A vigilância vigia-se a si mesma e conspira contra si própria • Maria Ramalho




Num desses estranhos dias de confinamento oblige, em que o mundo parecia não ter mais esperança, sonhei que na primeira página de um jornal, em letras pretas sobre fundo amarelo, se anunciava a corrida à sabotagem da «máquina do mundo». Um estranho e desconhecido engenho tinha passado a gerir o planeta, e nele todos os sistemas informáticos se encontravam interligados numa única rede, tornando, por isso, a sabotagem estranhamente apetecível…


Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e mais doloroso do que impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso do smartphone. [1]

1. Desvio (“détournement”) de um excerto do livro de Étienne de La Boétie, Discurso sobre a Servidão Voluntária, Lisboa, Antígona, p.18.

 

Isto anda tudo ligado

Como muito bem comenta Júlio Henriques, [2] aquilo que sentem hoje os que tentam elaborar ou exprimir algum tipo de crítica à dita «Revolução Digital» e suas consequências, é semelhante ao que sentiram os primeiros ambientalistas, vistos durante décadas, talvez mesmo até ao início deste século, como irrealistas, passadistas ou até dementes. Perante a crítica à tecnologia, sente-se a mesma reacção hostil, o mesmo desprezo altivo de quem pensa estar no sítio certo no momento exacto, e tudo o que tenha outra lógica não é mais do que uma recusa da vida tal como ela deveria ser vivida. Só que esta incompreensão é hoje, infelizmente, ainda mais grave, pois nela não cabe sequer a ideia do que separa o mundo humano e aquilo que se encontra fora dele, como antes era entendido pelos «anti-ambientalistas», convictos de que a Natureza era algo exterior e só existia para servir o homem, numa visão totalmente antropocêntrica do mundo. Agora nem essa discussão ou esse afastamento parece possível, porque a imersão no fantástico mundo digital abrange toda a humanidade.

2. Júlio Henriques, Flauta de Luz, 7, 2020, p.9

O encantamento pelo desenvolvimento tecnológico é uma constante do homem desde a Revolução Industrial, criando um sistema intrinsecamente unificado, onde cada descoberta neste âmbito depende de outra anterior e fará depender outras que se seguem, criando uma teia de tal modo nodosa que será impossível sair dela a não ser por implosão natural ou sabotagem.

[…] se os revolucionários se permitirem ter outro objectivo que não seja a destruição da tecnologia, serão tentados a empregar a tecnologia como instrumento para atingir esse objectivo. Se cederem a essa tentação, cairão na armadilha tecnológica, porque a tecnologia contemporânea é um sistema unificado firmemente organizado […] — Theodore Kaczynski [3]

3. In Manifesto do Unabomber – O Futuro da Sociedade Industrial, Lisboa, Fenda, 1997, p.182. Activista conhecido mediaticamente como “Unabomber”, designação que lhe foi atribuída pelo FBI, matemático de génio, foi um reconhecido professor universitário. No fim dos anos 60, em dissidência com o sistema de desenvolvimento industrial que via expandir-se nos EUA, abandonou essa carreira, passando a viver isolado num local remoto, algures no estado do Montana. Na sequência de uma série de atentados contra investigadores da tecnociência, o FBI lançou contra ele a sua mais custosa caça ao homem, e só ao fim de dezoito anos, em 1996, conseguiu capturar Kaczynski, que em 1998 foi condenado a prisão perpétua, situação que ainda se mantém.

A adesão aparentemente simplista ao uso de um «telefone inteligente» é uma das maravilhosas rodas que actualmente faz funcionar o «nosso» sistema político-económico, ou melhor, é o óleo sagrado da máquina capitalista em formato digital, aquele que se propagou de forma planetária, fazendo de cada utilizador deste aparelho um membro de um jogo de equipa cujo treinador ninguém conhece.

Pela primeira vez na história da humanidade, há um objecto de consumo, fruto mais que perfeito da sociedade capitalista, que uniformiza milhões de seres humanos, não distinguindo etnias, idades, credos ou culturas. Já não se trata só da rádio, do cinema ou da televisão, antes encarados também como técnicas de «alienação das massas». Trata-se de algo que, por opção, nunca se apaga. Não é um sistema ou objecto «exterior» ao homem, que pode ser ligado ou desligado pois a sua lógica é a conexão permanente.

A intimidade, as relações afectivas, foram desde logo os principais alvos das empresas que produzem estes objectos. E, imediatamente, exércitos de «servos voluntários» aderiram a isso em troca de um minuto de fama on line. No início era simples, permitia o contacto imediato com quem era mais importante, a família e os amigos, mas logo se passou para a escala planetária, e as possibilidades tornaram-se infinitas, sendo mais que vulgar considerar-se amigo alguém que nunca se viu na realidade. Em termos políticos, estes objectos permitem ampliar as estratégias de tomada de poder, como mostram os conhecidos casos de manipulação das contagens de votos ou a indução de comportamentos através da difusão propositada de notícias falsas, obtida pelas chamadas redes sociais. Com efeito, estas recorrem cada vez mais a imagens e vídeos manipulados, o que já deu azo ao terrível fenómeno da deepfake, uma técnica relativamente fácil que consiste em usar imagens e filmes de indivíduos reais, a maior parte retirados da Internet, e, a partir disso, criar seres humanos que nunca existiram, ou então colocar pessoas reais em situações que nunca ocorreram, de modo a poder acusá-las, denegri-las ou chantageá-las.

