os feridos.

 

14 de Agosto

No campo de Aqaba Jabr, perto de Ariha (Jericó), soldados do exército de ocupação assassinaram dois jovens palestinianos esta manhã, terça-feira, com tiros no peito. A operação relâmpago durou menos de uma hora e encontrou a resistência de jovens que atiraram pedras aos soldados. O hospital de Jericó informou que os dois jovens tinham vinte e poucos anos e que morreram pouco depois de darem entrada. Os soldados retiraram sem prender ninguém. O exército israelita não forneceu qualquer informação sobre esta operação.

 

18 de Agosto

As forças de ocupação israelitas demoliram uma escola primária em Ain Samyia, na Cisjordânia. Apenas algumas semanas antes do início do ano lectivo, a destruição da escola, que assegurava o ensino primário aos filhos dos pastores nómadas da região, teve como objectivo expulsar a população palestiniana destas terras para dar lugar à colonização judaica. Em 2023, foram demolidas três escolas nas mesmas condições. De acordo com um relatório da ONU, o plano israelita ameaça demolir mais 58 escolas primárias.

 

21 de Agosto

O estado de alerta das tropas de ocupação israelitas agrava-se em toda a Cisjordânia, com operações de busca e interrogatórios, para identificar o autor do ataque armado em Hawwara, que causou a morte de dois colonos numa estação de serviço. Estas acções repressivas do exército são acompanhadas por ataques armados de colonos contra aldeias palestinianas, com o objectivo de aterrorizar as populações e de as forçar a fugir e a abandonar as suas terras agrícolas. O exército israelita admitiu ter atingido um colono por engano, confundindo-o com um palestiniano. O incidente teve lugar perto da aldeia de Allubban, entre Nablus e Ramallah, quando um grupo de colonos atacou agricultores palestinianos atirando pedras, com soldados encurralados no meio. Os soldados confundiram os colonos com palestinianos e dispararam. Quando se aperceberam do seu erro, chamaram imediatamente as ambulâncias da Estrela de David vermelha e o ferido foi hospitalizado. Um caso exemplar de apartheid colonial.

 

22 de Agosto

A polícia israelita, a norte de Jerusalém, divulga um vídeo que mostra a estrela de David gravada, com um instrumento afiado, no rosto de um detido palestiniano sob interrogatório. Vinte agentes israelitas estão implicados neste crime. Urwa Sheikh, do campo de refugiados de Shaafat, foi detido na quarta-feira, 16 de Agosto, por delitos comuns e, segundo o seu advogado, foi apresentado perante o juiz na quinta-feira, 17 de Agosto, em condições degradantes, com a Estrela de David tatuada no lado esquerdo do rosto. Muitos comentadores israelitas recordaram a obrigação imposta pelos nazis aos judeus alemães de usarem uma Estrela de David no lado esquerdo do casaco. Um ataque armado palestiniano na província de Al-Khalil (Hebron) matou uma colona israelita e feriu outro. Os dois atiradores conseguiram escapar e numerosas forças militares israelitas estão a vasculhar a zona. A província foi declarada zona militar fechada, com postos de controlo em todas as estradas principais. 650.000 palestinianos estão impedidos de sair das cidades e aldeias, que se encontram isoladas e sem possibilidade de abastecimento alimentar. Este é o segundo ataque armado de palestinianos contra colonos numa semana. É uma resposta às rondas do exército de ocupação que invadiu muitas cidades e aldeias palestinianas, matando dezenas de pessoas. A política agressiva do governo de Netanyahu revelou-se um boomerang. Para encobrir o fracasso da sua política de segurança na Cisjordânia, o primeiro-ministro responsabilizou o Irão pela ascensão da resistência armada palestiniana contra a ocupação. Hoje de madrugada, em Beita, um jovem palestiniano foi baleado na cabeça quando fugia depois de ter atirado pedras aos soldados. Está hospitalizado e em estado grave.

 

23 de Agosto

Um jovem de 17 anos foi morto por balas de soldados israelitas em Zababda, a sul de Jenin. Othman Abu-Kharaj foi baleado na nuca enquanto fugia depois de atirar pedras aos soldados da ocupação militar. Foi o 53º menor de idade morto pelo exército israelita na Cisjordânia desde o início do ano. Ontem, 50 palestinianos foram detidos em várias operações de captura levadas a cabo especialmente na província de Al-Khalil, onde há dois dias ocorreu um ataque armado palestiniano que causou a morte de uma mulher israelita e o ferimento de um homem.

