Em 1935, Georges
Canguilhem escreveu Le fascisme et les paysans (O Fascismo e os
Camponeses) para o Comité de Vigilância dos Intelectuais Antifascistas, o movimento
formado como resposta à tentativa de tomada de poder pela direita radical em
França um ano antes. [1] Este texto de juventude de um dos mais
importantes autores da venerável tradição francesa de epistemologia histórica
alertava para os perigos da ideologia agrária fascista, representada em França
pelos Comités de Defesa Camponesa e pelo seu chefe, Henri Dorgères. [2] Canguilhem
tratava as propostas ruralizantes dos camisas verdes de Dorgères – com o seu
lema «D’abord la terre!» («Primeiro a terra!») – como um projecto
moderno baseado na simplificação da vida rural e que substituía a
multiplicidade de seres vivos que constituíam o campo francês por entidades
normalizadas. Denunciava o gesto fascista que pretendia controlar os
agricultores e subordiná-los a um Estado centralizado. [3]
Michel Foucault,
porventura o mais influente comentador de Canguilhem, sugeriu não se tratar de
coincidência que vários epistemólogos tivessem sido activistas antifascistas e
pertencido à Resistência Francesa depois da invasão do país por Hitler em 1940.
[4] Jean Cavaillès (o filósofo que fundou a rede de
resistência Libération), fuzilado pelos nazis em 1944, foi mais tarde
recordado pelo seu colega e amigo Canguilhem como um «filósofo e matemático
carregado de explosivos». [5] O próprio Canguilhem juntou-se à Libération
em 1943 e lutou como guerrilheiro nas montanhas de Auvergne. A continuidade
entre o trabalho teórico e a resistência armada contra o fascismo era explicada
assim por Foucault: os epistemólogos, através do seu questionamento das formas
de conhecimento, entendiam o fascismo como tentativa totalitária de controlar todas
as dimensões da vida, um caso extremo de biopolítica. [6] Se Canguilhem discutia
a racionalidade recorrendo a conceitos como «o patológico» e «resistência», não
podia deixar de estar na linha da frente contra regimes políticos que prometiam
eliminar completamente a hipótese do erro, que, na sua perspectiva, era
elemento constitutivo da própria possibilidade de existência de vida. O
confronto com o fascismo foi, nesse sentido, crucial no estabelecimento de uma
tradição epistemológica que questionou modos de conhecer e manipular a vida.
Este livro
retoma essa tradição para explorar o fascismo como biopolítica. Partindo da convicção
de Canguilhem e Foucault, de que o estudo das formas de controlo da vida é
fundamental para entender o fascismo, segue uma via alternativa: [7] investiga o
melhoramento de plantas e animais como produção de vida fascista. Estas páginas
dão conta de como organismos tecnocientíficos concebidos para sustentar a nação
orgânica dos fascistas se tornaram elementos importantes na institucionalização
e expansão dos regimes de Mussolini, Salazar e Hitler. Não se trata de
substituir os humanos por não-humanos nas explicações sobre as transformações
históricas, mas sim de alargar a noção de biopolítica e sugerir que devemos
integrar de forma consequente plantas e animais na história, para sermos
capazes de compreender o modo como colectivos surgiram e evoluíram. [8] Os colectivos fascistas
não dependiam apenas das intervenções sobre a vida humana identificadas por
Foucault e os seus discípulos – higiene, reprodução e raça. [9] Também incluíam
organismos produzidos por geneticistas e melhoradores que faziam uso das novas
práticas das ciências da hereditariedade para produzir plantas e animais,
formas de vida tão importantes como os corpos humanos na criação do fascismo.
Nesse sentido, o
texto antifascista de Canguilhem encerra mais algumas ideias preciosas. Em
primeiro lugar, trata simultaneamente das políticas agrárias dos regimes
fascistas em Itália e na Alemanha, sublinhando as continuidades entre esses
dois regimes e a ideologia dos camisas verdes franceses. Em segundo – e este
talvez seja o ponto mais importante –, inclui na sua análise sobre o fascismo
as novas variedades de trigo desenvolvidas para aumentar a sua produtividade à
custa das suas propriedades de moagem. Canguilhem estabelece uma relação directa
entre o interesse dos grandes agricultores em aumentar a produtividade e o
discurso fascista que prometia enraizar a nação no solo pátrio, mas que
ignorava a diversidade de situações concretas que constituíam o mundo rural.
Este livro inspira-se na atenção dada por Canguilhem a organismos tecnocientíficos
específicos para explorar as dinâmicas históricas do fascismo. Na primeira
parte, o trigo, as batatas e os porcos guiar-nos-ão pela fase inicial da
institucionalização do fascismo em Itália, Portugal e Alemanha. Na segunda, os
carneiros, o algodão, o café e a borracha levar-nos-ão até à violenta expansão
colonial dos três regimes em África e na Europa de Leste.
Hans-Jörg
Rheinberger, ao revisitar o trabalho de Canguilhem, insiste na importância
deste para a escrita da história da ciência. [10] O
reconhecimento de Canguilhem de que «não poderá haver uma história da verdade
que seja exclusivamente história da verdade nem uma história da ciência
que seja exclusivamente história da ciência» requer, segundo Rheinberger,
um enfoque nas preocupações sociais e tecnológicas de onde as ciências surgem. [11] A análise de
Canguilhem sobre a medicina experimental de Claude Bernard é particularmente
esclarecedora a esse respeito, dado que evoca «o sonho demiúrgico de todas as
sociedades industriais de meados do século xix, período em que as ciências,
graças à sua aplicação, se transformaram numa força social». [12] A afirmação, portanto,
vai mais além da aceitação de que devemos conhecer os contextos sociais e
económicos para compreender a história da ciência. Devemos também reconhecer o
poder criativo das ciências experimentais e da sua capacidade para eliminar a
distinção entre conhecimento e criação: novas coisas são criadas, mudando esses
contextos; as coisas científicas constituem uma «força social» em si mesmas.
Foi a isso que Canguilhem aludiu quando relacionou a produção de novas
variedades de trigo com o surgimento do fascismo nas zonas rurais francesas.
Mas foi apenas nesse texto militante que especificou as maneiras concretas como
as coisas científicas e tecnológicas mudaram importantes contextos políticos.
Este livro
recupera esse compromisso inicial de Canguilhem e visa compreender como novas
variedades de trigo e batata, novas raças de porcos e carneiros artificialmente
inseminados contribuíram para a materialização da ideologia fascista. Estes
organismos são vistos como «coisas tecnocientíficas densas» que, em contraste
com os «objectos científicos pobres» isolados da sociedade, unem a ciência, a
tecnologia e a política num continuum. [13] Este não é um
estudo sobre o que aconteceu aos cientistas nos regimes fascistas, mas que
revela, ao seguir as trajectórias históricas das coisas tecnocientíficas, como
as novas formas de vida intervieram na formação e expansão dos regimes
fascistas. Não aborda o fascismo como o contexto histórico em que certos
projectos científicos ocorreram, preferindo, em vez disso, centrar-se nas
maneiras como os organismos tecnocientíficos constituíram o fascismo. [14]
O Fascismo como
Modernidade Alternativa
A despeito da
longa e respeitável lista de estudos históricos que examinaram a relação entre
a ciência e o nazismo, não existem na história da ciência trabalhos que tratem
da ciência e do fascismo de modo mais geral. [15] Quando a palavra
«fascismo» surge em narrativas produzidas por historiadores da ciência, aquela
alude a regimes fascistas específicos (o de Hitler, o de Mussolini ou o de
Franco) sempre de modo separado. [16] Isso é
surpreendente ao considerar a muito produtiva tradição historiográfica que
analisa o fascismo como um fenómeno de cariz genérico e como um conceito
fundamental da história contemporânea. [17] Como «a doutrina
política historicamente mais relevante em todo o mundo criada durante o século
xx», o fascismo é, sem dúvida, uma parte essencial da história moderna
europeia. [18] Se todas as nações desenvolvidas do mundo com algum
grau de democracia política tiveram algum tipo de movimento fascista no período
entreguerras, a grande maioria dos países europeus foi mais longe na sua
relação com o fascismo. Além dos dois casos canónicos de Itália e Alemanha, em
que movimentos fascistas tomaram o poder, não se pode eludir o fascismo ao
tratarmos dos regimes políticos de Dolfüss, na Áustria, de Horthy, na Hungria,
de Antonescu, na Roménia, de Metaxas, na Grécia, de Pétain, em França, de
Franco, em Espanha ou de Salazar, em Portugal. Obviamente, não existe consenso
historiográfico sobre a tipologia adequada desses diferentes regimes. Mas,
independentemente de os catalogarmos como fascistas ou não, os historiadores
concordam que todos tiveram dimensões fascistas significativas, formando aquilo
que Roger Griffin descreve como «parafascismo» e Michael Mann chama «regimes
fascistas hifenizados»: o «monarco-fascismo» de Metaxas, o «clérico-fascismo»
de Dolfüss e por aí adiante. [19] A inclusão do caso português
neste livro não só apresenta um contexto nacional que normalmente está ausente
da história da ciência e da tecnologia, como também tem a vantagem de incluir o
debate neste contexto alargado da experiência europeia com o fascismo. [20] O regime
fascista português é exemplar quanto às dinâmicas dos fascismos hifenizados e
parafascismos. Além disso, a longevidade da ditadura portuguesa (1926–1974) e a
dimensão imperial do regime do Estado Novo contribuem decisivamente para fazer
deste um objecto histórico a considerar ao lado da Alemanha nazi e da Itália
fascista. Os historiadores da ciência e da tecnologia reclamam amiúde por mais
atenção para as suas disciplinas por parte de historiadores de outros campos,
mas, na sua maioria, têm estado ausentes dos debates importantes relativos à
história do fascismo. Este livro procura superar essa limitação ao considerar
as experiências de três países com o fascismo.
Ao estudar
ciência e fascismo, devemos considerar o modo como, nas últimas décadas, o
estatuto historiográfico do fascismo passou de um hiato temporal em que reinava
a irracionalidade para uma parte integral da experiência humana com a
modernidade. [21] Roger Griffin
é o autor que mais consistentemente defendeu a necessidade de compreender o
fascismo como uma ideologia política modernista que prometia combater os
efeitos nocivos da modernidade em que, como foi afirmado por Marx, «tudo o que
é sólido se dissolve no ar». [22] Como Griffin faz, levar o
discurso fascista a sério possibilita a identificação de um projecto político
coerente de renascimento nacional que prometia transcendência e propósito para sociedades
sob as alegadas ameaças modernas de individualismo, anomia social e alienação. [23] Ademais, romper
com o passado, fabricar novas tradições históricas e imaginar futuros
alternativos não eram gestos limitados às vanguardas artísticas modernistas. [24] Os fascistas
também merecem ser considerados modernistas pelo radicalismo da sua revolução
nacionalista, que prometia ultrapassar tensões e crises do período
entreguerras. [25] Enquanto Mussolini insistiu que «todas as
experiências políticas do mundo contemporâneo são antiliberais», Salazar, tendo
analisado o «grande laboratório do mundo contemporâneo» (isto é, em 1934),
previu que «dentro de vinte anos, se não aparecer algum movimento retrógrado na
evolução política, já não haverá nenhuma assembleia legislativa na Europa». [26]
Nesta visão do
fascismo como modernismo, o fascismo é muito mais do que uma versão
radicalizada do conservadorismo; é uma experiência social modernista
totalizante com o objectivo de inventar uma nova comunidade nacional. Os
fascistas não eram reaccionários que procuravam cristalizar a história; eram
radicais que experimentavam com novas conformações políticas. É certo que o
passado tinha uma função, mas este era um passado novo e simplificado,
inventado pelos propagandistas dos diferentes regimes. Legionários romanos,
cavaleiros teutónicos e marinheiros portugueses dos Descobrimentos ganharam
vida em exposições, transmissões radiofónicas e filmes. [27] Mas ninguém
pensou em adoptar realmente os seus estilos de vida; eles serviam como mitos modernos
que uniam o colectivo. Os rituais culturais de massas, as medidas eugénicas, o
planeamento urbano, as políticas sociais, a censura, as redes de transporte e o
poder militar, tudo isso pode ser visto como elementos de uma grande
experiência modernista de regimes fascistas que procuravam formar uma nova
comunidade nacional, uma modernidade alternativa ao bolchevismo e à democracia
liberal.
É difícil evitar
o desconforto ao aplicar a noção de «modernidade alternativa» ao fascismo –
sobretudo quando consideramos que muitos dos que a usam fazem-no com intenções
emancipatórias, destacando as diversas formas que a modernidade pode assumir no
Sul Global, fora das versões ocidentais da teoria da modernização. [28] Porém, como S.
N.Eisenstadt demonstrou de modo convincente, ao discutir as características modernas
do fundamentalismo religioso, não há necessariamente bondade ligada à
«modernidade alternativa» (ele, na verdade, prefere «modernidades múltiplas»). [29] Também não há
bondade numa modernidade alternativa fascista e na sua tentativa totalitária de
transformar a sociedade – em que a autoridade do ditador substitui a democracia
política e aqueles que não são considerados parte da comunidade nacional, seja
por razões políticas ou raciais, são privados de cidadania ou mesmo eliminados.