 

Um dispositivo total

O novo capitalismo de base digital, centrado no telemóvel, juntou hoje todas as esferas da vida e, neste pequeno objecto de consumo, tudo cabe: diversão, lazer, intimidade, trabalho, obrigações legais, amor, amizade, recordações, etc., sobrepondo-se e baralhando-se tudo isso numa amálgama sem fim de usos, de tal modo que mesmo o ser humano mais desapossado parece não conseguir sobreviver sem telemóvel.

«Os emigrantes marroquinos que chegaram a Olhão numa pequena embarcação traziam grão cru e telemóveis». [4]

4. Notícia do Jornal Expresso, 29 de Janeiro de 2020.

Sabe-se, também, que quem inventa todas estas maravilhas digitais na forma de «aplicações», as designadas apps, ou seja, softwares criados por empresas tecnológicas para serem instalados nos telemóveis, domina e influencia a fundo a psicologia humana, e esse poder assustador continua a aprofundar-se, acompanhado agora pelo roubo de dados pessoais (residuais ou efectivos), de modo a aperfeiçoar ainda mais o conhecimento desses mesmos comportamentos humanos.

Para essa tarefa ilimitada procurou-se a ajuda de algoritmos, que, ao segundo, permitem verificar as preferências de milhares de utilizadores, à escala mundial, de modo a «melhor servir» os interesses em jogo, não sabendo nós de que jogo somos a peça principal.

Não existem telefones inteligentes sem aplicações estúpidas, que, claro está, se destinam a facilitar a vida dos utilizadores. A cada nova ideia de um «smart guy» de Silicon Valley corresponde de imediato um mercado de milhões de consumidores e, neste negócio, a produção é verdadeiramente infinita.

Ainda não há muito tempo, foi feita uma «experiência» com uma dessas aplicações, aparentemente um jogo inocente, chamado «Pokémon Go», mais um produto da Google, hoje umas das cinco empresas mais ricas do mundo. O objectivo desse jogo consistia em que os jogadores, devidamente equipados com os seus telemóveis, «caçassem», ou melhor, fotografassem bonecos virtuais situados em vários locais, ganhando com isso pontos. Só que esses locais eram espaços comerciais que previamente tinham pago aos inventores do jogo para que telecomandassem as pessoas directamente para os seus estabelecimentos. Deste modo, os criadores dessa aplicação informática não só lucravam com o pagamento extra efectuado pelas lojas e com a aquisição gratuita de milhares de imagens captadas pelos utilizadores, mas também, e sobretudo (e esse era o principal objectivo), com o «roubo» dos dados pessoais dos jogadores, aumentando assim o conhecimento sobre comportamentos humanos, conhecimento este que vale ouro no mercado das novas tecnologias. Devendo notar-se que essa aplicação só era descarregada depois de a empresa pedir a permissão dos jogadores para a utilização dos seus dados, concordando estes rapidamente, sem sequer lerem o contrato que lhes era apresentado.

Tal como com o boneco Pokémon, as pessoas estão agora a ser conduzidas para outros bonecos: Trump, Bolsonaro e companhia… Não se trata já de um qualquer divertimento, trata-se do controlo remoto aplicado à política, um xeque-mate à democracia que se acredita ainda existir.

O grande objectivo das empresas que criam estes produtos é tornar possível atingirem uma percentagem de população tão alta que o sistema possa funcionar em pleno, sem qualquer constrangimento legal ou de outro tipo. Por exemplo, na Austrália a empresa Facebook conquistou de tal modo a camada juvenil que será agora possível prever não só os seus comportamentos, mas também as suas emoções. Com isto, associado às intenções das empresas comerciais que utilizam esta rede social, está criado o que poderá chamar-se «tempestade perfeit.


 Uma epidemia digital

É certo que esta epidemia digital de grande alcance continuará a desorientar e a utilizar milhões de consumidores até se ter atingido uma espécie de «imunidade de grupo», ou seja, quando já não for preciso fazer mais nada, quando a humanidade estiver de tal forma contaminada que o sistema possa avançar para outros patamares. Se observarmos bem, é já aí que estamos a chegar. Por exemplo, é assombroso constatar os resultados negativos que a utilização da Internet produz no cérebro de crianças e jovens, demonstrando estas faixas etárias todos os sinais de dependência que as drogas ilegais produzem. E no entanto estes factos tornaram-se praticamente invisíveis, dada a expansão do problema à escala planetária. 