 

25 de Agosto

Campanha de operações de captura sistemáticas pelo exército israelitas em várias cidades da Cisjordânia ocupada. Foram detidos quarenta palestinianos apenas no dia de ontem. Desde os últimos três dias, o número de detidos ascendeu aos 120 e, e são já 5 mil a contar do início do ano.

 

27 de Agosto

Além de operações de captura nas cidades e aldeias da Cisjordânia, ontem foram registadas incursões de colonos armados em áreas agrícolas perto de al-Khalil, Nablus e Jerusalém Oriental. Os colonos destruíram terras cultivadas e arrancaram árvores de fruto e oliveiras. Em Tulkarem, 5 palestinianos foram feridos quando tanques do exército israelita entraram na cidade. No Mar de Gaza, unidades da marinha israelita impediram os pescadores palestinianos de trabalhar, atingindo os seus barcos com tiros de metralhadora, forçando-os a recuar para o porto.

 

29 de Agosto

Um relatório da HRW denuncia a escalada israelita contra os jovens palestinianos e em particular contra os menores de idade. No ano de 2022 foi atingido um recorde face aos últimos 15 anos, e nos primeiros meses de 2023, o número de vítimas menores de idade superou o número total do ano anterior: 34 menores de idade palestinianos morreram assassinados por balas militares disparadas por soldados israelitas. Na sua maioria, os jovens foram atingidos na cabeça e no tórax, sinal de que os atiradores dispararam para matar. Todos os casos ocorrem durante a repressão de manifestações e não em confrontos armados. Em 2021, o exército israelita foi autorizado pelo governo de Tel Aviv a disparar contra manifestantes em fuga. Impunidade criminosa.

 

31 de Agosto

Quatro jovens palestinianos foram mortos ontem. Dois pelas mãos de soldados israelitas, em Nablus e em Jerusalém Oriental; um pelas mãos de agentes da polícia do Presidente Abbas e o quarto numa explosão acidental de uma bomba artesanal que estava a fabricar em casa. Em Nablus, um oficial e três soldados israelitas foram feridos pela detonação de uma bomba que afectou o camião militar em que se deslocavam. A incursão dos soldados na cidade administrada por autoridades palestinianas deu-se para garantir que os colonos judeus extremistas pudessem visitar o denominado “Túmulo de José”. Centenas de jovens impediram o avanço dos camiões militares atirando pedras e cocktails molotov, mas a força militar esmagadora prevaleceu. Cerca de cinquenta jovens foram presos. Em Jerusalém, o assassinato de um jovem foi justificado pelas autoridades da ocupação israelita com uma tentativa de esfaqueamento num posto de controlo. Em Tulkarem, as tensões acentuam-se após a morte de um jovem baleado por agentes da ANP. Como sempre, o governo de Ramallah fala em criar uma comissão de inquérito (para encobrir o caso). As forças de segurança tinham tentado remover as barreiras dispostas pela resistência armada, para impedir o avanço dos soldados israelitas. O colaboracionismo com os ocupantes corre o risco de quebrar a solidariedade da frente palestiniana. Todos os partidos palestinianos, excepto a Al-Fatah, condenaram a perigosa evolução do confronto interno.

 

1 de Setembro

O exército israelita reprimiu de forma sanguinária as manifestações contra a colonização em diversas localidades da Cisjordânia. Os soldados dispararam directamente contra os activistas “armados” com bandeiras e pedras palestinianas. Um jovem foi morto em Aqqaba, no norte do território ocupado. Segundo o Ministério da Saúde da AP, cerca de uma centena de pessoas foram feridas por disparos de balas militares nas várias localidades onde decorreram as manifestações. Em Gaza, os militares israelitas dispararam contra a concentração pacífica de palestinianos que se preparavam para uma marcha com bandeiras, perto do arame farpado erguido em torno da grande prisão ao ar livre que é a Faixa de Gaza. A manifestação foi convocada em solidariedade com os lugares islâmicos de Jerusalém Oriental, ameaçados pela ocupação dos colonos extremistas.

