Há
uns dias a Marta Lança mostrou-me um texto de Pedro Levi Bismarck, Meditações Medinianas, publicado na revista Punkto a 29 de Setembro,
desafiando-me a escrever umas linhas a partir dele. Recomendando a leitura
completa do artigo de Bismarck, quero destacar aqui duas partes:
«as razões da
vitória «surpresa» de Moedas só podem ser compreensíveis à luz de um outro
factor tão silencioso como derradeiro:
as sondagens, ou melhor, a percepção que estas foram construindo na
opinião pública de uma vitória inevitável (e até de uma maioria absoluta) por
parte de Medina.»
“Certamente que há muito que a
ciência política debate o paradoxo constitutivo da sondagem: isto é, o facto de
esta ser um instrumento de leitura de uma realidade que ela própria não cessa
de alterar e produzir. Se não existissem sondagens, se a real dimensão do voto
não pudesse ser auscultada previamente (e inúmeras vezes), teria Medina ganho
ou perdido estas eleições? Uma pergunta certamente sem resposta, mas que nos
garante (pelo menos) que aqueles que desvalorizam as sondagens serão certamente
os menos letrados politicamente. E, no entanto, será lícito aceitar de forma
tão pueril a neutralidade política da sondagem? Será lícito fazer da sondagem
um elemento do jogo político democrático, sabendo que a sua neutralidade é
impossível e, sobretudo, sabendo que ela própria institui instrumentos de
avaliação do poder democrático que não só não são acompanhados ou verificados,
como permanecem nas zonas mais escuras e opacas das empresas de sondagens?”
Sabemos
que há eleitores imunes às sondagens – são os que votam sempre… e sempre no
mesmo partido (ou sempre em branco/nulo), e os que ficam sempre em casa. Todos
os outros serão em alguma medida influenciáveis pelas sondagens direta ou
indiretamente. Ou seja, concordo inteiramente com o autor quando diz que as
sondagens não são neutras quanto às suas consequências. Se é ou não lícito
aceitá-las como parte do jogo político democrático, é algo que vale sempre a
pena discutir e acrescento aqui algumas notas.
1. Neste momento a lei portuguesa
permite a publicação de sondagens em qualquer momento (exceto dia de reflexão e
dia de eleições até ao fecho das urnas). Noutros momentos (e atualmente,
noutros países) o entendimento foi outro, de modo a evitar a influência das
sondagens na decisão dos cidadãos. Acontece que na presença dessas leis mais
restritivas: (1) as sondagens continuam a ser feitas (pois a sua realização não
está proibida – apenas a publicação) para consumo de partidos políticos; (2) e
os seus resultados são conhecidos de comentadores, políticos e jornalistas, mas
não diretamente mostrados à população em geral; (3) quando há interesse
político dos proprietários dessas sondagens (ou seja, dos partidos), os seus
resultados são publicados em órgãos de comunicação social de países
estrangeiros, em plataformas que não estejam abrangidas pela lei do país ou
através de metáforas mais ou menos sofisticadas (por exemplo, aqui); (4) claro
que não há forma de garantir se essas sondagens de que “todos” falam e “todos”
conhecem foram de facto feitas e em que condições.
2. As sondagens contratadas por
órgãos de comunicação social são sempre publicadas, independentemente do
resultado. O mesmo não se passa com as sondagens encomendadas por partidos, que
poderão ser publicadas em função dos seus resultados. Todas as sondagens publicadas
são depositadas na ERC e deverão cumprir um conjunto de critérios de qualidade.
As que não são publicadas não têm quaisquer obrigações.
3. Proibir ou não sondagens?
Enquanto “pessoa que faz sondagens” nada tenho contra a proibição de sondagens
num determinado período (por exemplo um mês antes das eleições). Sei que os meus
colegas da concorrência também não terão nada a opor – pelo contrário, até
deverão ver o seu negócio aumentar trabalhando mais para partidos (nós, no
Centro de Sondagens da Universidade Católica, não trabalhamos para partidos).
Enquanto “pessoa que vota e gosta de estar informada” prefiro ter sondagens nos
media a não as ter. Estou convencido de que a ausência de sondagens públicas
tornaria o discurso nos media ainda menos amplo, promovendo os partidos do
poder e os partidos ou candidatos-espectáculo.
Voltando
ao caso de Lisboa, pergunta Bismarck: “Se não existissem sondagens, se a real
dimensão do voto não pudesse ser auscultada previamente (e inúmeras vezes),
teria Medina ganho ou perdido estas eleições?”. Esta era uma daquelas eleições
que à partida nem merecia sondagem. Medina estava no cargo – o que é sempre uma
vantagem –, numa câmara sem dificuldades económicas, tinha uma forte presença
nos media, a impressão geral dos jornalistas era a de que estava a fazer um bom
trabalho. Portanto, apesar da renovação da cidade, com a saída de muitas
pessoas para concelhos limítrofes e sua substituição por outras pessoas
(necessariamente diferentes das primeiras) ninguém (com voz) considerava a
hipótese de ele perder as eleições. Imaginemos que não tinha sido publicada uma
única sondagem sobre Lisboa. Que discursos teríamos nos media? BE e CDU a
falarem dos riscos da maioria absoluta e a valorizarem o trabalho realizado
pelos seus vereadores? PSD, CDS e partidos parceiros a falarem de eleições
renhidas e de números que lhes davam indicação de possibilidade de vitória (o
feeling do Rui Rio)? PS a dizer que o importante era votar no domingo e a dar
indicações de que o voto útil poderia fazer a diferença perante um cenário de
direita unida? Chega a garantir que já era a terceira força a nível nacional?
Qual ou quais destes discursos teriam sido dominantes? Teriam os resultados
eleitorais sido diferentes? Não temos forma de saber, mas tendo a achar que
provavelmente sim, no sentido de haver uma maior concentração de votos no PS e
no PSD, prejudicando os restantes candidatos
João Homem Cristo António
É mestre e licenciado em Psicologia Social e Organizacional pelo
ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). O seu percurso académico
e profissional tem-se centrado em duas grandes áreas: (1) o estudo das relações
entre grupos e (2) as metodologias de investigação e análise de dados. Estuda
relações intergrupais, identidade e discriminação desde 2000, tendo participado
em vários projetos de investigação do Centro de Investigação e Intervenção
Social (CIS – ISCTE) e do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão
Portuguesa da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Na segunda área, a que se
dedica com maior interesse desde 2004, tem coordenado diversos estudos,
inquéritos e sondagens de opinião realizados pela CATÓLICA-CESOP (Centro de
Estudos e Sondagens de Opinião – UCP). É, desde 2011, o responsável técnico
pelas sondagens políticas da CATÓLICA-CESOP. É autor de diversos livros,
capítulos e artigos científicos. É o coordenador do Índice de Sustentabilidade
Municipal.
Nota de edição
O texto de João Homem Cristo, publicado no Buala
a convite da Marta Lança, continua o debate iniciado no Punkto na semana
passada, com o artigo Meditações Medinianas, em torno da derrota eleitoral
de Fernando Medina em Lisboa, contrariando as expectativas e as sondagens.
Ficha Técnica
Data de
publicação: 07.10.2021
Edição #33 • Outono 2021 •