Na verdade, estas criações tecnológicas de aparência inofensiva estão a moldar profundamente a sociedade humana. Veja-se, por exemplo, o que ocorre na área laboral com o avançar do dito «capitalismo das plataformas», com milhares de trabalhadores dependentes de aplicações informáticas descarregadas nos seus telemóveis, aplicações estas criadas por empresas de que pouco se sabe, como as mundialmente famosas, no sector da mobilidade, Cabify ou Bolt, entre outras, e sobretudo a Uber (UberGreen, UberBlack, Uber XL, etc.), ou, no mercado da «distribuição» alimentar, com o surgimento de empresas como a Glovo, e sobretudo a UberEats. Em prol da maximização do lucro, aplicações como estas estão a alastrar-se a outros sectores da economia criando um sem-número de trabalhadores sem qualquer tipo de relação laboral, apoio social, férias, etc., trabalhadores que desconhecem o rosto dos seus patrões e nem sabem onde eles moram, apesar de a origem ser, por enquanto, quase sempre a mesma, os Estados Unidos da América.

De tal forma o fenómeno alastrou que hoje já se fala da «Uberização» do mundo. No entanto, inacreditavelmente, tudo isto aconteceu há bem pouco tempo: o tempo voraz da universalização do smartphone

No início, estas empresas foram ingenuamente encaradas como boas, como o símbolo de um novo tipo de economia, a «economia de partilha», com o seu lindo slogan «o que é meu é teu». Mas rapidamente se percebeu ao que vinham, nomeadamente como utilizam as pessoas de forma abusiva sem que tal seja alvo de grande impedimento legislativo, dado o carácter específico deste tipo de negócios e de empresas, com sedes fora do país onde operam, acordo prévio com os intervenientes e facilidade de acesso. Em pouco mais de dez anos, estas empresas tiveram um forte impacto na desregulação de vastos sectores da economia e da sociedade, ultrapassando quaisquer regras democráticas. Mas, apesar de tudo isso, foram conseguindo o milagre da multiplicação, ou seja, a adesão de cada vez mais gente, quer seja por «necessidade imperiosa» ou por cegueira acrítica, mesmo que isso um dia lhes venha a custar muito caro. 

Se atentarmos nos conteúdos das mensagens de propaganda veiculadas nos sítios electrónicos destas empresas, vemos como a conversa é sempre a mesma, um cinismo encapotado de palavras mágicas, sorrisos e belas imagens de um mundo perfeito, intercultural e multirracial, como o que é apregoado na página oficial da Uber: «Acontecem coisas boas quando as pessoas se movem, seja na cidade ou atrás dos seus sonhos». Ou ainda: «Queremos criar um local de trabalho inclusivo e que reflicta a diversidade das cidades onde operamos, um local onde cada pessoa possa ser ela mesma e onde a autenticidade é celebrada. Ao criarmos um ambiente onde pessoas com origens diferentes podem prosperar, tornamos a Uber uma empresa melhor, tanto para os nossos colaboradores como para os nossos utilizadores».

Igualmente, cidades inteiras estão em acelerada mutação, e quanto mais históricas melhor, graças a um conjunto de aplicações informáticas descarregadas para um qualquer smartphone. Bairros inteiros, outrora com população local, passaram a ser «geridos» por conhecidas plataformas de arrendamento como a Airbnb, transformando casas de habitação em apartamentos para turistas e bastando para tal um clique. Criam-se deste modo graves problemas sociais e urbanos, que, como se sabe, em tempo de crise pandémica se estão a pagar muito caro, porque não há negócio tão volátil como o turismo, apesar de assim não parecer nas palavras dos responsáveis políticos, que preparam já o retorno do turismo pós-Covid.

No mundo digital, porém, a verdade é outra. Por exemplo, na página oficial da Airbnb, o que vamos encontrar? O mesmo mundo perfeito, como na mensagem de boas-vindas do co-fundador desta empresa: «A nossa missão fundamenta-se na ideia de que as pessoas são essencialmente boas e que uma comunidade é um lugar onde se pode sentir em casa.». Ou ainda: «Ganhe dinheiro a levar pessoas nas actividades que adora.» Mas, como disse, a cada nova app corresponde também um mundo de possibilidades de utilização dos dados pessoais de quem as usa, de entradas abusivas nos aparelhos, vigilância camuflada, ciber-ataques, etc.

Apesar de pouco divulgados, de quando em vez vão surgindo alguns «pseudoescândalos», como o que envolveu uma aplicação da Google que, quando era instalada num telemóvel, acoplava automaticamente um microfone. O que fizeram? Pediram desculpa e já está, a história passou perfeitamente despercebida na voragem das notícias.

Mas o que acontece se toda a gente acha mesmo estes sistemas imprescindíveis? Se cada vez mais pessoas aderem, sabendo que não têm direito a quase nada no que diz respeito a segurança?