 

6 de Setembro

Um rapaz palestiniano, Mohammed Zbeidat, 17 anos, foi perseguido e morto por soldados israelitas no norte de Ariha (Jericó). As tropas de ocupação invadiram a aldeia de Zbeidat e ergueram postos de controlo militar. Num comunicado, o exército israelita refere uma tentativa de disparo contra os soldados, mas testemunhas oculares palestinianas que assistiram à perseguição e ao assassinato dizem que o jovem, que foi deixado a sangrar até à morte sem assistência, não estava armado. A operação militar israelita de ontem na aldeia de Nur Shams, perto de Tulkarem, que também culminou no assassinato de um jovem palestiniano, não se limitou ao patrulhamento e às buscas, mas destruiu infra-estruturas, casas e espaços públicos, causando enormes danos à população e provocando graves consequências na sua vida quotidiana. Foram destruídos os principais motores municipais da rede de água, a central local de distribuição de energia eléctrica e uma bomba de combustível. Crime de guerra impune.

 

11 de Setembro

Dois palestinianos gravemente feridos no campo de al-Oroub durante o funeral do menino assassinado na véspera pelas balas dos soldados israelitas. Os comandos militares não queriam que o funeral se realizasse em público, mas os familiares e a população desafiaram a ordem absurda. O exército posicionou atiradores especiais à volta do cemitério e montou postos de controlo com camiões blindados, disparando balas militares contra um cortejo fúnebre. Em diversas aldeias e cidades da Cisjordânia, o exército realizou operações de captura. 5 militantes foram presos. A oeste de Jenin, um grupo de resistência anunciou que tinha disparado um rocket caseiro contra um assentamento israelita. Imagens e vídeos do lançamento foram publicados nas redes sociais, mas os efeitos não são conhecidos. Segundo a imprensa israelita, caiu em área livre e não causou danos.

 

16 de Setembro

Um bombardeamento israelita em Gaza durante a noite. A área bombardeada é uma localidade a norte da Faixa, onde se realizavam manifestações de protesto próximas da rede de demarcação estabelecida pelo exército ocupante. Segundo fontes em Gaza, só houve feridos. Nos últimos dias, ocorreram protestos em massa ao longo da linha de demarcação com queima de pneus e lançamento de balões incendiários. O exército israelita disparou sobre a multidão. Ontem, 12 pessoas foram feridas, incluindo um jornalista que estava a cobrir a iniciativa para uma televisão árabe.

 

19 de Setembro

As tropas de ocupação israelitas cercam a cidade de Nablus há mais de 24 horas. A operação de vingança foi motivada por disparos contra um posto de controlo do exército, feitos a partir de um carro palestiniano em movimento. Em Jerusalém Oriental, um jovem palestiniano foi atingido por uma bala das forças de ocupação. Foi hospitalizado sob detenção. Tinha tentado esfaquear um soldado. Também continuam as demolições de casas palestinas, sob o pretexto da falta de autorizações. Ontem, três foram demolidas na região do Vale do Jordão. Um relatório da organização israelita B'Tselem acusa o governo de Tel Aviv de pretender a expulsão violenta dos palestinianos das suas terras na Cisjordânia para atribuí-las aos colonos judeus, concedendo liberdade a estes últimos para agir impunemente com ataques à mão armada contra a comunidade palestiniana, queima de colheitas, destruição de poços e arrancamento de árvores. Segundo o relatório, no ano passado, 6 comunidades palestinianas na Cisjordânia foram forçadas a abandonar as suas terras para escapar à violência dos colonos.

 

20 de Setembro

Enésima operação militar em Jenin. Três palestinianos mortos e 30 feridos. Um grupo de soldados à paisana entrou no campo de refugiados durante a noite, entre segunda e terça-feira, para capturar dois combatentes da resistência, mas foram descobertos e cercados por activistas que lhes atiraram pedras e garrafas de vidro. O exército enviou tanques em seu auxílio, lançou drones kamikaze e sobrevoou a área com helicópteros. Para bloquear o avanço das tropas, grupos de combatentes dispararam rajadas de metralhadoras e lançaram bombas rudimentares de fabricação artesanal. Um tanque israelita foi incendiado. Ontem à tarde, as tropas de ocupação retiraram-se. Uma declaração do exército fala na captura de dois homens da resistência.