Mas, se
considerarmos válida esta noção do fascismo enquanto modernidade alternativa,
como aqui se defende, o papel dos historiadores da ciência e da tecnologia na
produção de uma melhor compreensão do fenómeno torna-se mais claro. O seu
envolvimento com «o pormenor, a ambiguidade e a variedade» das práticas e dos
objectos dos cientistas e engenheiros poderá contribuir decisivamente para
ultrapassar os limites das narrativas da modernidade baseadas em noções
ingénuas de como a ciência e a tecnologia interagiram com a sociedade. [30] Michael Thad
Allen e Thomas Zeller já demonstraram as vantagens de olhar para a tecnologia
quando descreveram a versão particular de modernidade associada aos nazis.
Enquanto Allen, focando-se nas técnicas de gestão do trabalho, substituiu a
figura do perpetrador de genocídio enquanto personificação da banalidade do
mal, de Hannah Arendt, pela do membro da SS como o burocrata modernista guiado
pelo seu entusiasmo pela eficiência e por visões raciais utópicas, Zeller
explicou minuciosamente o processo pelo qual as Autobahnen de Hitler
fizeram parte do projecto mais amplo de dar forma a uma «comunidade nacional
que afirmava pretender eliminar diferenças sociais e distinções de classe e
propriedade, e ser racialmente homogénea». [31] Em ambos os
casos, o velho paradoxo do modernismo reaccionário, que sugeria uma contradição
não resolvida no cerne da ideologia nazi entre o romantismo e a racionalidade técnica,
deu lugar a uma imagem de tecnologias que incorporavam uma modernidade
alternativa fascista. [32] Mais recentemente, Lino Camprubí deu um
importante contributo para esta literatura ao observar a coevolução da
engenharia e do regime franquista, e ao demonstrar o modo como a noção fascista
de redenção nacional espanhola se materializou por meio de empreendimentos
tecnológicos. [33] Além disso, essas abordagens ecoam a importante
tendência na história da ciência de superação da tradicional oposição entre
romantismo e conhecimento científico, uma tendência que ressalta o modo como as
máquinas foram historicamente capazes de materializar utopias sociais
românticas, ou (para mantermos o mesmo vocabulário) o modo como os instrumentos
científicos e a tecnologia incorporaram a modernidade alternativa romântica. [34] Na mesma linha, este livro interessa-se pelo
mundo fascista alternativo que a ciência produziu, não pela ciência alternativa
que o fascismo produziu.
Alimentação e
Nação Orgânica Fascista
Sem alimentar a
nação orgânica não haveria modernidade alternativa fascista. Para os fascistas,
a nação merecia todos os sacrifícios e tornava as alianças de classe ou
ideologia irrelevantes. [35] Historiadores políticos, sociais e da
cultura já explicaram como, no século xix, foram imaginadas comunidades
nacionais graças à invenção de uma cultura nacional e à sua disseminação em
salas de aula, na imprensa, em exposições mundiais ou nas casernas. [36] Partindo dos
diferentes nacionalismos locais formados desse modo, os fascismos desenvolveram
uma forma radicalizada de nacionalismo ao aderirem a uma concepção biológica da
nação como órgão, corpo ou raça. [37] Os regimes
liberais foram acusados de não cumprir os seus deveres para com a nação e de
quase a terem extinguido durante a Primeira Guerra Mundial. Assim que o
conflito terminou, os antigos combatentes não demoraram a apelar a uma
constante mobilização para defender o corpo nacional sob ameaça, eliminando as tradicionais
distinções entre reserva e acção, ou entre paz e guerra. [38] E, se nem todos
os regimes fascistas foram tão obsessivos como os nazis, com supostas intrusões
de raças inferiores, nenhum ignorou o perigo da escassez alimentar. A fome,
sentida em toda a Europa durante a Primeira Guerra Mundial, transformou, em
grande medida, a nação orgânica numa entidade concreta através da figura do
corpo ameaçado. [39] A propaganda nazi haveria de lembrar
que os Alemães eram «filhos da batata», tendo visto a sua existência ameaçada
durante a Primeira Guerra Mundial, tanto pelas armas do inimigo como pelas
pragas de míldio que atacaram a cultura da batata. [40]
Embora o tema da
raça tenha tradicionalmente contribuído para estabelecer diferenças entre os
regimes fascistas, com a tendência para perceber o nazismo como caso isolado ou
extremo, a alimentação, pelo contrário, ilumina as muitas semelhanças das
diferentes experiências nacionais com o fascismo. Isto é importante para este
livro, dado que a narrativa não só faz comparações entre Itália, Portugal e
Alemanha, como também insiste na importância de seguir dinâmicas históricas
transnacionais concretas que ligam os três fascismos em estudo.
Na verdade, como
se discute na primeira parte, todos os regimes fascistas do período
entreguerras imaginaram formas de fazer o solo nacional alimentar o corpo
nacional. A alimentação foi fundamental para traduzir a ideologia fascista da
nação orgânica em políticas concretas. Segundo os dirigentes fascistas, a
independência nacional seria alcançada por meio de campanhas de produção
agrícola como a Battaglia del Grano (Batalha do Trigo), a primeira
mobilização de massas da Itália fascista, lançada em 1925, reproduzida em
Portugal em 1929, e na Alemanha em 1934. O conceito de mobilização total, que
no início da década de 1930 foi transferido por Ernst Jünger das trincheiras da
Primeira Guerra Mundial para toda a sociedade, tinha a sua mais óbvia
manifestação nestas primeiras grandes
campanhas fascistas. [41] Agricultores, industriais químicos,
fabricantes de máquinas, geneticistas, locutores de rádio e intelectuais
fascistas foram todos mobilizados para alimentar e sustentar a comunidade
nacional. O lema marcial da Campanha do Trigo portuguesa proclamava: «O trigo
da nossa terra é a fronteira que melhor nos defende!» Os historiadores não têm
dado suficiente importância ao facto de uma das primeiras iniciativas dos
regimes fascistas ter sido pôr em marcha campanhas para a produção de alimentos
e matérias-primas que prometiam a sobrevivência e o crescimento do corpo
nacional.
Talvez se julgue
que estudar a nação orgânica através da alimentação e não da raça projecta uma
versão mais aceitável do fascismo, ignorando os seus aspectos mais violentos.
No fim de contas, as questões relacionadas com o abastecimento alimentar, em
contraste com a degeneração racial, eram problemas reais que desafiavam todas
as sociedades europeias no período entreguerras. Mas a alimentação também foi
indissociável de ambições de expansão territorial, com a colonização a ser
vista como a única solução a longo prazo para a sobrevivência e o crescimento
do corpo nacional num mundo dominado por blocos imperiais. Contra-intuitivamente,
a obsessão fascista com a auto-suficiência nacional, expressa em campanhas de
produção internas, também naturalizou a necessidade de colonização. No mundo
hostil do credo geopolítico fascista, só as nações imperiais podiam ser
consideradas verdadeiramente independentes. O imperialismo fascista constitui o
contexto histórico da segunda parte do livro.
O fascismo foi responsável
pelas últimas grandes conquistas coloniais das nações europeias: enquanto a
Itália invadiu a Etiópia e fortaleceu a sua presença na Líbia, a Alemanha
transformou a Europa de Leste numa versão continental do «Coração das Trevas». [42] Portugal tinha
já salvaguardado o seu Império na Partilha de África do século xix, mas o novo
regime fascista intensificou a sua presença colonial. O foco na alimentação e
na terra também nos conduzirá até às características violentas do fascismo que
justificam muito do interesse académico e popular pelo fenómeno. A visão de
Hitler da expansão da Alemanha para Leste foi, desde início, articulada como
conquista de novas terras para colonos alemães, convertendo a agricultura num
aspecto central da dinâmica que culminaria no Holocausto. [43] Nos casos
italiano e português, as raças também foram componentes fundamentais dos
respectivos impérios, mesmo se não se encontra aí a decisão explícita de
eliminação de uma «raça», como a tomada na infame Conferência de Wannsee pelas
autoridades nazis. [44] Mas, à semelhança do exemplo nazi, é
também nas colónias que deparamos com as histórias mais sombrias de ambos os
regimes. Como veremos na segunda parte, a agricultura está no centro da
dinâmica histórica dos genocídios perpetrados em África sob as ditaduras de
Mussolini e Salazar.
Há vários livros
dedicados às políticas agrárias dos diferentes regimes fascistas. [45] Mas o baixo
estatuto cultural da agricultura, associado à percepção errada da sua natureza
tradicional, terá porventura inibido os historiadores mais ambiciosos do
fascismo de a incluírem nas suas análises. [46] Quem quer
tratar de porcos e batatas quando pode examinar filmes, desporto e
arquitectura? Os historiadores da agricultura também não deram uma grande
ajuda. O estudo ainda canónico da autoria de Gustavo Corni e Horst Gies sobre
as políticas alimentares do Terceiro Reich, por exemplo, ensina-nos mais sobre
as muitas falhas da burocracia agrária nazi e as suas contínuas falsas
promessas do que sobre a importância da alimentação para a institucionalização
e a dinâmica do regime. [47] À semelhança de muitos outros autores,
Corni e Gies apontam a contradição entre a glorificação fascista da cultura
rural e as exigências modernas de produtividade, ignorando que o que estava em
causa era um único projecto modernista de invenção de uma nova comunidade
nacional orgânica.
Este livro procura superar a percepção comum, nos estudos sobre o fascismo, de que a agricultura constituiu a dimensão atávica dos novos regimes, estando assim em conflito com sensibilidades mais modernas. [48] Em alternativa, propõe-se que a «ideologia da terra», presente desde as primeiras formulações do credo fascista, e sintetizada na máxima nazi «Blut und Boden» («Sangue e Solo») ou no lema «Bisogna ruralizzare l’Italia» («É preciso ruralizar a Itália»), era tão modernista como a mania pela aviação da Itália fascista ou as curvas das novas auto-estradas do Terceiro Reich. [49]
Organismos-Modelos,
Organismos Industrializados e Fascismo
Grande parte da
narrativa centra-se na natureza modernista do «regresso à terra»
fascista. Apresentam-se aqui os organismos que prometeram enraizar Italianos,
Portugueses e Alemães nos seus respectivos solos nacionais e
sustentá-los nos seus domínios imperiais. Tratou-se de organismos
tecnocientíficos – produtos de operações científicas de melhoramento de
animais e plantas. O trigo Ardito, com o qual Mussolini combateu a
sua Battaglia del Grano, era uma nova variedade desenvolvida por geneticistas
italianos que prometiam uma Itália auto-suficiente no que ao trigo diz
respeito. Os carneiros que alimentaram os sonhos de Heinrich Himmler de
estabelecer colónias alemãs nas estepes da Europa de Leste eram animais com
origem no Instituto de Melhoramento Animal da Universidade de Halle. E o
mesmo se aplica aos porcos, às batatas, ao algodão e ao café que aparecem
ao longo do texto.
Já sabemos como
o melhoramento de plantas prosperou como disciplina científica no
contexto da economia política nazi e como obteve um generoso apoio do
regime de Hitler. [50] Mas, os estudos mais significativos sobre
o tema ou rejeitam a relação entre a ideologia «Blut und Boden» e
as actividades dos melhoradores e geneticistas, ou consideram os
esforços de modernização da agricultura apenas como uma preparação para
a guerra. [51] Levar a agricultura tão a sério como os ideólogos
fascistas – incluindo os nazis – levaram, e pô-la no centro da experiência
modernista de invenção de uma comunidade nacional, em vez de a tomar
apenas como um meio para outros fins, torna mais evidente a importância
dos novos organismos dos melhoradores. Os organismos tecnocientíficos
constituíram a resposta fascista ao grande problema de como deveriam as
sociedades europeias (sobre)viver na nova economia global alimentar. [52] Quando os
fascistas chegaram ao poder, como veremos mais adiante, melhoradores e
geneticistas foram lestos em desenhar os seus organismos, de modo que
servissem a ideologia fascista. Mas, antes disso, os organismos
tecnocientíficos já haviam convertido sonhos fascistas do corpo nacional
a crescer num solo nacional em propostas políticas plausíveis. Os
animais e as plantas dos melhoradores não foram apenas ferramentas do
fascismo; foram também elementos constitutivos de visões fascistas de
modernidades alternativas.
Desde a década
de 1990, os historiadores da ciência têm vindo a estudar processos de
padronização da vida para compreenderem os processos de produção de
conhecimento biológico. A circulação generalizada de organismos-modelos
padronizados tem sido identificada com a expansão de comunidades de
investigadores constituídas em torno desses organismos. As
moscas-das-frutas de Robert Kohler, os ratos de Karen Rader e o vírus do
mosaico do tabaco de Angela Creager são agora elementos comuns nas
narrativas históricas sobre o desenvolvimento das ciências da vida. [53] As propostas de
Hans-Jörg Rheinberger de uma «epistemologia do concreto» têm sido
excepcionalmente produtivas, ao revelar de que modo o trabalho em
organismos-modelos produz novas coisas epistémicas [54].