 

Colonização interna

O smartphone não pode ser compreendido como o abuso de um mundo da visão, como o produto das técnicas de difusão massiva de imagens. Ele é bem mais uma Weltanschauung tornada efectiva, materialmente traduzida. É uma visão do mundo que se objectivou. [5]

5. Desvio (“détournement”) de um excerto de Guy Debord, A Sociedade do Espectáculo, Lisboa, Antígona, 2012, p.10. Ver mais em: https://obeissancemorte.wordpress.com/2018/03/03/la-societe-du-smartphone/.

Uma grande maioria parece negar o problema. Afirma-se que nunca houve tanta liberdade de opinião como hoje; que nunca houve tanto acesso a informação; que nunca houve tanta legislação para garantir a privacidade dos dados pessoais… Mas, como é habitual, todas estas afirmações vão a par e passo com a real perda de tudo isso.

Já não se trata apenas das elites do costume, financeiras, políticas, industriais, que, de forma oportunista, se tornam cada vez mais poderosas; trata-se de todos nós, de um sistema que, assente na cedência e anestesia generalizada, e em brutais paradoxos que a maioria não consegue resolver no mais íntimo do seu ser, avança sem parar, transformando tudo em mercadoria pronta a usar.

O problema não está tanto na falta de conhecimento do assunto, está no facto de um grande número de pessoas, imersas em overdoses de informação, não o apreenderem ou, pior ainda, preferirem ignorá-lo, para não terem que pensar numa questão tão avassaladora. É a afirmação de uma sociedade de «superficiais» tão bem caracterizada por Nicholas Carr, [6] hordas de seres humanos com falta de pensamento estruturado devido ao excesso de dados, com uma desatenção crescente e permanente; e isto não é, segundo Carr, apenas um problema da juventude que já nasceu neste ambiente, é uma cultura global, uma forma de estar que tomou conta de todas as esferas da vida, algo que se vai impondo como uma marca dos nossos tempos mas que se torna castradora pelos efeitos que está a causar no cérebro, como acontece, por exemplo, com o recuo das competências emocionais e cognitivas, tendendo a eliminar a empatia, a capacidade de suportar a solidão e outros problemas que estão cada vez mais a levar a discursos de ódio.

6. Nicholas Carr, Os superficiais: o que a Internet está a fazer aos nossos cérebros, Gradiva, 2012.

Contudo, apesar dos factos à vista de todos, vemo-nos quase sempre perante o mesmo encolher de ombros ou o mesmo argumento: Sim, há problemas, mas nesta questão, como em tantas outras, há o lado bom e o lado mau, o importante é legislar para impor limites e ensinar a usar bem as novas tecnologias…

Não há maior simplismo do que esta resposta, repetida vezes sem conta pelas pessoas em geral e pelos políticos em particular, estes últimos co-responsáveis pelos contratos milionários com empresas de telecomunicações, desde a implantação do sistema 5G à aparentemente inocente operação de mecenato da Huawei, a maior empresa tecnológica chinesa, junto do Teatro Nacional de S. Carlos.

 

O 5G à conquista do mundo

Mesmo antes de se ter declarado a epidemia, uma resolução do conselho de ministros [7] tratava de desenrolar a passadeira vermelha ao maravilhoso mundo digital, neste caso a permissão para a aplicação generalizada da quinta geração de comunicações móveis, designada 5G, mostrando, logo no preâmbulo, ao que vem: «O 5G é um instrumento de desenvolvimento e competitividade da nossa economia, de coesão social e territorial, de melhoria e transformação do nosso modo de vida, de inovação social e da qualidade dos serviços públicos».

7. Diário da Républica, 27, Resolução nº7-A/2020 de 7 de Fevereiro.

O plano já tinha sido preparado pelo ámen da Comissão Europeia, que, do alto do seu firmamento legal, preparou o caminho para uma transformação brutal do nosso mundo com a autorização da entrada do 5G, tudo isto sem referendos, votações democráticas ou sequer um qualquer debate crítico, cingindo-se esta decisão apenas a entediantes polémicas entre operadoras e regulador. A UE afirma no seu plano para a aplicação do 5G que esta será a chave para a Europa competir no mercado global, com resultados esperados de 225 biliões de euros até 2025… [8] Acenando com esta cenoura bem grande, como ripostar? No caso português é visível o impulso dado pelo Governo ao «capitalismo das plataformas electrónicas», apresentando-se Lisboa como um verdadeiro laboratório de ensaio. [9]

8. Ver: https://ec.europa.eu/digital-single-market/em/5g-europe-action-plan.

9. Franco Tomassoni & Giorgio Pirina, “Portugal: um laboratório para a Uber”, Le Monde Diplomatique – Edição Portuguesa, Novembro de 2019.