 

21 de Setembro

Seis jovens palestinianos assassinados ontem em ataques israelitas na Cisjordânia e em Gaza. As tropas de ocupação realizaram ontem duas operações militares no campo de Aqabat-Jabr, perto de Ariha (Jericó) e Jenin. Na primeira operação, um menino foi morto a tiro quando atirava pedras aos soldados para tentar bloquear o seu avanço. Segundo o Ministério da Saúde palestiniano, o jovem foi atingido na cabeça e chegou ao hospital já morto. Em Jenin, porém, foi uma carnificina: 4 pessoas morreram num único ataque. Nesta operação, o exército de Tel Aviv recorreu a drones kamikaze de controlo remoto. Segundo testemunhas locais, os soldados não conseguiram entrar no campo de refugiados de Jenin e o primeiro grupo de soldados foi cercado por atiradores de pedras. O exército de ocupação enviou reforços com tanques. A resistência armada destruiu dois veículos com bombas caseiras e fez incursões com tiros de metralhadora. Os soldados detiveram duas pessoas, que foram posteriormente libertadas, «devido à falta de fundamento das suspeitas contra elas», segundo o mesmo comunicado militar israelita. Tratou-se de uma operação para mostrar os músculos. Em Gaza, soldados dispararam contra manifestantes palestinianos na linha de demarcação, matando uma pessoa e ferindo outras 20.

 

24 de Setembro

Na madrugada de hoje, tropas israelitas assassinaram dois jovens palestinianos no campo de Nour Shams, a leste de Tulkarem. Os médicos do hospital sublinharam que as duas vítimas foram atingidas na cabeça, sinal de que o atirador pretendia matar. As tropas israelitas introduziram bulldozers no campo para destruir a superfície das estradas e as redes de serviços (electricidade, água e esgotos), para tornar a vida impossível para os habitantes do campo que não se renderam aos ditames do colonialismo israelita. O avanço dos soldados enfrentou a resistência através do lançamento de pedras e garrafas de vidro. O exército de ocupação israelita anunciou o encerramento hermético da Cisjordânia e de Gaza durante 48 horas, desde ontem (sábado) até à noite de amanhã (segunda-feira), por ocasião dos feriados judaicos. Todos os pontos de passagem para o território israelita foram encerrados ao tráfego de pessoas e mercadorias. Ontem teve lugar, na cidade de Issawia, a leste de Jerusalém, uma operação militar na qual três jovens palestinianos foram feridos a tiro. Em Kfar Qaddum, na Cisjordânia, as tropas israelitas dispersaram a habitual manifestação anticolonial da população, que se realiza uma vez por semana, contra a apropriação de terras agrícolas por parte do exército em favor dos colonos judeus.

 

27 de Setembro

Caças israelitas bombardearam Gaza ontem, na tentativa de dissuadir os palestinianos de se manifestarem na linha de demarcação. Os principais alvos dos ataques aéreos foram os postos de observação e monitorização. Não há relato de vítimas. Os soldados de Tel Aviv dispararam directamente sobre os manifestantes perto da cerca de separação, ferindo mais de 20 pessoas incluindo jornalistas e pessoas responsáveis pela assistência médica. Entretanto, mantém-se o encerramento total das passagens fronteiriças para passagem de pessoas e mercadorias de e para a Faixa de Gaza. Na Cisjordânia, continua a ofensiva geral do exército israelita contra a população a sul de Jenin. Tropas blindadas entraram em Yaabad, a oeste da capital, e em várias outras aldeias. Os raides e os bloqueios de estradas foram recebidos com pedras atiradas pelos jovens da nova Intifada.

 

29 de Setembro

O exército israelita destruiu a aldeia de Al-Araaqeeb, a norte de Beersheba, no Negev, pela 222ª vez. É a segunda vez neste mês de Setembro. A aldeia desértica habitada por pastores palestinianos caiu na mira do governo israelita, que pretende designar as suas terras para uma expansão da cidade judaica vizinha. A aldeia foi construída com papelão, plástico e chapas metálicas, e as 22 famílias resistentes nunca abandonaram as suas terras desde que teve início o seu calvário em 2010. Cada vez que os militares a destroem com um bulldozer, os habitantes recuperam o material e reconstroem. O mundo está em silêncio sobre estes crimes do Apartheid.

 

30 de Setembro

Um jovem de 18 anos foi assassinado por soldados israelitas em El-Bira e outro ficou gravemente ferido. Foi decretado luto geral na cidade. O exército da ocupação disse que os soldados dispararam sob a suspeita de que os dois jovens tentavam atirar garrafas a um posto de controlo na entrada de uma colónia hebraica. Condutores palestinianos que passavam pela área negaram a versão conveniente dos ocupantes. O corpo da vítima foi apreendido pelo exército e não foi devolvido à família; uma odiosa prática vingativa e desumana.