Estes
organismos-modelos constituem «máquinas geradoras de futuro», cuja
manipulação, segundo Rheinberger, «pode levar a uma compreensão da
constituição, funcionamento, desenvolvimento ou evolução de todo um grupo
de organismos». [55] O trabalho de Rheinberger não só aponta
para a relevância desses organismos como objectos cruciais para os
historiadores das ciências da vida, mas também para uma forma de
escrever história da ciência como narrativas centradas em organismos. A
estrutura deste livro, com os seus capítulos organizados em torno de
diferentes plantas e animais, deve muito à colecção de
organismos-modelos de Rheinberger. [56]
Como a crescente
literatura sobre a «história cultural da hereditariedade» eloquentemente
demonstrou, pôr o foco nos organismos não implicou um estreitamento das
perspectivas dos historiadores, tendo antes conduzido a uma compreensão dos
«pré-requisitos económicos e sociais para o surgimento da genética, tais como o
início da produção agro-industrial em massa de matérias-primas e produtos
alimentares, bem como de medicamentos e vacinas, no final do século xix». [57] Este conjunto de estudos sugere que a história
dos organismos-modelos e a dos organismos industrializados andam a par. [58] Para ilustrar
isso mesmo, basta indicar que dois conceitos básicos da genética no início do
século xx, a «linha pura» e o «clone», resultaram directamente das práticas dos
melhoradores. [59] A «linha pura» será uma presença constante ao longo
deste livro, pelo seu papel na crença modernista na capacidade ilimitada dos
humanos de manipularem a vida.
No final do
século xix, os melhoradores deambulavam por campos agrícolas identificando
plantas interessantes, reproduzindo-as através de autofecundação e documentando
cuidadosamente as características da descendência. [60] Mediante esta
selecção genealógica, os melhoradores produziam aquilo a que Wilhelm Johannsen
chamou de «linhas puras» – variedades homozigóticas estáveis seleccionadas em
função de alguma característica importante como a resistência a pragas, o
amadurecimento precoce ou propriedades de moagem. [61] Depois,
combinavam diferentes propriedades, ao cruzar diferentes linhas puras para obter
os híbridos que os tornariam famosos no mercado de sementes. Enquanto os
químicos demonstravam o seu suposto poder demiúrgico ao combinarem elementos químicos
para produzirem novos compostos, os melhoradores prometiam produzir novas
coisas vivas ao hibridarem linhas puras. [62]
Um dos assuntos
que domina a historiografia do melhoramento é a relação entre ciência e
tecnologia. [63] As trocas (intermediadas pelas dinâmicas de
mercado) entre cientistas equipados com as ferramentas modernas da genética e
melhoradores que baseavam as suas decisões em modos tradicionais de
classificação têm sido objecto de atenção na literatura. [64] Todos os organismos estudados neste livro são
animais e plantas domesticadas, e descreve-se minuciosamente como todos eles foram
transformados em objectos científicos, sobretudo através do uso alargado de
práticas de registo de descendência, essenciais também para a sua
industrialização. No caso dos carneiros caracul, a sobreposição entre os
aspectos científicos e tecnológicos é talvez mais evidente.
Embora os
carneiros tenham sido padronizados para a produção industrial de casacos de
pele, os cientistas também os usaram para esclarecer propriedades mais gerais
na genética do desenvolvimento: foram simultaneamente organismos industrializados
e organismos-modelos. A noção de organismos tecnocientíficos tenta captar todas
essas nuances: as tecnologias de produção de organismos que foram modificadas através
de práticas científicas, ou tecnologias baseadas na ciência; as práticas
científicas que se baseiam em técnicas de melhoramento não-académicas, ou
ciências baseadas na tecnologia; e plantas e animais que foram
concomitantemente organismos industrializados e organismos-modelos, ou
tecnociência.
Este livro
dialoga de perto com os historiadores do melhoramento de plantas e animais que
estudam a «complexa interacção entre considerações sociais e biológicas na
concepção do organismo». [65] Mas, mais uma vez, insiste em que não é
suficiente falar de um processo genérico de modernização da produção da vida,
porque ao fazê-lo não são consideradas as formas particulares da modernidade
assumidas em diferentes contextos históricos. As linhas puras e a hibridação
requereram práticas de registo desenvolvidas primeiro por empresas de sementes e
depois em estações agronómicas financiadas pelo Estado. A necessidade de um
rastreio meticuloso da descendência, fulcral para a nova ciência da
hereditariedade, tem sido assim correctamente associada a tendências gerais
como a burocratização, a padronização, a industrialização e a comercialização –
ou seja, à modernização. [66] Menos notadas têm sido as modernidades
alternativas que as formas de vida padronizadas ajudaram a constituir. Seria um
erro tratar como efeitos residuais as contribuições que as criações dos
melhoradores deram às relações capitalistas da democracia liberal dos Estados
Unidos, às formas de produção comunistas mantidas na Rússia soviética ou, como
este livro defende, à sociabilidade fascista em construção por toda a Europa. [67] Se antes se
referiram as considerações algo ingénuas sobre a ciência e a tecnologia feitas por
historiadores a propósito da condição moderna, aqui aponta-se a necessidade de
complicar as noções de modernidade usadas por historiadores da ciência e da tecnologia.
Uma noção
persistente que permeia a maioria das narrativas é a de que o surgimento da
genética mendeliana no início do século xx andou a par da industrialização e
mercantilização de organismos, levando a um maior controlo empresarial ou estatal
da vida. [68] Nessas grandes narrativas, os regimes políticos
concretos são apenas pormenores de um processo de modernização mais geral. Esta
chamada de atenção é particularmente importante num texto sobre o fascismo.
Adorno e Horkheimer tinham equiparado liberalismo e fascismo através da sua
análise da razão instrumental Dialektik der Aufklärung (Dialéctica do
Iluminismo). [69] Na Califórnia, os dois filósofos
exilados do regime de Hitler não denunciaram apenas as dimensões totalitárias
da tradição do Iluminismo, identificando de modo provocador a Revolução
Francesa como precursora do nazismo; também exortaram os intelectuais a
descobrir de que maneira o fascismo estava presente no seio das democracias
ocidentais, incluindo os Estados Unidos. Desde então, os académicos inspirados
pela teoria crítica têm estado justificadamente interessados em denunciar os
perigos associados à biopolítica nas
sociedades democráticas. [70] Mas, não foi porque tanto o regime fascista
quanto o democrático liberal se comprometeram com a biopolítica, que se
tornaram indistinguíveis. Não foi porque ambos uniformizaram as formas vida,
que se tornaram idênticos. [71] A tese deste livro é, na
verdade, a oposta: a de que a crescente capacidade de manipular a vida vegetal
e animal – a versão alargada da biopolítica – possibilitou a materialização de
diferentes projectos políticos, de modernidades alternativas, boas e más,
estando o fascismo claramente entre as más. [72]
As diferenças
tendem a esbater-se em análises a-históricas que se limitam a apontar a
ocorrência de biopolíticas. Temos de estar dispostos a seguir ao pormenor a
história dos organismos tecnocientíficos, para compreendermos a diferente
natureza dos colectivos sociais por eles formados. Um exemplo significativo,
como é especificado neste livro, é o caso dos registos de desempenho animal
desenvolvidos por melhoradores, usados na década de 1930 nos Estados Unidos,
durante o New Deal, e na Alemanha nazi, para tomar decisões sobre o
melhoramento de suínos, cujas práticas levaram a animais mais magros nos
Estados Unidos e mais gordos na Alemanha. Os porcos mais magros criados nos
Estados Unidos aumentaram o valor de mercado da produção dos suinicultores através
do seu teor mais alto de proteína, evitando, dessa forma, a crescente
competição com gorduras mais baratas de origem vegetal. Os padrões
estado-unidenses mediam o valor dos animais numa sociedade capitalista,
salvando os suinicultores da Depressão. Os porcos mais gordos criados na
Alemanha deveriam contribuir para os esforços de autarcia nazi, ao reduzirem a
necessidade de importar óleos vegetais e ao produzirem gordura de fontes
nacionais. Os padrões alemães mediam a contribuição dos animais para a economia
nacional. E não se esperava que os porcos cobrissem apenas o défice nacional de
gordura da Alemanha; também deveriam ser alimentados com batatas e beterrabas
produzidas em solo nacional. Tinham de ser porcos bodenständig
(enraizados no solo) – um conceito importante que norteava os zootécnicos no
regime nazi, os ideólogos do «Sangue e Solo» e Martin Heidegger. O filósofo
afirmava que a capacidade de enraizamento no solo distinguia o Volk
alemão dos Judeus, caracterizados pelo seu nomadismo, epítome dos perigos da modernidade. [73] Nos anos que se seguiram à Primeira Guerra
Mundial, os novos padrões dos cientistas permitiram que os ideólogos fascistas
imaginassem uma próspera comunidade nacional assente na produtividade do solo
nacional – uma comunidade bodenständig. Depois de tomarem o poder em
1933, os nazis garantiriam que só os animais e plantas em conformidade com os
padrões bodenständig eram reproduzidos, fazendo uso de uma nova
estrutura estatal de enormes dimensões, o Grémio Imperial da Alimentação (Reichsnährstand,
doravante RNS). Porcos que não contribuíssem para a alimentação do corpo
nacional através do solo nacional deveriam ser eliminados, como realmente
aconteceu no período nazi. Só porcos gordos e bodenständig eram porcos
fascistas.
Ontologia
Fascista e Estrutura do Livro
Este livro
dedica-se mais à importância histórica dos organismos tecnocientíficos para os
regimes fascistas, do que às alegadas características específicas das ciências
sob o fascismo. Não se trata o fascismo como um contexto histórico predeterminado
em que alguns cientistas operaram, mas sim como um contexto histórico para o
qual as práticas e os objectos científicos contribuíram; o argumento tem menos
que ver com epistemologia fascista do que com ontologia fascista. Essa
formulação é uma referência directa à suposta viragem ontológica que
recentemente ocorreu nos estudos sobre a ciência e a tecnologia e ao crescente
interesse no estudo do ser das entidades (ontologia), em detrimento da
investigação sobre os modos de conhecer as entidades (epistemologia). [74] Os estudiosos
da ciência e da tecnologia, baseando-se na sua sensibilidade em relação às
múltiplas maneiras como a ciência e a tecnologia criam novas coisas, parecem
particularmente bem equipados para acompanhar os entrelaçamentos entre os
humanos e os não-humanos que produzem novos colectivos. A literatura está agora
repleta de objectos de fronteira, assemblagens e bio-sociabilidades, todas
assinalando esses entrelaçamentos e as ontologias variáveis, as múltiplas naturezas
ou o multiverso assim formado. [75] Em contraste com estudos mais
antigos, que demonstraram como contextos sociais predeterminados deram forma a
certos objectos científicos, temos uma miríade de investigações ontológicas
centradas em práticas de fazer mundo. [76] As observações
de Canguilhem mencionadas anteriormente sobre a continuidade entre o saber e a
criação sugeriam já a dificuldade em manter uma separação estrita entre a
epistemologia e a ontologia; uma sobreposição que caracteriza a obra de Canguilhem
e que encontramos em muitas obras que formam o cânone da história da ciência. [77] A própria noção
de tecnociência, que aponta para produção de conhecimento mais como um modo de
intervenção no real do que de revelação ou descoberta, leva a uma fusão entre a
epistemologia e a ontologia. [78] Aqui, a questão é pegar nos
argumentos sobre o poder gerador da ciência e da tecnologia e aplicá-los à
formação dos colectivos fascistas, incluindo os porcos, os trigos, as batatas e
os carneiros entre os seus membros. [79] Estabelece-se
um paralelo entre a produção modernista de colectivos orgânicos fascistas e os
processos de fazer mundo, que ultimamente temos visto descritos na literatura
dos estudos sobre a ciência e a tecnologia. Mobilizações de massas, novas
estruturas estatais, comunidades orgânicas e o expansionismo imperial – partes
importantes do mundo fascista – foram imaginados e realizados através dos novos
organismos dos melhoradores: trigo, batatas, porcos, carneiros, café, borracha
e algodão. O estudo do ser desses organismos pode, portanto, ser descrito como
um estudo sobre ontologia fascista.
A primeira parte
do livro segue uma divisão tradicional por país: Itália, Portugal e Alemanha. A
ordem corresponde aproximadamente à sucessão cronológica das tomadas de poder
por Mussolini, Salazar e Hitler. Os primeiros quatro capítulos descrevem as
interligações do trabalho dos geneticistas com as tentativas de
institucionalizar os novos regimes e enraizar as comunidades nacionais nos
solos de cada um dos países. Os capítulos 1 e 2 destacam o papel das novas
variedades de trigo na Batalha do Trigo em Itália e na Campanha do Trigo em
Portugal, as primeiras mobilizações de massas de ambos os regimes. Acompanhando
a trajectória do trigo Ardito, a mais famosa criação do geneticista Nazareno
Strampelli, é possível não só revelar como o Estado fascista chegou a
diferentes partes de Itália, mas também o modo como a primeira campanha de
Mussolini viajou até Portugal. Ao examinar o caso português, a narrativa explora
como as novas formas uniformizadas de trigo contribuíram para o desenvolvimento
de agências estatais corporativas, um tema crítico na nova ordem social
fascista: o corporativismo prometeu uma sociedade alicerçada em unidades
orgânicas e «solidariedades económicas», em contraste com a alegada
artificialidade da ideologia liberal baseada em indivíduos e com a obsessão
bolchevique por classes sociais. O corporativismo também está presente nos
capítulos 3 e 4, que tratam da Batalha pela Produção nazi e das actividades do
RNS, a forma institucional da ideologia «Blut und Boden» e a organização
corporativa responsável pela organização do mundo rural, e com poder de decisão
sobre todas as questões relacionadas com a produção alimentar alemã. Os organismos
tecnocientíficos que estruturam a narrativa são as batatas, no capítulo 3, e os
porcos, no capítulo 4. As dinâmicas de investigação no Instituto Biológico
Imperial para a Agricultura e Silvicultura (Biologische Reichsanstalt für
Land- und Forstwirtschaft, doravante BRA), que tratavam com diferentes
pragas que afectavam os campos de batata alemães (verrugose,
escaravelho-da-batateira, míldio, vírus), são postas em relação com a crescente
infra-estrutura do RNS, num caso exemplar de coprodução da ciência e do Estado:
cada novo sistema experimental no BRA correspondia a uma expansão do poder e do
alcance da burocracia do RNS. Quanto aos porcos, tema do capítulo 4, o
desenvolvimento de registos de desempenho por zootécnicos permite-nos
acompanhar a sua transformação em organismos capazes de materializar o
fascismo, através de padrões que mediam o seu enraizamento no solo (Bodenständigkeit)
– um conceito importante na ideologia nazi.