E é assim que veremos, primeiro as cidades e depois todo o território, serem invadidos por objectos bem identificados de acesso à Internet móvel, emitindo ondas de rádio de frequência mais alta que o habitual, de modo a permitir o aumento do número de dispositivos electrónicos ligados em simultâneo à Internet, bem como uma velocidade de utilização mais rápida. Mas isso só será possível quando as antenas transmissoras forem colocadas em todas as esquinas (segundo estimativas, a cada 250 metros) e bem mais perto do solo. Para além dos efeitos negativos na paisagem urbana, no património histórico e no sector imobiliário (porque haverá pessoas que não quererão estas antenas junto de suas casas), importa sobretudo avaliar os efeitos nocivos para a saúde causados pelo aumento da radiação electromagnética e, já agora, para o meio ambiente, pois isso implica a produção de milhares de antenas e a rápida obsolescência de milhões de telemóveis, do que decorre uma «pegada ecológica» altamente nefasta – mas que não parece ter entrado nos cálculos de ninguém. Neste caso, como em tantos outros, o princípio de precaução, constante de directivas internacionais da área do ambiente e da saúde, deveria ser assumido por todos, cidadãos e Estado.

Uma empresa interessada no negócio apregoa deste modo as maravilhas do 5G: «Consegue-se imaginar a fazer o download de seis filmes em alguns segundos e transmitir ao vivo um vídeo com os seus amigos e colegas – tudo ao mesmo tempo? Isso irá acontecer muito em breve.»

Vejamos, por exemplo, o que a apelidada «Internet das coisas» fará por nós, transformados também em coisas. Nas fábricas, nas demais empresas e nos serviços em geral, o 5G vai aumentar a vigilância, nada escapando ao mandante, que saberá ao segundo como as máquinas e os humanos estão a comportar-se, e qual a solução dada pelo algoritmo para aumentar a produtividade. No campo da energia será permitido o controlo dos produtores e dos consumidores, facilitando a eficácia do sistema, com vista a que seja cada vez mais lucrativo. Na saúde aplica-se o mesmo que nas fábricas, mas facilita-se ainda mais o caminho para a robotização. Nos média e nas indústrias de entretenimento será possível saber a cada momento o que o público deseja, condicionando cada vez mais a produção de notícias, programas e espectáculos segundo aquilo que for mais apelativo e comercial. Na mobilidade, o sistema 5G proporciona a automatização das viaturas, sem necessidade de condutores, bem como a vigilância total das estradas e das ruas, evitando qualquer distúrbio através dos seus dispositivos e das câmaras instaladas.

 

E a China aqui tão perto...

Não existe um sistema de controlo tecnológico absoluto que funcione fora da política. Basta ver onde surgem as maiores novidades: Silicon Valley, a maior coqueluche norte-americana, tem apoios milionários de empresas e do Estado. Do lado do maior concorrente dos EUA neste mercado, a China, as empresas de maior peso tecnológico, a começar pela Huawei (com grande expansão na Europa), são obrigadas a responder aos objectivos de um Estado totalitário híper-avançado na forma como controla os seus cidadãos, com milhares de câmaras instaladas nas ruas para reconhecimento facial, com as quais se encontra interligado um sistema de crédito social (shehui xinyong tixi) baseado numa aplicação de telemóvel que pontua cada cidadão em função do seu comportamento. [10]

10. Há uma interessante reportagem da ABC News sobre o assunto: https://www.youtube.com/watch?v=eViswN602_k.

A tecnologia está hoje no centro da faceta repressiva mais dura do sistema político chinês, sendo a referida aplicação obrigatória. É ela que permite o acesso a uma série de direitos essenciais à vida dos chineses, como o direito a ter um emprego, uma habitação, a poder viajar, etc. Toda e qualquer pessoa que não se encaixe no modelo preconcebido do que é ser um bom cidadão, somando pontos, como, por exemplo, quando lê diariamente no seu telemóvel as notícias divulgadas pelo Governo, passa a estar sujeita a uma série de represálias, podendo mesmo acabar detida. Presume-se que este sistema seja muito mais repressivo nos meios urbanos, pejados de câmaras de vigilância e de consumidores de telemóveis, do que nos meios rurais. Mas desengane-se quem pense que isso está lá longe, que é coisa de chineses, que nunca nos irá atingir tal como aconteceu com a epidemia de SARS-CoV-2. Essa outra epidemia também não vai ficar circunscrita à China; num mundo globalizado, este sistema político já está a dar ideias aos restantes países, mesmo aos ditos democráticos, chegando mesmo, por exemplo, a um pequeno recanto de Portugal: a Câmara Municipal de Cascais anunciou com orgulho, em 14 de Janeiro de 2021, uma aplicação de telemóvel disponível para os seus munícipes e que descreve assim: «APP inovadora, o Citypoints cascais visa promover boas práticas de cidadania e reconhecer os cidadãos, ou super-cidadãos, que contribuem ativamente para a sustentabilidade local.» [11]

11. Informação da autarquia, em https://www.cascais.pt/citypoints.

Como funciona? Para acumularem pontos, os munícipes têm de praticar boas acções, tais como adoptar um animal, dar sangue, fazer acções de voluntariado, etc. E para que servem os pontos? Para usar transportes, ter acesso gratuito a produtos biológicos, bilhetes de espectáculos, «actividades de natureza», etc. Apesar do lado inusitado e pernicioso deste sistema, não se viu até agora ninguém contestar ou discutir o assunto, e ele avança sem temor.