 

5 de Outubro

Hoje de madrugada, um raide policial em Tulkarem. Centenas de soldados e agentes especiais à paisana invadiram o campo de refugiados e devastaram a infra-estrutura. Um bulldozer israelita investiu contra uma carrinha de trabalhadores palestinianos, destruindo-a, mas felizmente sem quaisquer vítimas. Ontem, tropas israelitas entraram em Nablus, com cerca de quarenta veículos blindados, drones e atiradores especiais, para garantir a visita dos colonos judeus ao “Túmulo de José”. É um túmulo no interior de uma mesquita de um homem palestiniano que morreu no século XIX, há dois séculos, mas os fanáticos religiosos sionistas afirmam que é o do profeta José e organizam visitas colectivas para reuniões de oração judaicas dentro de um lugar de culto muçulmano. Depois da intervenção do exército para reprimir os protestos dos jovens palestinianos, 40 autocarros carregados de fanáticos entraram na cidade. Em Jerusalém Ocidental, repetiu-se pelo quinto dia consecutivo a profanação da mesquita de Al-Aqsa. Mil judeus extremistas entraram no local de culto, protegidos pelas forças de ocupação.

 

6 de Outubro

É uma guerra não declarada. Operações militares das forças da ocupação em Tulkarem, Belém, Hawwara e Nablus. 3 jovens palestinianos foram assassinados e dezenas ficaram feridos e outros tantos foram detidos. As operações mais sangrentas ocorreram em Tulkarem, onde as tropas blindadas tentaram invadir o campo de refugiados desde a madrugada de ontem, mas foram repelidas pela resistência dos jovens que atiraram pedras e cocktails molotov. Um veículo militar foi incendiado e houve feridos entre os soldados atacantes. Dois jovens palestinianos foram baleados pelos soldados e morreram nas ruas da cidade antes da retirada das tropas. O terceiro jovem foi assassinado em Hawwara, a cidade mártir, incendiada meses antes pela fúria de colonos assassinos. As operações de busca também ocorreram em Nablus e Belém. Na prática, o acordo de Oslo está morto para o governo de Tel Aviv. As cidades sob controlo administrativo e de segurança da ANP (zona A) também são palco de operações militares diárias. A estas acções do exército somam-se as agressões armadas dos colonos. No Vale do Jordão, lavraram terras palestinianas com um bulldozer para tomá-las. Numa aldeia perto de Salfit, os colonos arrancaram 40 oliveiras. O Observatório Euro-Mediterrânico, com sede em Genebra, apresentou um relatório sobre a violência dos colonos contra os palestinianos à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O relatório assinala que nos primeiros seis meses deste ano ocorreram 1.148 agressões por parte dos colonos, todos os ataques ocorreram sob a protecção do exército e com a cumplicidade do governo e do poder judicial israelita. O relatório fala claramente do regime do Apartheid e da violação das leis internacionais nos territórios ocupados.

 

 

Franco “Bifo” Berardi

Franco “Bifo” Berardi foi uma figura de destaque no operaísmo italiano, em particular na sua ala mais criativa e dedicada à experimentação com os média e a produção cultural. Fundou a Radio Alice, primeira rádio livre em Itália (1976-1978), e a revista A/traverso (1976-1981), que combinava maoísmo e dadaísmo numa crítica anti-autoritária. Exilado em Paris, trabalhou com Felix Guattari em esquizoanálise. Desde os anos 1990 que o seu trabalho tem incidido sobre a relação entre psicopatologia, tecnologias da informação e capitalismo.

 

Nota da edição

Texto publicado originalmente em Effimera com o título Occhio per occhio e tutto il mondo è cieco, posteriormente publicado no Lobo Suelto!. A tradução para português foi realizada por Paulo Ávila.

 

Imagem

Turistas americanos e franceses participam num workshop de “contra-terrorismo”, no colonato Gush Etzion, na Cisjordânia ocupada. Imagem da série The Sacred Space Odity, da fotógrafa palestiniana Tanya Habjouqa.

 

Ficha técnica

«Olho por olho e o mundo está cego» • Franco “Bifo” Berardi

Data de publicação • 16.10.2023

Edição #40 • Outono 2023