A segunda parte
do livro aborda as ambições expansionistas dos três regimes, incluindo a brutal
invasão da Europa de Leste pela Alemanha, numa continuidade com a história
colonial europeia. O capítulo 5 analisa o café, a borracha e o algodão, três
elementos típicos das histórias sobre plantações coloniais, e investiga a ocupação
italiana da Etiópia, o domínio imperial alemão na Europa de Leste e o
colonialismo português no Norte de Moçambique. O regime das plantações, cuja
base material era formada pelos artefactos dos melhoradores, fez um uso
generalizado de trabalho forçado para servir a economia imperial. Sem ignorar
os diferentes níveis de violência desencadeados pelos três fascismos, o texto
sugere que podemos ter uma visão significativa da história do fascismo, se
tivermos em consideração o conjunto dos impérios. Leva-se a sério a intenção de
Heinrich Himmler de fazer de Auschwitz a Estação Agronómica para a colonização
do Leste, e compara-se o trabalho ali realizado sobre um substituto da borracha
com os realizados no Centro de Investigação Científica Algodoeira em Moçambique
e nas estações experimentais de café italianas na Etiópia.
O capítulo 6 é o
mais original no que à metodologia diz respeito, pois recorre a um único
organismo tecnocientífico – o carneiro caraculo – e acompanha o seu papel na
colonização de zonas de fronteira para os três impérios fascistas. A capacidade
desses carneiros se reproduzirem sob condições de semiaridez, e o seu alto
valor no mercado de peles, converteram-no numa «espécie de companhia» perfeita
para a expansão imperial. O Instituto de Melhoramento Animal da Universidade de
Halle é identificado como um centro de circulação de organismos tecnocientíficos,
estabelecendo os padrões e produzindo os carneiros que não só seriam usados nas
fazendas dos colonos brancos em possessões alemãs na Europa de Leste, como
também em colónias italianas na Líbia e na Etiópia e na colonização portuguesa
do Sudoeste angolano. As várias estações experimentais de carneiros caraculos
localizadas em zonas de fronteira são tratadas como postos avançados coloniais e
revelam as ligações entre o melhoramento ovino e os genocídios perpetrados
pelos três regimes.
É, certamente,
possível produzir outras ontologias fascistas. Eis outra: cavalos, ratos, cães,
pássaros, renas e moscas. Esta foi a ontologia ideada por Curzio Malaparte em Kaputt
(1944), para descrever a fome, a chacina e a devastação que se propagou por
toda a Europa de Leste na Segunda Guerra Mundial. [80] O provocador
escritor, que foi um entusiasta do movimento fascista e participou na Marcha sobre
Roma de Mussolini em 1922, e que, depois de perder as graças do Duce e de ter
sido enviado para um exílio interno de 1933 a 1938, encontrou nos animais
não-humanos uma fórmula literária eficaz de tratar a realidade apocalíptica
desencadeada pela expansão imperial nazi. As histórias de animais de Malaparte permitem
falar de guetos judeus, execuções em série, cenários de batalha, cortes
luxuosas de dirigentes nazis e bombardeamentos de cidades, num texto que
mistura jornalismo, história e ficção. Para os seus muitos leitores, o estilo
cínico e as composições fantásticas – a camada de gelo do lago Ladoga no
Noroeste da Rússia, de onde emergiam centenas de cabeças de cavalos mortos; os
cães «anticarro blindado» que aterrorizavam as divisões Panzer alemãs nas
estepes da Ucrânia; as moscas de Nápoles que medravam com o calor e os
cadáveres multiplicados por uma guerra interminável – captavam o escândalo do
Terceiro Reich com uma precisão inacessível a escritores mais convencionais. E
foi através dos animais (ratos) que Malaparte produziu um dos primeiros relatos
sobre o carácter sistemático da eliminação dos Judeus por toda a Europa. [81]
Imitando o gesto
de Malaparte, a narrativa deste livro gira em torno de organismos com a
capacidade de exemplificar diferentes dimensões do fascismo. A opção por
animais e plantas tecnocientíficos foi determinada pela sua importância
histórica na constituição de uma modernidade alternativa fascista, pela sua
capacidade de materializar o fascismo. O bestiário aqui reunido combina
narrativas centradas em organismos, de historiadores e estudiosos da ciência e
da tecnologia, com preocupações mais gerais de historiadores políticos e
culturais acerca da natureza histórica do fascismo.
•
Notas
do texto
1. Georges Canguilhem, Il
fascismo e i contadini, Il Mulino, Bolonha, 2007 (primeira edição francesa,
1935). O Comité, entre os seus seis mil membros, contava com figuras ilustres,
como o filósofo Alain e o médico Paul Langevin. Sobre o Comité, ver Nicole Racine-Furlaud,
«Le Comité de Vigilance des intellectuels antifascistes (1934– 1939):
Antifascisme et pacifisme», Le Mouvement Social, n.º 101, 1977, pp.
87–113. Para uma visão geral das actividades antifascistas em França no período
entreguerras, ver Anson Rabinbach, «Paris, capital of anti-fascism», in The
Modernist Imagination. Intellectual History and Critical Theory: Essays in
Honor of Martin Jay, eds. Warren Breckman, Peter E. Gordon, A. Dirk Moses, Samuel
Moyn e Elliot Neaman, Berghahn Books, Nova Iorque e Oxford, 2009.
2. Robert O. Paxton, French
Peasant Fascism: Henry Dorgères’ Greenshirts and the Crises of French Agriculture,
1929–1939, Oxford University Press, Nova Iorque e Oxford, 1997.
3. Canguilhem, Il
fascismo…, p. 129 (n. 1 supra).
4. Ver a introdução de
Foucault ao livro de Georges Canguilhem The Normal and the Pathological,
Zone Books, Nova Iorque, 1989 (primeira edição francesa, 1978).
5. Georges Canguilhem, Vie
et mort de Jean Cavaillès, Allia, Paris, 1996; Roger Pol-Droit, La Compagnie
des Philosophes, Odile Jacob, Paris, 1998.
6. A palavra «biopolítica»
foi usada pela primeira vez por Michel Foucault para distinguir as formas de
poder dos Estados liberais das formas de poder das monarquias no Antigo Regime
nas suas aulas no Collège de France em 1976. Ver Foucault, Society Must Be
Defended: Lectures at the Collège de France, 1975–76, Penguin, Londres,
2003 [É Preciso Defender a Sociedade: Curso no Collège de France
(1975-1976), Livros do Brasil, Carnaxide, 2006]. Paul Rabinow e Nikolas
Rose escrevem: «Embora Foucault seja algo impreciso no uso que faz dos termos,
no campo do biopoder, podemos usar o termo “biopolítica” para abarcar todas as estratégias
e disputas específicas sobre as problematizações da vitalidade, morbidade e mortalidade
humana colectiva; sobre as formas de conhecimento, os regimes de autoridade e
as práticas de intervenção desejáveis, legítimas e eficazes.» Rabinow e Rose,
«Biopower Today», BioSocieties, vol. 1, n.º 2, 2006, pp. 195–217. A
análise de Rabinow e Rose é um importante correctivo para a compreensão dos campos
de concentração nazis como exemplo de biopolítica, tal como foi examinada por
Giorgio Agamben no seu influente livro Homo Sacer: Sovereign Power and Bare
Life, Stanford University Press, Stanford, 1998 [O Poder Soberano e a
Vida Nua: Homo Sacer, Presença, Lisboa, 1998].
7. Para uma visão geral
das políticas raciais e eugénicas do Estado nazi, ver Michael Burleigh e
Wolfgang Wippermann, The Racial State: Germany 1933–1945, Cambridge University
Press, Cambridge, 1991; Edouard Conte e Cornelia Essner, La Quête de la
Race: Une anthropologie du nazisme, Hachette, Paris, 1995 [A Demanda da
Raça: Uma Antropologia do Nazismo, Piaget, Lisboa, 1998]; Peter Weingart,
Jürgen Kroll e Kurt Bayertz, Rasse, Blut und Gene: Geschichte der Eugenik
und Rassenhygiene in Deutschland, Suhrkamp, Frankfurt, 1988; Paul Weindling,
Health, Race and German Politics between National Unification and Nazism,
1870–1945, Cambridge University Press, Cambridge, Nova Iorque e Melbourne,
1993; Sheila Faith Weiss, The Nazi Symbiosis: Human Genetics and Politics in
the Third Reich, University of Chicago Press, Chicago e Londres, 2010. Sobre
a política demográfica do regime fascista italiano, ver Francesco Cassata, Building
the New Man: Eugenics, Racial Science, and Genetics in Twentieth-Century Italy,
Central European University Press, Budapeste, 2011; Victoria Women:
Italy, 1922–1945, University of California Press, Berkeley, Los Angeles e Londres,
1992; David Horn, Social Bodies: Science, Reproduction Italian Modernity, Princeton University
Press, Princeton (Nova Jérsia), 1994.
8. Há muito que os
historiadores do ambiente demonstraram as vantagens de pôr os animais em primeiro
plano nas narrativas históricas. Ver Harriet Ritvo, The Animal Estate: The
English and Other Creatures in the Victorian Age, Harvard University Press,
Cambridge (Massachusetts), 1987; Harriet Ritvo, Noble Cows and Hybrid
Zebras: Essays on Animals and History, University of Virginia Press,
Charlottesville e Londres, 2010; Elinor Melville, A Plague of Sheep:
Environmental Consequences of the Conquest of Mexico, Cambridge University
Press, Cambridge e Nova Iorque, 1997; Virginia DeJohn Anderson, Creatures of
Empire: How Domestic Animals Transformed Early America, Oxford University
Press, Oxford e Nova Iorque, 2006; John Robert McNeill, Mosquito Empires: Ecology
and War in the Greater Caribbean, 1620–1914, Cambridge University Press,
Cambridge e Nova Iorque, 2010; Alfred W. Crosby, Ecological Imperialism: The
Biological Expansion of Europe, 900–1900, Cambridge University Press,
Cambridge e Nova Iorque, 1986; Ann Norton Greene, Horses at Work: Harnessing
Power in Industrial America, Harvard University Press, Cambridge
(Massachusetts) e Londres, 2008. Os historiadores da tecnologia trouxeram tanto
os animais como as plantas para a sua disciplina no importante livro Industrializing
Organisms: Presenting Evolutionary History, eds. Susan R. Schrepfer e
Philip Scranton, Routledge, Nova Iorque e Londres, 2004. No que se refere aos
estudos sobre ciência e tecnologia, o trabalho de Donna Haraway é referência obrigatória;
ver Simians, Cyborgs, and Women: The Reinvention of Nature, Free
Association Books, Londres, 1991; Modest_witness@ SecondMillenium.FemaleMan@
Meets_OncoMouse™: Feminism and Technoscience, Routledge, Nova Iorque, 1997;
When Species Meet, University of Minnesota Press, Minneapolis, 2007. Ver
também, na mesma linha, Sarah Franklin, Dolly Mixtures: The Remaking of
Genealogy, Duke University Press, Durham (Carolina do Norte), 2007. Para um
argumento elaborado sobre o motivo que deve levar os historiadores a não dar
grande importância à divisão entre animais e plantas, ver Edmund Russell, Evolutionary
History: Uniting History and Biology to Understand Life on Earth, Cambridge
University Press, Cambridge e Nova Iorque, 2011. Este é, obviamente, um ponto
muito controverso para o campo académico dos estudos sobre animais. Para uma análise
mais geral sobre este campo, ver Kari Weil, Thinking Animals: Why Animal
Studies Now?, Columbia University Press, Nova Iorque, 2012; Aaron Gross e
Anne Vallely, eds., Animals and the Human Imagination: A Companion to Animal
Studies, Columbia University Press, Nova Iorque, 2012; Tim Ingold, ed., What
Is an Animal? World Archaeological Congress: Selected Papers, Routledge,
Londres, 1988.
9. Michel Foucault, The
Birth of Biopolitics: Lectures at the Collège de France, 1978– 1979, ed. M.
Senellart, Picador, Nova Iorque, 2008, p. 317 [O Nascimento da Biopolítica,
Edições 70, Lisboa, 2010, p. 391].
10. Hans-Jörg Rheinberger,
An Epistemology of the Concrete: Twentieth-Century Histories of Life, Duke
University Press, Durham (Carolina do Norte), 2010.
11. Idem, p. 47.
12. Idem, pp.
47–48.