Em Inglaterra, um terço das autarquias já fez contratos milionários com empresas privadas fornecedoras de sistemas informáticos, para que seja possível concretizar um plano de «previsão de necessidades sociais», passando os mais desfavorecidos a receber uma pontuação, de modo a que, segundo as autoridades, seja possível reduzir a criminalidade e diminuir as despesas de saúde. E isso só é possível porque se interligaram os sistemas informáticos da Polícia, da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde, levando, por exemplo, a que só em Bristol 170 mil habitantes tenham os seus dados pessoais permanentemente sob a mira do algoritmo do sistema, [12] que monitoriza cada falha de comportamento do grupo.

12. Courrier International, Janeiro de 2020, p.50.

Países tão diferentes como os EUA ou a Rússia partilham do mesmo jogo tendo, todavia, o primeiro ficado mal visto pela adopção de um sistema de informação, de nome Compas. que, ao que parece, tinha um algoritmo com tendências racistas… [13] Nos domínios de Putin foi aprovado em Setembro de 2019 um projecto-lei para a criação de um sistema único com os dados digitais de todos os russos, dados estes compilados de diferentes bases, sendo completamente opaco até onde essa recolha vai, mas permitindo que isso venha a ser utilizado também para notação de cidadãos. [14]

13. Sobre esta questão, cf: https://www.nytimes.com/2017/10/26/opinion/algorithm-compas-sentencing-bias.html.

14. Courrier International, Janeiro de 2020, p.50.


Estratégia para a inovação...

Hoje, os ministérios, desde o da Educação ao da Ciência, passando, claro está, pelo da Economia, valorizam todos os projectos que tenham incluído «o valor acrescentado» das inovações tecnológicas, porque é preciso fazer andar a máquina do capital. E nesta corrida não cabe saber quem estão «a deixar para trás» por não possuir meios informáticos ou por não querer ter acesso a uma miríade de novas formas de utilizar serviços públicos e outros.

Em 31 de Julho de 2020, já em plena pandemia, o conselho de ministros português aprovou um documento intitulado «Estratégia para a Inovação e Modernização do Estado e da Administração Pública» [15] em que um dos eixos fundamentais é a utilização da tecnologia digital, para que tudo seja mais «ecológico, amigável e transparente», descrevendo-se uma série muito extensa de medidas que fariam corar qualquer pessoa minimamente preocupada com o rumo da Administração Pública vista por este prisma: «O principal desafio deste eixo é utilizar a tecnologia digital para proporcionar aos cidadãos e empresas serviços seguros, acessíveis e sem esforço, facilitando e reduzindo interações.»

15. “Resolução do Conselho de Ministros nº55/2020”, Diário da República, nº 148, 31 de Julho de 2020.

Trata-se de uma estratégia que vai certamente deixar de fora muitos milhares de pessoas, por não se encaixarem no padrão dos serviços propostos: Cloud, Digital Innovation Hubs e outras mil maravilhas do referido diploma, que mais parece o resultado da masturbação em grupo de algum ninho de empresas versadas em novas tecnologias: «A finalidade última da aplicação da tecnologia é proporcionar a melhor experiência possível aos cidadãos e empresas, com serviços transacionais de elevada qualidade, que poupem tempo e encargos aos seus destinatários e sejam fruto de uma colaboração interna entre entidades públicas, orientada por uma visão global e coordenada com foco nos projetos mais significativos para a transformação digital da Administração Pública».

A par de tudo isto, temos assistido a algo que deveria ser tido em conta pela sua gravidade, a constatação seguinte: quanto mais se avança na digitalização dos serviços públicos, mais perigos se correm com a segurança dos dados. Veja-se como hoje as maiores contendas entre Estados passam já por essas questões, como mostram os recentes e muito graves ataques aos sistemas informáticos de controlo do poder nuclear dos EUA, os conflitos entre Israel e o Irão, reclamando o primeiro um suposto ataque ao seu sistema informatizado de controlo de água potável e lançando o segundo uma ofensiva directa ao circuito informatizado da fiscalização de portos. Mas se quisermos observar casos nacionais, veja-se a mal explicada usurpação informática dos dados relativos aos doentes dos Hospitais da CUF, uma das instituições de saúde mais poderosas de Portugal, ou os ataques ao sistema de informação da EDP com um subsequente e muito mal explicado pedido de resgate milionário. Apesar da gravidade de tudo isto, estes casos não tiveram grande eco nos média, e muito menos explicações sobre o que aconteceu depois...

 

O PCP também tem Facebook

Longe vão os tempos em que o Partido Comunista assegurava a sua força na clandestinidade e se destacava na luta contra o imperialismo americano. Agora, como qualquer outra instituição ou pessoa, parece não poder passar sem redes sociais. Parafraseando actuais ditos populares, «quem não as tem, é como se não existisse»…

E é assim que na página oficial do PCP podemos ver, bem alinhados, os ícones das maiores empresas tecnológicas norte-americanas como a Facebook, a Twitter, a Youtube, a Instagram, a Whatsapp, algumas delas acusadas repetidamente de abuso da privacidade dos seus utilizadores, sendo interessante notar que apesar de tudo alguns sindicalistas combativos têm vindo a propor deixarem de utilizar a rede Whatsapp, por ela constituir uma forma eficaz de policiamento.

Mas os paradoxos continuam e, se abrirmos a página Facebook do PCP, surge-nos, por exemplo, um grande cartaz com a figura de Lénine, no âmbito da comemoração dos 150 anos do seu nascimento, com o slogan: «A desigualdade do desenvolvimento económico e político é uma lei absoluta do capitalismo.»

Por trás de cada novidade tecnológica, nos bastidores de cada sacrossanta Web Summit (a maior feira de vaidades tecnológicas de modelo americano, tão festejada em Portugal), [16] há uma visão concreta da sociedade, uma ideologia muito própria, e de nada vale continuar a repisar de forma miseravelmente simplista que «a tecnologia é neutra, o que importa é o uso que dela se faz». Quem acreditar nisso pode também acreditar que Zuckerberg, o magnata da Facebook, com a sua cara de idiota e trejeitos de Peter Pan, é o novo messias que finalmente chegou à Terra para nos salvar a todos, que a tecnologia irá impedir o desastre ambiental em curso ou que contribuirá definitivamente para melhorar a democracia e o bem-estar de todos. É por certo nesse sentido que laboram com tanta eficácia as empresas e os Estados colocando nas mãos de cada ser humano, de cada criança, o tão ambicionado computador, smartphone ou tablet – da Amazónia à Amareleja, passando por Nova Iorque.

16. Ver: Jorge Leandro Rosas, “A Web Summit ou o crescimento no Pós-Mundo”, Flauta de Luz, nº7, 2020, pp.194-195.

No mundo digital que nos cerca e que tudo abarca – trabalho, política, socialização, lazer, cultura, educação, etc. – não existe qualquer possibilidade de regulamentar seriamente o que quer que seja. Quem diz que é possível assegurar a inviolabilidade dos sistemas, ou está louco ou é mais um mentiroso que por aí anda a vender banha da cobra.

 

Tecno-COVID

«Partindo do princípio que a sociedade industrial irá sobreviver, é provável que a tecnologia acabe por inventar qualquer coisa como o controlo total dos comportamentos humanos.» — Theodore Kaczynski, Manifesto do Unabomber, p.152

 

Recentemente, a União Europeia viu-se obrigada, a reboque do Covid-19, a rever o Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD) de 2016. [17] Com isso tentava responder às críticas sobre o que se está a passar com o surgimento maciço de empresas que oferecem aplicações para rastreio e controlo das pessoas infectadas, supostamente a bem da saúde pública, quando o que fazem, de facto, é contribuir para o florescente mercado da recolha de dados pessoais. O RGPD é já em si um monumento à negação da realidade, um documento de 88 páginas com regras que qualquer hacker que se preze saberá como ultrapassar. Enunciam-se logo no ponto 6 as razões e os propósitos deste Regulamento, curiosamente bastante mal escrito e confuso (terá alguém dado por isso?): «A rápida evolução tecnológica e a globalização criaram novos desafios em matéria de proteção de dados pessoais. A recolha e a partilha de dados pessoais registaram um aumento significativo. As novas tecnologias permitem às empresas privadas e às entidades públicas a utilização de dados pessoais numa escala sem precedentes no exercício das suas atividades. As pessoas singulares disponibilizam cada vez mais as suas informações pessoais de uma forma pública e global. As novas tecnologias transformaram a economia e a vida social e deverão contribuir para facilitar a livre circulação de dados pessoais na União e a sua transferência para países terceiros e organizações internacionais, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção dos dados pessoais.»

17. Ver: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32016R0679&from=PT.

Entretanto, apesar de nos prometerem o melhor dos mundos, o ser humano transfigurado em corpo consumidor de novas tecnologias dá sérios sinais de mal-estar, à medida que a sua condição vai supostamente melhorando do ponto de vista material e que o consumo de gadgets electrónicos aumenta. O agravamento do consumo de antidepressivos, a par do aumento de dependências de todos os géneros, onde se inclui o consumo desenfreado de tecnologias digitais (a meu ver, o pior de todos, por não ter distanciamento crítico), são sintomas de uma sociedade global ao mesmo tempo doente e eficazmente apática e alienada. Os grandes e verdadeiros problemas que enfrentamos exigem esforços e decisões, e estes implicam a atenção reforçada a algo que a todo o momento é contrariado pela miríade de solicitações virtuais, oriundas de aparelhos criados e aperfeiçoados para distrair, alienar e controlar.