13. Na conclusão, analiso
mais pormenorizadamente as implicações da utilização da noção de «coisas» em
vez de «objectos» na história da ciência. Ver Ken Alder, «Introduction to
Focus Section on Thick Things», Isis, vol. 98, n.º 1, 2007, pp. 80–83; Bruno
Latour, «From Realpolitik to Dingpolitik», in Making Things Public: Atmospheres
of Democracy, eds. Bruno Latour e Peter Weibel, MIT Press, Cambridge
(Massachusetts), 2005; Lorraine Daston, ed., Things That Talk: Object
Lessons from Art and Science, Zone Books, Nova Iorque, 2004; Hans-Jörg
Rheinberger, Toward a History of Epistemic Things: Synthesizing Proteins in
the Test Tube, Stanford University Press, Stanford, 1997.
14. A abordagem que
considera a tecnologia e a ciência como constitutivas da esfera política deve muito
a Bruno Latour. Entre muitas referências possíveis, ver Latour, «From Realpolitik…»
(n. 13 supra); Bruno Latour, Politiques de la nature: comment faire entrer
les sciences en démocratie, La Découverte, Paris, 1999. A noção de
co-produção de ciência e política realça as mesmas dinâmicas históricas. Ver
Steven Shapin e Simon Schaffer, Leviathan and the Air-Pump: Hobbes, Boyle,
and the Experimental Life, Princeton University Press, Princeton (Nova Jérsia),
1985; Sheila Jasanoff, ed., States of Knowledge: The Co-Production of
Science and the Social Order, Routledge, Londres e Nova Iorque, 2004. Para
uma abordagem exemplar da relação entre ciência, tecnologia e política, ver Ken
Alder, Engineering the Revolution: Arms and Enlightenment in France,
1763–1815, Princeton University Press, Princeton, 1997; Gabrielle Hecht,
The Radiance of France: Nuclear Power and National Identity after World War II,
MIT Press, Cambridge (Massachusetts), 1998; Timothy Mitchell, Rule of Experts:
Egypt, Techno-Politics, Modernity, University of California Press,
Berkeley, 2002; Soraya de Chadarevian, Designs for Life: Molecular Biology
after World War II, Cambridge University Press, Cambridge e Nova Iorque,
2002; David Edgerton, Warfare State: Britain, 1920–1970, Cambridge University
Press, Cambridge e Nova Iorque, 2005; John Krige, American Hegemony and them
Postwar Reconstruction of Science in Europe, MIT Press, Cambridge (Massachusetts),
2006.
15. Para uma primeira
tentativa colectiva de escrita dessa história, ver Tiago Saraiva e M. Norton
Wise, «Autarky/Autarchy: Genetics, Food Production, and the Building of
Fascism», Historical Studies in the Natural Sciences, vol. 40, n.º 4,
2010, pp. 419–428.
16. Para uma crítica da
literatura sobre a ciência e o nazismo dividida em três principais categorias —
investigação higiénico-racial e biomédica, autarcia e militarização —, ver
Susanne Heim, Carola Sachse e Mark Walker, «The Kaiser Wilhelm Society under
National Socialism», in The Kaiser Wilhelm Society under National Socialism,
eds. Susanne Heim, Carola Sachse e Mark Walker, Cambridge University Press,
Cambridge e Nova Iorque, 2009. Esse livro analisa os resultados do programa de
investigação da Sociedade Max Planck sobre a História da Sociedade Kaiser
Wilhelm na Época Nacional-Socialista, que significou uma completa renovação da
historiografia da ciência e do nazismo. Outros livros anteriores influentes
foram Politics and Science in Wartime: Comparative International Perspectives
on the Kaiser Wilhelm Institute, eds. Carola Sachse e Mark Walker,
University of Chicago Press, Chicago, Osiris Series, vol. 20, 2005; Monika
Renneberg e Mark Walker, eds., Science, Technology, and National Socialism,
Cambridge University Press, Cambridge e Nova Iorque, 1993; Margit
Szöllösi-Janze, ed., Science in the Third Reich, Berg, Oxford, 2001;
Christoph Meinel e Peter Voswinckel, eds., Medizin, Naturwissenschaft,
Technik und Nationalsozialismus, Verlag für Geschichte der
Naturwissenschaften und der Technik, Estugarda, 1994; Peter Lundgreen, ed., Wissenschaft
im Dritten Reich, Suhrkamp, Frankfurt, 1985; Herbert Mehrtens e Steffen Richter,
eds., Naturwissenschaft, Technik und NS-Ideologie: Beitrage zur Wissenschaftsgschichte
des Dritten Reichs, Suhrkamp, Frankfurt, 1980. Ver também Ute Deichmann, Biologists
under Hitler, Harvard University Press, Cambridge (Massachusetts) e
Londres, 1996; Kristie Macrakis, Surviving the Swastika: Scientific Research
in Nazi Germany, Oxford University Press, Nova Iorque, 1993; Mark Walker, Nazi
Science: Myth, Truth, and the German Atomic Bomb, Plenum Press, Nova
Iorque, 1995; Mitchell G. Ash, «Scientific Changes in Germany 1933, 1945, 1990:
Toward a Comparison», Minerva, vol. 37, n.º 4, 1999, pp. 329– 354. Sobre a
ciência e o fascismo em Itália, ver Roberto Maiocchi, Scienza e fascismo,
Carocci, Roma, 2004; Roberto Maiocchi, Gli scienziati del Duce: Il ruolo dei
ricercatori e del CNR nella politica autarchica del fascismo, Carocci,
Roma, 2003; Francesco Cassata, Il fascismo razionale: Corrado Gini fra
scienza e politica, Carocci, Roma, 2006; Claudio Pogliano e Francesco Cassata,
Scienze e Cultura dell’Italia Unita, Storia d’Italia, Annali, vol. xxvi,
Einaudi, Turim, 2011; Antonio Casella et al., Una difficile modernità: Tradizioni
di ricerca e comunitá scientifiche in Italia, 1890–1940, Università degli
Studi di Pavia, Pavia, 2000; Raffaella Simili, ed., Ricerca e istituzioni
scientifiche in Italia, Laterza, Roma, 1998; Giovanni Paoloni, ed., Vito
Volterra e il suo tempo (1860– 1940), Bardi, Roma, 1990; Raffaella Simili e
Giovanni Paoloni, eds., Per una storia del Consiglio Nazionale delle
Ricerche, Laterza, Roma, 2001; Ruth Ben-Ghiat, «Italian universities under
fascism», in Universities under
Dictatorship, eds. John Connelly e Michael Grüttner, Pennsylvania
State University Press, University Park, 2013. Sobre o contexto português, ver
Tiago Saraiva, «Laboratories and Landscapes: The Fascist New State and the
Colonization of Portugal and Mozambique», Journal of History of Science and
Technology, vol. 3, 2009, pp. 35–61; Júlia Gaspar, Maria do Mar Gago e Ana
Simões, «Scientific Life under the Portuguese Dictatorial Regime (1929–1954)», Journal
of History of Science and Technology, vol. 3, 2009, pp. 74–89; Júlia Gaspar
e Ana Simões, «Physics on the Periphery: A Research School at the University of
Lisbon under Salazar’s Dictatorship», Historical Studies in the Natural
Sciences, vol. 41, n.º 3, 2011, pp. 303–343; Maria do Mar Gago, The
Emergence of Genetics in Portugal: J. A. Serra at the Crossroads of Politics
and Biological Communities (1936–1952), dissertação de mestrado,
Universidade de Lisboa, 2009. A ciência no regime de Franco, em Espanha, tem
recebido cada vez mais atenção, nomeadamente num livro importante de Lino
Camprubí, Engineers and the Making of the Francoist Regime, MIT Press,
Cambridge (Massachusetts), 2014.
17. Ver Stuart Woolf, ed.,
The Nature of Fascism, Random House, Nova Iorque, 1969; Roger Griffin, The
Nature of Fascism, Routledge, Londres e Nova Iorque, 1991; Roger Eatwell, Fascism:
A History, Chatto & Windus, Londres, 1995; George L. Mosse, The
Fascist Revolution: Toward a General Theory of Fascism, Howard Fertig, Nova
Iorque, 1999; Michael Mann, Fascists, Cambridge University Press,
Cambridge e Nova Iorque, 2004 [Fascistas, Edições 70, Lisboa, 2011];
Robert Paxton, The Anatomy of Fascism, Knopf, Nova Iorque, 2004;
Wolfgang Schieder, Faschistische Diktaturen: Studien zu Italien und
Deutschland, Wallstein Gottingen, 2008; Stanley G. Payne, A History of
Fascism, 1914–1945, University of Wisconsin Press, Madison, 1996; Mark
Mazower, Dark Continent: Europe’s Twentieth Century, Vintage Books, Nova
Iorque, 1988 [O Continente das Trevas: O Século XX na Europa, Edições
70, Lisboa, 2014]; Aristotle Kallis, Genocide and Fascism: The
Eliminationist Drive in Fascist Europe, Routledge, Londres, 2008; António
Costa Pinto e Aristotle Kallis, eds., Rethinking Fascism and Dictatorship in
Europe, Palgrave Macmillan, Basingstoke, 2014; Eugene Weber, Varieties
of Fascism: Doctrines of Revolution in the Twentieth Century, Van Nostrand,
Princeton (Nova Jérsia),1964.
18. Mann, Fascists,
p. 1 (n. 17 supra). Mann acrescenta o ambientalismo como a outra ideologia
do século xx a ter em consideração. Outros autores afirmam também que devemos
ter em conta experiências fascistas em contextos não-europeus, como na
Argentina, África do Sul, Bolívia, Brasil e Japão. Ver Payne, A History…
(n. 17 supra); Stein Ugelvik Larsen, Fascism Outside Europe: The
European Impulse Against Domestic Conditions in the Diffusion of Global Fascism,
Social Science Monographs, Boulder, 2001. Sobre os limites de uma abordagem
eurocêntrica do fascismo, ver Federico Finchelstein, Transatlantic Fascism:
Ideology, Violence, and the Sacred in Argentina and Italy, 1919–1945, Duke
University Press, Durham (Carolina do Norte) e Londres, 2010.
19. Mann, Fascists,
p. 46 (n. 17 supra). Aristotle Kallis («Fascism, Para-Fascism and
Fascistization: On the Similarities of Three Conceptual Categories», European
History Quarterly, vol. 33, n.º 2, 2003, pp. 219–249) prefere pôr de parte
essas qualificações e falar antes de um único fenómeno de «fascização», que
procedia ou da incorporação de movimentos fascistas no regime autoritário
(Hungria, Espanha), ou da adopção de certos elementos do fascismo, como grandes
organizações juvenis, de mulheres e de lazer, ao mesmo tempo que mantinham os
movimentos revolucionários fascistas a distância (Portugal). A despeito da
deselegância do termo «fasciszação», o conceito é muito produtivo ao pôr num
continuum regimes ditatoriais que foram «fasciszados» desde cima por elites
tradicionais e desde baixo por movimentos fascistas.
20. A natureza do regime
de Salazar é um ponto controverso na literatura sobre o fascismo. Para aqueles
que destacam a dimensão fascista do Estado Novo português, ver Manuel de
Lucena, A Evolução do Sistema Corporativo Português: O Salazarismo, vol.
1, Perspectivas & Realidades, Lisboa, 1976; Manuel de Lucena, «Corporatisme
au Portugal, 1933–1974: Essai sur la nature et l’ambiguïté du régime
salazariste», in Les Expériences Corporatives dans l’Aire Latine, eds.
Didier Musiedlak, Peter Lang, Berna, Berlim e Bruxelas, 2010; Luís Reis Torgal,
Estados Novos, Estado Novo, Imprensa da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 2009; Fernando Rosas, O Estado Novo nos Anos Trinta: Elementos para
o Estudo da Natureza Económica e Social do Salazarismo (1928–1938),
Editorial Estampa, Lisboa, 1996; Jorge Pais de Sousa, O Fascismo Catedrático
de Salazar: Das Origens da I Guerra Mundial à Intervenção Militar na Guerra
Civil de Espanha, 1914–1939, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra,
2011; Manuel Loff, «O Nosso Século é Fascista!»: O Mundo Visto por Salazar e
Franco (1936–1945), Campo Das Letras, Porto, 2008; Manuel Villaverde
Cabral, «Portuguese Fascism in Comparative Perspective», conferência
apresentada no 22.º Congresso Mundial de Ciência Política, Rio de Janeiro,
1982. Na minha opinião, estes textos são muito convincentes ao incluírem o
regime português entre os fascismos europeus. O historiador Fernando Rosas («O
Salazarismo e o Homem Novo: Ensaio sobre o Estado Novo e a Questão do
Totalitarismo», Análise Social, vol. 35, 2001, pp. 1031–1054) vai mais
longe e inclui-o não só no fascismo europeu, mas também na família dos regimes
totalitários. Para uma posição contrária, principalmente baseada na ausência de
um «verdadeiro» movimento fascista como centro do regime, como em Itália e na
Alemanha, ver António Costa Pinto, Salazar’s Dictatorship and European
Fascism: Problems of Interpretation, SSM/Columbia University Press, Nova
Iorque, 2005; Manuel Braga da Cruz, O Estado Novo e a Igreja Católica,
Editorial Bizâncio, Lisboa, 1998.
21. Ver Roger Griffin, Modernism
and Fascism: The Sense of a Beginning under Mussolini and Hitler, Palgrave
Macmillan, Nova Iorque, 2007; Emilio Gentile, The Struggle for Modernity:
Nationalism, Futurism, and Fascism, Praeger, Westport, 2003. Por certo, uma
tradição académica anterior — a teoria crítica, decorrente do livro Dialectic
of Enlightenment: Philosophical Fragments (Stanford University
Press, Stanford, 2002), de Max Horkheimer e Theodor Adorno — equiparou o
fascismo e a modernidade. Zygmunt Bauman é provavelmente o mais bem-sucedido
entre os académicos actuais a defender a ideia de que o Holocausto é uma
dimensão intrínseca à modernidade; ver o seu livro Modernity and the
Holocaust, Cornell University Press, Ithaca (Nova Iorque), 1989. Para uma
crítica da abordagem demasiado genérica ao nazismo e da teoria crítica em
geral, ver Peter Fritzsche, «Nazi Modern», Modernism/Modernity, vol. 3,
n.º 1, 1996, pp. 1–22.
22. Ver Roger Griffin,
«Modernity, Modernism, and Fascism: A “Mazeway Resynthesis”», Modernism/Modernity,
vol. 15, n.º 1, 2008, pp. 9–24.
23. Para compreendermos o
fascismo historicamente, George L. Mosse provocatoriamente sugere em The
Fascist Revolution… (n. 17 supra) que precisamos de «empatia
metodológica».
24. Fritzsche, «Nazi
Modern» (n. 21 supra). Porque o fascismo se baseia em grande parte numa
interpretação radicalizada do nacionalismo, a compreensão do nacionalismo como
um fenómeno moderno é crucial para captar da melhor maneira a natureza do
fenómeno. A perspectiva de Benedict Anderson de que as nações são modernas
comunidades imaginadas em Imagined Communities: Reflections on the Origin
and Spread of Nationalism (Verso, Londres, 1983) [Comunidades
Imaginadas: Reflexões Sobre a Origem e a Expansão do Nacionalismo, Edições
70, Lisboa, 2005] é particularmente útil a este respeito. Sobre o nacionalismo
como fenómeno moderno, ver nota 36.
25. Sobre a natureza
revolucionária geral do fascismo, ver, por exemplo, Mosse, The Fascist
Revolution…(n. 17 supra); Mann, Fascists, p. 17 (n. 17 supra).
Incluo o caso português entre os regimes fascistas, sublinhando, assim, a sua
natureza revolucionária modernista. O próprio ditador português, Oliveira
Salazar, confirmou o veredicto, em 1938, na sua síntese dos feitos do regime,
mencionando a «revolução económico-social» que ocorrera no país, diferente da
simples «reforma financeira», uma verdadeira «revolução em marcha». António de
Oliveira Salazar, «Realizações de Política Interna — Problemas de Política
Externa — Discurso na Assembleia Nacional, em 28 de Abril 1938», Discursos,
vol. iii, Coimbra Editora, Coimbra, 1959, p. 67.
26. Citados por Mark
Mazower em Darko Continent, pp. 16 e 28 [O Continente das Trevas,
pp. 33 e 46] (n. 17 supra).
27. Sobre a natureza
modernista das celebrações fascistas nos diferentes regimes, ver Griffin, Modernism
and Fascism… (n. 21 supra); Ruth Ben-Ghiat, Fascist Modernities:
Italy, 1922–1945, University of California Press, Berkeley, 2001; Claudio
Fogu, The Historic Imaginary: Politics of History in Fascist Italy,
University of Toronto Press, Toronto, 2003; Margarida Acciaiuoli, Exposições
do Estado Novo, 1934–1940, Livros Horizonte, Lisboa, 1998.
28. Para um bom resumo de
literatura sobre modernidades alternativas, que inclui autores como Homi Bhabha
ou Dipesh Chakrabarty, ver Dilip Parameshwar Gaonkar, ed., Alternative
Modernities, Duke University Press, Durham (Carolina do Norte) e Londres,
2001. Aníbal Quijano e Arturo Escobar, nas suas críticas mais radicais da
modernidade, defenderam que, em vez de uma modernidade alternativa, a
emancipação só poderá chegar através de uma alternativa à modernidade. Arturo
Escobar, «LatinAmerica at a Crossroads: Alternative Modernizations,
Postliberalism, or Postdevelopment?», Cultural Studies, vol. 24, n.º 1,
2010, pp. 1–65. Para uma análise crítica informada sobre o uso do conceito de
modernidade alternativa, ver Arif Dirlik, «Thinking Modernity Historically: Is
“AlternativeModernity” the Answer?», Asian Review of World Histories,
vol. 1, n.º 1, 2013, pp. 5–44. Ver também o importante artigo de Antonio
Lafuente que caracteriza a ciência crioula na América Latina colonial, crítico
dos modos impostos pela botânica de Lineu, não como alternativa à ciência, mas
como «ciência alternativa». Antonio Lafuente, «Enlightenment in an Imperial
Context: Local Science in the Late-Eighteenth-Century HispanicWorld», Osiris,
vol. 15, n.º 1, 2000, pp. 155–173.
29. S. N. Eisenstadt, Comparative
Civilizations and Multiple Modernities, Brill, Boston, 2003.
30. Thomas J. Misa, Philip
Brey e Andrew Feenberg, eds., Modernity and Technology, MIT Press,
Cambridge (Massachusetts), 2004. Para um caso exemplar de uma narrativa
histórica sofisticada no tratamento dado tanto à tecnologia quanto ao
modernismo, ver Amy Slaton, Reinforced Concrete and the Modernization of
American Building, 1900–1930, Johns Hopkins University Press, Baltimore,
2001, pp. 168–187.
31. Michael Thad Allen, The
Businesof Genocide: The SS, Slave Labor, and the Concentration Camps,
University of North Carolina Press, Chapel Hill, 2002; Thomas Zeller, Driving
Germany: The Landscape of the German Autobahn, 1930–1970, Berghahn, Oxford,
2007.
32. Jeffrey Herf, Reactionary
Modernism: Technology, Culture, and Politics in Weimar and the Third Reich,
Cambridge University Press, Cambridge, 1984. A noção de modernismo reaccionário
foi já um passo importante para superar trabalhos académicos anteriores que
tinham identificado o fascismo simplesmente como a negação da Europa moderna
esclarecida. Em relação a esta visão anterior, ver Zeev Sternhell, «Fascist
Ideology», in Fascism: A Reader’s Guide, ed. Walter Laqueur, University
of California Press, Berkeley e Los Angeles, 1976.
33. Camprubí, Engineers…
(n. 16 supra).
34. M. Norton Wise,
«Architectures for Steam», in The Architecture of Science, eds. Peter
Galison e Emily Ann Thompson, MIT Press, Cambridge (Massachusetts) 1999; M.
Norton Wise e Elaine M. Wise, «Staging an Empire», in Things That Talk:
Object Lessons from Art and Science, ed. Lorraine Daston, Zone Books, Nova
Iorque, 2004; John Tresch, The Romantic
Machine: Utopian Science and Technology After Napoleon, University
of Chicago Press, Chicago e Londres, 2012. (Aqui, não estou a sugerir nenhum
vínculo directo entre a cultura romântica e a ascensão do fascismo.)
35. Emilio Gentile, The
Sacralization of Politics in Fascist Italy, Harvard University Press,
Cambridge (Massachusetts), 1996.
36. Ernest
Gellner, Nations
and Nationalism,
Cornell University Press,
Ithaca (Nova Iorque), 1983 [Nações e Nacionalismo, Gradiva, Lisboa, 1993]; Benedict
Anderson, Imagined
Communities,
Verso, 1983 [Comunidades Imaginadas]; Eric Hobsbawm, Nations and Nationalism since 1780: Programme, Myth, Reality,
Cambridge University Press, Cambridge, 1990; Michael Mann, The Sources of Social Power, vol. ii, Cambridge University Press,
Cambridge, 1993. Para uma análise desta literatura de um ponto de vista da
história da tecnologia, ver Tiago Saraiva, «Inventing the Technological Nation:
The Example of Portugal (1851–1898)», History
and Technology, vol. 23, n.º 3, 2007, pp. 263–273. Ver
também Antonio Lafuente, «Conflicto de lealtades: los científicos entre la
nación y la república de las letras», Revista de
Occidente, n.º 161, 1994, pp. 97–122.
37. Sobre as
origens do nacionalismo orgânico durante o século xix, ver
Wolfgang
Mommsen, «The varieties of the nation state in modern history: Liberal
imperialist, fascist and contemporary notions of nation and nationality», in The Rise and Decline of the Nation State, ed. Michael Mann, Blackwell, Oxford, 1990. Além dos trabalhos
sobre eugenia e fascismo citados na nota 7, ver também o importante livro
colectivo: Marius Turda, ed., Blood and Homeland: Eugenics and Racial Nationalism in Central and Southeast Europe, 1900–1940, Central European University Press, Budapeste e Nova Iorque,
2007.
38. Os
inimigos políticos acusados de bolchevismo foram os primeiros «elementos
infectuosos» a serem removidos e os primeiros ocupantes dos campos de
concentração da Alemanha de Hitler e do Portugal de Salazar.
39. Lizzie
Collingham, The Taste of War: World War II and the Battle for Food, Penguin,
Nova Iorque, 2012; C. Paul Vincent,
The Politics
of Hunger: The Allied Blockade of Germany, 1915–1919, Ohio University Press, Athens (Ohio) e Londres, 1985; Gesine Gerhard, «Food and Genocide: Agrarian
Politics in the Occupied Territories
of the Soviet Union», Contemporary European History, vol.
18, n.º 1, 2009, pp. 45–65; Carol Helstosky,
Garlic and
Oil: Food and Politics in Italy, Berg, Oxford, 2004. Os problemas enfrentados pelas populações
camponesas pobres da Europa estiveram na base do crescimento do fascismo por
todo o continente. A guerra só tornou mais óbvia a revolução no sistema global de
fornecimento alimentar que vinha a desenvolver-se desde o final do século xix,
porque as mercadorias baratas das Américas estavam a inundar os mercados
europeus. Ver David Goodman e Michael Watt, eds., Globalising Food: Agrarian
Questions and Global Restructuring, Routledge, Londres e Nova Iorque, 1997.
40. Mark B.
Cole, Feeding
the Volk: Food, Culture, and the Politics of Nazi Consumption, 1933–1945, tese de doutoramento, Universidade da Florida, 2011, pp.
159–160.
41. Ernst
Jünger, «Total Mobilization (1930)», in The Heidegger Controversy: A Critical Reader, ed. Richard Wolin, MIT Press, Cambridge (Massachusetts), 1993.
Sobre a importância do conceito de Jünger para uma compreensão geral da
modernidade, ver Peter Sloterdijk, Eurotaoismus. Zur Kritik der politischen Kinetik, Suhrkamp, Frankfurt, 1989 [A Mobilização Infinita: Para Uma Crítica da Cinética Política, Relógio D’Água, Lisboa, 2002].
42. Mazower, Dark Continent [O Continente das Trevas] (n. 17 supra).
43. Götz Aly
e Susanne Heim, Architects of Annihilation: Auschwitz and the Logic of
Destruction,
Princeton University Press, Princeton, 2002; Uwe Mai, «Rasse und Raum»: Agrarpolitik, Sozial- und Raumplanung im NS-Staat, Ferdinand Schöningh, Paderborn, 2002; Isabel Heinemann, Rasse, Siedlung, deutsches Blut: dasRasse-und
Siedlungshauptamt der SS und die rassenpolitische Neuordnung Europas, Wallstein, Göttingen, 2013; Gerhard, «Food and Genocide…» (n.
39 supra); Timothy Snyder, Black Earth: The Holocaust as
History and Warning,
Tim Duggan Books, Nova Iorque,
2015 [Terra
Negra: O Holocausto Como História e Aviso, Bertrand
Editora, Lisboa, 2016].
44. Que fique
claro que não se sugere com isto, nos impérios português e italiano, que a raça
não teve um papel importante na conformação de regimes coloniais particularmente
violentos.
45. Para uma
análise dessa literatura para o caso nazi, ver Mark Finlay, «New Sources, New
Theses, and New Organizations in the New Germany: Recent Research on the History
of German Agriculture», Agricultural History, vol. 75, n.º 3, 2001, pp. 279–307. As seguintes obras são
particularmente significativas: Gustavo Corni e Horst Gies, Brot— Butter—Kanonen: Die Ernährungswirtschaft in Deutschland unter der Diktatur Hitlers, Akademie, Berlim, 1997; Gustavo Corni, Hitler and the Peasants: Agrarian Policy of the Third Reich, 1930–1939, Berg, Oxford, Nova Iorque e Munique, 1990; John Edgar
Farquharson, The Plough and the Swastika,
SAGE, Londres e Beverly Hills, 1976; Adam Tooze, The Wages of Destruction: The Making and Breaking of Nazi War Economy, Allen Lane, Londres e Nova Iorque, 2006. Para o caso italiano,
considero as seguintes fontes particularmente interessantes: Massimo Legnani,
Domenico Petri e Giorgio Rochat, eds., Le champagne
emiliane in
periodo fascista: Materiale
e ricerche
sulla battaglia del grano,
CLUE, Bolonha, 1982; Luciano Segre, La «battaglia del grano»: Depressione economica e politica cerealicola fascista,
Clesav, Milão, 1982; Mauro Stampacchia, «Ruralizzare l’Italia!»: Agricolture e bonifiche tra Mussolini e Serpieri, 1928–1943, Angeli, Milão, 2000; Alexander Nützenadel, Landwirtschaft, Staat un Autarkie. Agrarpolitik im faschistischen Italien, 1922–1943,
Max Niemeyer, Tübingen, 1997. Para o caso português, a melhor fonte ainda é
Fernando Oliveira Baptista, A Politica Agrária do Estado Novo, Afrontamento, Porto, 1993. Ver também Manuel de Lucena, «Salazar,
a “Fórmula” da Agricultura Portuguesa
e a Intervenção Estatal no
Sector Primário», Análise Social, vol.