A primeira revolução industrial criou exércitos de «escravos-proletários», mas estes foram muitas vezes capazes de se rebelarem, alcançando no seio das máquinas uma certa libertação. Regras e normas de protecção social, direito à greve, redução dos horários de trabalho, sistemas de saúde e tantas outras conquistas foram o resultado de inúmeras lutas colectivas em que houve muitos sacrifícios de vidas humanas. Graças a uma espécie de amnésia organizada, tudo isto parece já muito distante, situado num tempo em que o homem se queria ver livre do império da máquina e dos seus detentores. Ora, hoje, neste preciso momento, a máquina parece ter o homem na mão, e o homem, desajuizado, já não parece conseguir separar-se dela, julgando-a mesmo capaz de o salvar da doença e da morte…

Um correspondente da SIC em Israel, Henrique Cymerman, que deveria ter mais responsabilidade no que diz, anunciava com grande contentamento que tinha acabado de instalar uma aplicação no seu telemóvel capaz de «combater o Covid-19», referindo que essa aplicação, de nome Maguen, fora criada, no âmbito do «combate ao terrorismo», pelo Shin Bet (Serviço de Segurança) de Israel, país também conhecido – afirmava, orgulhoso, o referido jornalista – como uma start-up nation…

A crise sanitária em curso era aquilo que faltava para que este mundo distópico de controlo digital se impusesse sem aparentes alternativas. As mais «altas patentes» do sistema político europeu, e não só, afirmam que é necessário, mais do que nunca, contar com as novas tecnologias para nos salvarmos de todos os perigos: contra a «Pandemia Total», nada como o «Controlo Global».

O Covid-19 apresenta-se assim como o grande amigo das tecnologias. Se acreditássemos em bruxas, poderíamos até desconfiar que ele surgiu exactamente para facilitar este que é hoje o negócio mais rentável do planeta.

Em 4 de Agosto de 2020, o Presidente da República promulgou um diploma que permite o rastreio de dados no âmbito do combate ao Covid-19, considerando que muitos portugueses ansiavam por esta lei e por esta aplicação informática. A aplicação Stayaway Covid foi estudada e posta em aplicação por investigadores do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), mas a tecnologia utilizada foi desenvolvida em conjunto com a Google e a Apple norte-americanas.

Através do sistema de comunicação sem fios Bluethooth, os telemóveis reconhecem-se e enviam mensagens a alertar para a presença de alguém infectado, mas, para que isso funcione, é necessário que 60 % da população descarregue a aplicação para o seu smartphone e nele introduza os seus dados. Neste caso, seria conveniente que alguém explicasse porque foi que se gastou tanto dinheiro nesta aplicação, sabendo-se que um tal objectivo é desde logo impossível de alcançar, dado não haver em Portugal 60 % da população com este tipo de telemóveis e, muito menos, que toda a gente queira instalar esse sistema de rastreio. Trata-se pois de mais um negócio que envolve o Governo e a Direcção Geral de Saúde – e dinheiros públicos que vão acabar no lixo, inclusivamente porque a tentativa absurda de tornar esta aplicação obrigatória se gorou.

Que fazer, porém, enquanto subsistir todo este medo? Pelos vistos, nada. Ou melhor, insistir no medo e na dependência. Veja-se o que se passa agora na dita «Cultura à Porta Fechada», que é como quem diz, actividades culturais que por causa do Covid-19 passaram quase todas para a Internet.

Neste novo mundo do absurdo criado pela crise pandémica, em 2020 as Festas da Senhora da Agonia de Viana do Castelo migraram para a Internet, ou seja, para as famosas «redes sociais». E foi assim que uma das maiores festas populares de Portugal adquiriu o estatuto de festa tradicional virtual, onde não faltou romaria, feira de artesanato, procissão e até, pasme-se, fogo-de-artifício! E para coroar tudo isso o cartaz das ditas festas ostentava uma bela moça vestida a preceito, com os seus muitos colares de ouro ao pescoço, mas, desta vez, não a desfilar, mas sentada de olhos postos num computador…

 

 

 

Maria Ramalho

Formada em História pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Arqueologia medieval pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Como investigadora dedica-se sobretudo à Arqueologia da Arquitectura, praticando, no entanto, uma deriva pessoal e apaixonada pelos legados do movimento Letrista e Situacionista, particularmente este último com interessantes ligações a Portugal.

 

Imagens

As fotografias que acompanham o texto foram feitas pela autora.

 

Nota da autora

A autora agradece o trabalho cuidadoso de Júlio Henriques na revisão deste texto. O mesmo artigo será brevemente editado na revista Flauta de Luz nº8, coordenação de Júlio Henriques, distribuição da Editora Antígona. A expressão que dá título ao texto é retirada de Guy Debord, Comentários sobre a sociedade do espectáculo, Lisboa, Antígona, 2021, p.70.

 

Ficha Técnica

Data de publicação: 12.10.2021

Edição #32 • Verão 2021 •