26, n.º 110, 1991, pp. 97–206; Dulce Freire,
Inês Fonseca e Paula Godinho, eds.,
Mundo Rural:
Transformação e Resistência na Península Ibérica (Século XX), Colibri, Lisboa, 2009.
46. David
Edgerton abordou eloquentemente simplificações semelhante feitas por historiadores
generalistas sobre o papel da tecnologia na história, nomeadamente as suas
obsessões com a inovação tecnológica em detrimento da tecnologia em uso. A sua
crítica da falta de atenção dada aos cavalos na Segunda Guerra Mundial
corresponde perfeitamente à observação que aqui faço sobre a ausência da
agricultura nas análises do fascismo genérico. David Edgerton, Shock of the Old: Technology and Global History Since 1900,
Profile Books, Londres, 2011.
47. Corni e
Gies, Brot—Butter… (n. 45 supra).
Ver a crítica devastadora de Adam Tooze em The Wages of
Destruction…, p.
713 (n. 45 supra). Ver também a infeliz comparação ensaiada
por Gustavo Corni entre as políticas agrárias da Itália fascista e da Alemanha
nazi em Hitler
and the Peasants…, pp. 269–273 (n. 45 supra). Corni sugere que havia um profundo
contraste entre o ruralismo nazi e os modernizadores fascistas italianos,
chegando mesmo a afirmar que os académicos e tecnocratas alemães não tinham voz
nas políticas agrárias nazis. Como foi demonstrado por Adam Tooze, e como é
demonstrado neste livro, não há fundamento para esse contraste. Há também uma
tendência, na literatura portuguesa, para pôr o foco nas falsas promessas das
políticas agrárias fascistas em detrimento da compreensão do contributo que
deram para a institucionalização do regime; ver, por exemplo, Baptista, A Política Agrária…
(n. 45 supra).
48. Mesmo
Roger Griffin, o defensor o fascismo como modernismo, descarta a natureza
modernista do «Blut und Boden» («Sangue e Solo»). Ver o seu artigo «Modernity, Modernism, and
Fascism…» (n. 22 supra).
Como Adam Tooze expressamente declarou na sua reavaliação do papel da
agricultura na história económica nazi [The Wages of Destruction…, pp. 166–167 (n. 45 supra)], «a preocupação de Hitler e dos seus
sequazes com os problemas do Lebensraum,
da comida e da agricultura é muitas vezes vista prima facie como um indício do seu atavismo e atraso.
Isso não poderia estar mais errado».
49. Não é
difícil compreender a natureza modernista da famosa formulação de Maurice Barrès,
um dos primeiros ideólogos do fascismo, do culto da terra e dos antepassados.
De maneira bastante reveladora, a Barrès e aos seus partidários foi atribuído o
estatuto de «futuristas do passado». Sobre a noção de futurismo do passado, ver
Hermínio Martins, Classe,
Status e
Poder: E Outros Ensaios sobre o Portugal Contemporâneo, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, 1998, p. 25. Sobre
Barrès, ver Zeev Sternhell, Maurice Barrès et le nationalisme français,
Librairie Armand Colin, Paris, 1972.
50. Ver Susanne
Heim, Kalorien,
Kautschuk, Karrieren: Pflanzenzüchtung und landwirtschaftliche Forschung in
Kaiser-Wilhelm-Instituten 1933–1945, Wallstein,
Gottingen, 2003; Susanne
Heim, ed., Autarkie
und Ostexpansion. Pflanzenzucht und Agrarforschung in Nationalsozialismus, Wallstein,
Gottingen, 2002; Thomas Wieland,
«Wir
beherrschen den pflanzlichen Organismus besser…»: Wissenschaftliche
Pflanzenzüchtung in Deutschland, 1889– 1945, Deutsches Museum,
Munique, 2004; Joachim Drews,
Die
Nazi-Bohne: Anbau, Verwendung und Auswirkung der Sojabohne im Deutschen Reich
und Südosteuropa, 1933–1945,
LIT, Münster, 2004; Jonathan Harwood, «The Fate of Peasant-Friendly Plant Breeding in Nazi Germany», Historical Studies in the Natural Sciences, vol. 40, n.º 4, 2010, pp. 569–603. Em Black Earth… [Terra Negra…]
(n. 43
supra), um livro
importante sobre as dimensões
ecológicas do Holocausto, no
qual é atribuído um lugar central à
alimentação, Timothy Snyder parece
esquecer por completo essa literatura.
Essa ausência explica a sua afirmação
infundada nas páginas 9 e 10
[página 27 da edição portuguesa] de
que Hitler tinha um problema com as
ciências agrárias. Esta asserção só
é sustentada por citações do Mein Kampf,
ignorando o apoio e financiamento
extremamente generoso dessas
ciências pelo regime nazi.
51. Susanne
Heim inicia o seu importante livro sobre o melhoramento de plantas e o nazismo
com a seguinte afirmação: «Dos três termos que formam o título deste livro, “calorias”,
“cauchu” e “carreiras”, nenhum sugere a ideologia “Sangue e Solo” ou a visão
romântica da agricultura que são frequentemente tidas como as características
típicas das políticas agrárias nacionaissocialistas. E, na verdade, o tema sob investigação
neste livro não são as ideias aparentemente retrógradas de homens como Richard
Walther Darré, buscando mitos de camponeses inextricavelmente ligados à sua terra
natal» (Kalorien…, p. 1 [n. 50 supra]). O mesmo tom é adoptado na inovadora
história das ciências agrícolas da autoria de Frank Uekötter, Die Wahrheit ist auf dem Feld: Eine Wissensgeschichte der deutschen Landwirtschaft, Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 2010. Esta abordagem também limita
as possíveis conexões entre o melhoramento de plantas nazis e outras
experiências fascistas. Curiosamente, encontramos uma sensibilidade mais
desenvolvida em relação às interligações entre a ciência agrícola e a formação
do regime nazi na abordagem institucional mais tradicional de Volker Klemm, em Agrarwissenschaften in Dritten
Reich: Aufstieg oder Sturz? (1933–1945), Humboldt Universität, Berlim, 1994.
52. Tooze, The Wages of Destruction…, p. 167 (n. 45 supra).
53. Robert E.
Kohler, Lords
of the Fly: Drosophila Genetics and the Experimental Life, University of Chicago Press, Chicago, 1994 [Os Senhores da Mosca: A Genética da Drosophila e a Vida
Experimental, Porto Editora, Porto, 2011]; Karen A. Rader, Making Mice: Standardizing Animals for American Biomedical Research,
1900–1955, Princeton University Press, Princeton, 2004; Angela N. H. Creager, The Life of a Virus: Tobacco Mosaic Virus as na Experimental
Model, 1930–1965, University of Chicago Press, Chicago, 2002. Para uma visão geral
da história da biologia como história de organismos-modelos, ver Jim Endersby, A Guinea Pig’s History of Biology: The Plants and Animals Who Taught Us the Facts of Life, Harvard University Press, Cambridge (Massachusetts),
2007; Anita Guerrini, Experimenting with Humans and Animals: From Galen to Animal Rights, Johns
Hopkins University Press, Baltimore, 2003.
54. Tim
Lenoir, «Epistemology Historicized. Making Epistemic Things», prefácio a Rheinberger,
An
Epistemology of the Concrete: Twentieth-Century Histories of Life, Duke University Press, Durham (Carolina
do Norte), 2010, p. xiii.
55.
Rheinberger, An Epistemology of…, p. 7 (n. 10 supra).
56. Sobre as
implicações dos organismos-modelos na escrita de narrativas históricas, ver Tiago
Saraiva, «Oranges as Model Organisms for Historians», Agricultural History, vol. 88, n.º 3, 2014, pp. 410–416.
57. Staffan
Müller-Wille e Hans-Jörg Rheinberger, A Cultural History of Heredity,
University of Chicago Press, Chicago, 2012, p. 136.
58. Sobre os
organismos industrializados e a sua importância na história da tecnologia, ver
Schrepfer e Scranton, eds., Industrializing Organisms… (n. 8 supra).
Sobre a relação entre produção de conhecimento acerca da reprodução na medicina
e na agricultura, ver Adele Clarke, Disciplining Reproduction: Modernity, American Life Sciences, and «the Problems of Sex», University of California Press, Berkeley, 1998.
59. Sobre as
«linhas puras», ver Nills Roll-Hansen, «Sources of Johannsen’s Genotype
Theory», in A Cultural History of Heredity III: 19th and Early 20th Centuries, eds. Staffan Müller-Wille e Hans-Jörg Rheinberger, Max Planck
Institute for the History of Science, Berlim,2005; Christophe Bonneuil e
Frédéric Thomas, Gènes, pouvoirs et profits: recherche publique et
régimes de production des savoirs de Mendel aux OGM,
Quae, Paris, 2009. Mais especificamente sobre a clonagem os melhoradores de
plantas, ver Tiago Saraiva, «Cloning and Democracy: Standardized Oranges and
the Southern Californian Experiment with Cooperation», in New Materials: Their Social and Cultural Meanings, ed. Amy Slaton, University of Pennsylvania Press, Filadélfia,
no prelo.
60. Tiago
Saraiva, «Breeding Europe: Crop Diversity, Gene Banks, and Commoners», in Cosmopolitan Commons: Sharing Resources and Risks across Borders, eds. Nil Disco e Eda Kranakis, MIT Press, Cambridge
(Massachusetts), 2013.
61. Sobre as
importantes diferenças entre o conceito de «linhas puras» de Johannsen e as variedades
produzidas através de autofecundação por melhoradores no século xix, ver o
capítulo 1.
62. Sobre a
importância da metáfora química para os geneticistas no virar do século, ver
Staffan Müller-Wille, «Leaving Inheritance Behind: Wilhelm Johansen and the
Politics of Mendelism», in A Cultural History of Heredity IV: Heredity in the Century of the Gene,
eds. Staffan Müller-Wille, Hans-Jörg Rheinberger e John Dupré, Max Planck
Institute for the History of Science, Berlim, 2008.
63. Enquanto
Diane Paul e Barbara Kimmelman demonstraram de modo notável a importância das
preocupações agrícolas dos melhoradores de plantas quanto à introdução da
teoria mendeliana nos Estados Unidos, Jonathan Harwood, Paolo Palladino, Thomas
Wieland e Christophe Bonneuil exploraram as relações complicadas entre a
genética mendeliana e os organismos industrializados. Ver Jonathan Harwood,
«Introduction to the Special Issue on Biology and Agriculture», Journal of the History of Biology,
vol. 39, n.º 2, 2006, pp. 237–239; Diane B. Paul e Barbara A. Kimmelman,
«Mendel in America: Theory and Practice, 1900–1919», in The American Development of Biology,
ed. Ronald Rainger et al.,University of Pennsylvania Press,
Filadélfia, 1988; Paolo Palladino, Plants, Patients and the Historian: (Re)Membering in the Age of Genetic Engineering, Manchester University Press, Manchester, 2002; Jonathan Harwood, Technology’s Dilemma: Agricultural
Colleges Between Science and Practice in Germany,1860–1934, Peter Lang, Berna, 2005;Christophe
Bonneuil, «Producing Identity,
Industrializing Purity», in A Cultural History of Heredity IV: Heredity in the Century of
the Gene, eds.
Staffan Müller-Wille, Hans-Jörg Rheinberger e John Dupré, Max Planck Institute
for the History of Science, Berlim, 2008; Christophe Bonneuil, «Mendelism,
Plant Breeding and Experimental Cultures: Agriculture and the Development of
Genetics in France», Journal
of the History
of Biology, vol. 39,
n.º 2, 2006, pp. 281–308; Wieland, «Wir beherrschen…» (n. 50 supra).
Para uma perspectiva mais ampla das relações entre a agricultura e as ciências
da vida, ver New Perspectives on the History of Life Sciences and Agriculture, eds. Denise Phillips e Sharon Kingsland, Cham, Heidelberg,
Nova Iorque, Dordrecht e Londres, Springer, 2015.
64. Ver
Deborah Fitzgerald, The Businessof Breeding: Hybrid Corn in Illinois, 1890– 1940, Cornell University Press, Ithaca (Nova Iorque), 1990; Bert Theunissen, «Breeding for Nobility or for Production? Cultures of Dairy Cattle Breeding in the
Netherlands, 1945–1995», Isis,
vol. 103, n.º 2, 2012, pp. 278–309; Margaret Elsinor Derry, Art and Science in Breeding:
Creating Better Chickens, University of Toronto Press, Toronto,
2012.
65. Russell, Evolutionary History…, p. 140 (n. 8 supra). Sobre o modo como plantas diferentes dão
forma a economias políticas diferentes, ver Barbara Hahn, Making Tobacco Bright: Creating an American Commodity, 1617–1937, Johns Hopkins University Press, Baltimore, 2011.
66. Isto é
particularmente evidente no livro de Phillip Thurtle, The Emergence of Genetic Rationality: Space, Time, and Information in American Biological Science, 1870–1920, University of Washington Press, Seattle, 2011.
67.
Fitzgerald, Business of Breeding… (n. 64 supra);
Jenny Leigh Smith, The Soviet Farm Complex: Industrial Agriculture in a Socialist Context, 1945–1965, tese de doutoramento,
MIT, 2006; Michael Flitner, «Genetic Geographies: A Historical Comparison of Agrarian
Modernization and Eugenic Thought in Germany, the Soviet Union, and the United
States», Geoforum, vol. 34, n.º 2, 2003, pp. 175–185.
68. Isso é
típico não só das histórias sobre o melhoramento de plantas e animais, mas
também dos estudos críticos mais gerais sobre a ciência. Para uma boa crítica
dessas grandes narrativas, ver Dominic Berry, «The Plant Breeding Industry
after Pure Line Theory: Lessons from the National Institute of Agricultural
Botany», Studies
in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, vol. 46, n.º 1, 2014, pp. 25–37. Berry cita o meu trabalho
sobre o fascismo italiano e o trigo como representante dessa tendência, ainda
que uma leitura mais atenta imediatamente revele que tenho uma posição
contrária.
69. Horkeimer
e Adorno, Dialectic
of Enlightenment…
(n. 21 supra).
70. Ver
Agamben, Homo
Sacer… [O Poder Soberano…] (n. 6 supra);
Herbert Marcuse, Technology, War and Fascism: Collected Papers of Herbert Marcuse, Routledge, Londres e Nova Iorque, 2004.
71. Isso foi
defendido por Paul Rabinow e Nikolas Rose na crítica que ambos fizeram no
artigo «Biopower Today» (n. 6 supra)
ao uso generalizado do conceito de biopoder por seguidores de Hardt e Negri e
de Giorgio Agamben. A história da eugenia, com a sua sensibilidade para
diferentes tendências nacionais, poderá sugerir algo semelhante. Porém,
gostaria de sustentar que a maioria dos estudos comparativos apresentados por
historiadores da eugenia tendem a explicar as diferenças das práticas com base
em diferentes contextos culturais nacionais fixados, em vez de explorarem o
modo como a ciência e a cultura coevoluíram, como tento fazer aqui. O contraste
tradicional entre eugenia negativa e positiva, no seguimento de clivagens
religiosas que identificam a primeira com os países protestantes do Norte e a
segunda com os países católicos do Sul, certamente não se aplica aos
melhoradores de plantas e animais. Quando se dedicaram a manipular plantas e
animais, todos os melhoradores abordados neste livro foram partidários de uma
linha dura, eliminando sem piedade as variedades menos interessantes. Ver
Turda, ed., Blood and Homeland… (n. 37 supra);
Nancy Leys Stepan,The Hour of Eugenics: Race, Gender, and Nation in Latin America, Cornell University Press, Ithaca (Nova Iorque), 1991; Gunnar
Broberg e Nils Roll-Hansen, eds., Eugenics and the Welfare State: Sterilization Policy in Denmark, Sweden, Norway, and Finland,
University of Michigan Press, East Lansing, 1996.
72. Na
formulação de Sloterdijk, Eurotaoismus…, p. 25 [A Mobilização Infinita…,
p. 25] (n. 41 supra),
não seria suficiente afirmar que a modernidade prometia fazer a sua própria
história, a principal questão em causa seria antes qual a natureza a fazer.
Depois da publicação do seu livro Regeln
für den Menschenpark:
ein Antwortschreiben zu Heideggers
Brief über den Humanismus (Suhrkamp, Frankfurt, 1999) [Regras para o Parque Humano: Uma Resposta à «Carta sobre o Humanismo» (O Discurso de Elmau), Angelus Novus, Coimbra, 2007], Sloterdijk ofreu o opróbrio de
académicos alemães tão veneráveis como Jürgen Habermas, por ter sugerido que as
democracias deveriam discutir seriamente e regular a biopolítica. Sobre a
controvérsia, ver Éric Alliez, Living Hot, Thinking Coldly: An Interview with
Peter Sloterdijk», Cultural Politics, vol. 3, n.º 3, 2007, pp. 307–326.
73. Sobre a Bodenständigkeit e a sua importância na filosofia de
Heidegger, ver Charles R. Bambach, Heidegger’s
Roots:
Nietzsche, National Socialism, and the Greeks, Cornell University Press, Ithaca (Nova Iorque), 2005. Examino
mais ao pormenor este vínculo heideggeriano no final do capítulo 4 e sobretudo
na conclusão.
74. Ver Bruno
Latour, «Whose Cosmos, Which Cosmopolitics? Comments on the Peace Terms of
Ulrich Beck», Common Knowledge, vol. 10, n.º 3, 2004, pp. 450–462; Annemarie Mol, The Body Multiple: Ontology in Medical Practice, Duke University Press, Durham (Carolina do Norte) e Londres,
2002; John Law, Aircraft Stories: Decentering the Object in Technoscience, Duke University Press, Durham (Carolina do Norte), 2002; Diana
Coole e Samantha Frost, eds., New Materialisms: Ontology, Agency, and Politics, Duke University Press, Durham (Carolina do Norte), 2010; Karen
Barad, Meeting
the Universe Halfway: Quantum Physics and the Entanglement of Matter and Meaning,
Duke University Press, Durham (Carolina do Norte) e Londres, 2007. Para uma
análise crítica do significado dessa viragem, ver Steve Woolgar e Javier
Lezaun, «The Wrong Bin Bag: A Turn to Ontology in Science and Technology
Studies», Social
Studies of Science,
vol. 43, n.º 3, 2013, pp. 321–340.
75. Sobre os
objectos de fronteira, ver Susan Leigh Star e James R. Griesemer,
«Institutional Ecology, Translations and Boundary Objects: Amateurs and
Professionals in Berkeley’s Museum of Vertebrate Zoology, 1907–39», Social Studies of Science,
vol. 19, n.º 3, 1989, pp. 387–420. Sobre a assemblagem, ver Paul Rabinow, French DNA: Trouble in Purgatory, University of Chicago Press, 1999. Sobre as múltiplas
naturezas e o multiverso, ver Bruno Latour, Enquête sur les modes d’existence: une anthropologie des modernes,
La Découverte, Paris, 2012.
76. Esta
linguagem chegou aos estudos sobre a ciência e a tecnologia, tanto por meio da filosofia
pragmática, como da antropologia cultural. Em relação à primeira e ao conceito
de multiverso, ver William James, The Will to Believe and Other Essays in Popular Philosophy, Cambridge University Press, Cambridge e Nova Iorque, 2014;
primeira edição, 1897. Em relação à segunda, ver Eduardo Viveiros de Castro, A Inconstância da Alma Selvagem, Cosac & Naify, São Paulo, 2002; Philippe Descola, Par-delá nature et culture, Gallimard, Paris, 2005.
77. Mesmo
quando nem todos os autores estão confortáveis com essa linguagem, é difícil
fazer uma distinção entre epistemologia e ontologia nas análises de Steven Shapin
sobre Boyle, de Simon Schaffer sobre Newton, de Norton Wise sobre William
Thomson, de Bruno Latour sobre Pasteur e de Peter Galison sobre Einstein. Ver Steven
Shapin, A
Social History of Truth: Gentility, Civility and
Science in Seventeenth-Century England, University of Chicago Press, Chicago e
Londres, 1994; Simon Schaffer, «Glass Works: Newton’s Prisms and the Uses of
Experiment», in The Uses
of Experiment:
Studies in the Natural
Sciences, eds. David Gooding, Trevor Pinch e Simon
Schaffer, Cambridge University Press, Cambridge, 1989; Crosbie Smith e M.
Norton Wise, Energy and Empire: A Biographical Study of Lord Kelvin, Cambridge University Press, Cambridge, 1989; Bruno Latour, The Pasteurization of France,
Harvard University Press, Cambridge (Massachusetts), 1993; Peter Galison, Einstein’s Clocks, Poincaré’s Maps: Empires of Time, W. W. Norton, Nova Iorque, 2003 [OsRelógios de Einstein e os Mapas
de Poincaré, Gradiva, Lisboa, 2005].
78. Hans-Jörg
Rheinberger, «Gaston Bachelard and the Notion of “Phenomenotechnique”», Perspectives on Science, vol. 13, n.º 3, 2005, pp. 313–328.
79. A
natureza etnográfica de muitos estudos sobre a ciência e a tecnologia, e a
abordagem local normalmente adoptada, poderão gerar dúvidas sobre a importância
desses estudos académicos em quem aborda fenómenos históricos tradicionais de
larga escala, como é o caso do fascismo. Bruno Latour supera esses problemas de
escala de forma eloquente, ao defender, por exemplo, que o seu Louis Pasteur,
independentemente de anteriores filiações políticas, se tornou num agente
político importante através das suas experiências laboratoriais: «Dêem-nos
laboratórios e faremos com que na Grande Guerra não haja infecções, abriremos
países tropicais à colonização, tornaremos o exército de França saudável,
aumentaremos o número e a força dos seus habitantes, criaremos novas
indústrias.» Bruno Latour, «Give Me a Laboratory and I Will Raise the World», in Science Observed: Perspectives on the Social Study of Science, eds. Karin D. Knorr Cetina e Michael Mulkay, SAGE, Londres,
1983. Este livro também segue o poderoso mote de Latour: «Dêem-me um
laboratório e elevarei o mundo.» E também faz vista grossa a questões como
saber se os cientistas de que se ocupa tinham filiação fascista ou não,
prestando mais atenção ao poder das suas práticas na formação de um mundo
fascista. A política encontra-se na própria ciência. Mas, para tornar este
argumento convincente, é necessário um envolvimento mais profundo com a
história do período em questão do que aquele que é normalmente apresentado no
estudos sobre a ciência e a tecnologia. Como fazer grandes afirmações sobre porcos
e carneiros que incorporam o fascismo sem entrar em diálogo com os historiadores
do fascismo? Os estudos de ciência e tecnologia (STS) têm a alegre capacidade
de identificar como novas coisas aparecem de práticas tecnocientíficas, mas só muito
raramente especificam o modo como essas coisas são significativas para a
história. A Grande Guerra, a colonização, o exército francês, as novas
indústrias — cada um destes termos comporta uma enorme historiografia que não
podemos ignorar quando tentamos provar a importância das coisas pasteurizadas nestes
grandes colectivos. Este livro sugere que para os STS poderem fazer afirmações
ambiciosas sobre o papel das coisas que estudam, é necessário examinar as
formas como essas coisas operam no(s) mundo(s). Os praticantes dos STS devem
ser capazes de se envolver em discussões com historiadores generalistas sobre a
importância histórica das suas coisas. Para uma observação crítica semelhante
sobre a influência da obra de Latour, ver Paolo Palladino, «Give Me a
Laboratory, and I Will Raise the… Laboratory», Medical History, vol. 48, n.º 1, 2004, pp. 118–123.
80. Curzio
Malaparte, Kaputt, New York Review of Books, Nova Iorque,
2005; primeira edição, 1944 [Kaputt,
Cavalo de Ferro, Amadora, 2020].
81. Para uma
análise inspirada do livro de Malaparte, ver Milan Kundera, Une rencontre, Gallimard, 2009, pp. 184–189 [Um Encontro, Dom Quixote, Alfragide, 2011, pp.
178-182]. Duas outras obras importantes e controversas que usam os animais para
compreender o nazismo são os livros de Art Spiegelman, Maus I: A Survivor’s Tale: My Father Bleeds History,
Pantheon, Nova Iorque, 1986, e Maus II: A Survivor’s Tale: And Here My Troubles Began, Pantheon, Nova Iorque, 1991 [Maus: A História de Um Sobrevivente. O Meu Pai Sangra e Aqui Começaram os Meus Problemas,
Bertrand Editora, Lisboa, 2014].
•
Tiago Saraiva
Professor no departamento de História da Drexel University em
Filadélfia. Licenciado pelo Instituto Superior Técnico e doutorado pela
Universidade Autónoma de Madrid, foi investigador do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa de 2005 a 2012 e professor visitante na
Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e Berkley. É co-editor da
revista History and Technology e co-organizador da Cambridge History
of technology.
Nota de edição
O texto que aqui se publica corresponde à introdução do livro Porcos
Fascistas. Organismos Tecnocientíficos e a História do Fascismo, de Tiago
Saraiva, publicado pela Dafne
Editora em 2022 e gentilmente cedido pelo autor e pela editora. O livro está
também publicado em inglês pelo MIT Press (2016) e foi ainda galardoado com o
prémio Pfizer Prize for the best scholarly book em 2017. Uma recensão da
edição portuguesa por Marta Macedo, pode ser lida na Revista Ler
História.
Imagem
1. Experiências com raios x sobre o teor de gordura dos porcos.
2. O ministro da Agricultura e Obergruppenführer da SS Herbert
Backe com dirigentes agrários a contemplar porcos no Reichsgau Wartheland, na
Polónia sob ocupação nazi, 1943.
Ficha Técnica
«Porcos Fascistas. Organismos Tecnocientíficos e a História do
Fascismo» • Tiago Saraiva
Data de publicação: 15.11.2022
Edição #36 • Outono 2022 •