Sobre a contratação
de Assistentes Convidados
É parte do modelo empresarial. É o mesmo que contratar
trabalhadores temporários na indústria ou o que chamamos “colaboradores” no
Walmart, empregados sem benefícios. É parte do modelo empresarial corporativo,
concebido para reduzir os custos laborais e aumentar a subserviência. Quando as
universidades são corporatizadas, como tem acontecido sistematicamente durante
a última geração, como parte do avanço neoliberal generalizado sobre a
população, o seu modelo de negócio significa que o que interessa é o resultado
final.
Os titulares efectivos são os administradores e estes
pretendem manter os custos baixos e assegurar que a mão-de-obra é dócil e
obediente. O meio de garantir tudo isto é, essencialmente, o trabalho
temporário. Do mesmo modo que a contratação temporária proliferou no período
neoliberal, testemunhamos agora o mesmo fenómeno nas universidades.
A ideia é dividir a sociedade em dois grupos. Um deles é
por vezes chamado de “plutonomia” (termo utilizado pelo Citibank quando aconselhava
os seus investidores sobre onde investir), a elite económica, a nível global,
mas concentrada sobretudo em países como os Estados Unidos. O outro grupo, o
resto da população, é o “precariado,” levando uma existência precária.
Por vezes, esta ideia é manifestada abertamente. Quando
Alan Greenspan testemunhava perante o Congresso, em 1997, sobre as maravilhas
da economia que estava a gerir, disse abertamente que uma das bases para o seu
sucesso económico tinha sido a imposição daquilo a que chamava de uma “maior
insegurança laboral” [“Greater worker insecurity”]. O facto de os
trabalhadores estarem inseguros é muito “saudável” para a sociedade, pois,
nessa situação, eles não vão perguntar pelos salários, não vão entrar em greve
ou exigir benefícios; vão servir os mestres de bom grado e passivamente. E isso
é óptimo para a saúde económica das corporações.
Na altura, o comentário de Greenspan foi encarado por
todos como muito razoável, a julgar pela ausência de reacção e pelo grande
aplauso de que desfrutou. Bem, transfira-se isto para as universidades: como é
que se garante uma “maior insegurança laboral”? Crucialmente, não garantido o
emprego, mantendo as pessoas penduradas por um membro que pode ser serrado a
qualquer momento, de modo a que fiquem caladas, recebam salários mínimos e
façam o seu trabalho. E se, por sorte, tiverem a oportunidade de continuar a
servir nessas condições miseráveis por mais um ano, devem aceitar sem pedir
mais. É assim que se mantém as sociedades eficientes e saudáveis numa
perspectiva corporativa. E enquanto as universidades avançam rumo a um modelo
empresarial corporativo, a precariedade é exactamente o que está a ser imposto.
E cada vez mais nos vamos confrontar com isto.
Este é um aspecto, mas há outros aspectos que são também
bastante familiares na indústria privada, nomeadamente, o incremento, em grande
escala, das camadas administrativas e burocráticas. Para controlar as pessoas,
é necessária uma força administrativa que o faça. Então, na indústria dos
Estados Unidos, ainda mais do que noutros sítios, há camadas sobre camadas de
gestão - uma espécie de desperdício económico, mas útil para o controlo e para
a dominação.
E o mesmo é verdadeiro nas universidades. Nos últimos
trinta ou quarenta anos, tem havido um aumento muito agudo na proporção de
administradores em relação ao corpo docente e aos estudantes; os níveis de
docentes e estudantes mantiveram-se razoavelmente estáveis em relação um ao
outro, mas a proporção de administradores aumentou.
Há um livro muito bom sobre isto de um sociólogo
conhecido, Benjamin Ginsberg, chamado “The Fall of the Faculty: The Rise of
the All-Administrative University and Why It Matters”, que descreve em
detalhe o estilo empresarial da administração massiva e os níveis de administração
– e, claro, administradores muito bem pagos. Isto inclui administradores
profissionais como reitores, por exemplo, que antes costumavam ser membros do
corpo docente, que tiravam alguns anos para servir num papel administrativo e
voltavam de novo para o corpo docente; agora, são sobretudo profissionais, que
depois têm de contratar sub-reitores, secretários, e assim por diante, toda uma
proliferação de estrutura que acompanha os administradores. Tudo isto é outro
aspecto do modelo empresarial.
Mas o uso de mão-de-obra barata e vulnerável é uma
prática de negócio tão antiga quanto os primeiros vestígios de iniciativa
privada e os sindicatos surgiram como resposta. Nas universidades, mão-de-obra
barata vulnerável significa pessoal auxiliar e estudantes de licenciatura. Os
estudantes das licenciaturas são ainda mais vulneráveis, por razões óbvias. A
ideia é transferir o ensino para trabalhadores precários, o que melhora a
disciplina e o controlo, mas também permite a transferência de fundos para
outros propósitos que não a educação.
Os custos, claro, são suportados pelos estudantes e pelas
pessoas que estão a ser arrastadas para estas profissões vulneráveis. Mas a
transferência de custos para as pessoas é uma prática padronizada na sociedade
de gestão empresarial. De facto, os economistas cooperam tacitamente nisto. Por
exemplo, suponhamos que encontramos um erro na nossa conta corrente e ligamos
para o banco para tentar corrigi-lo. Sabemos o que acontece: ligamos e recebemos
uma mensagem gravada a dizer: “We love you, here is the menu”. Talvez o
menu tenha aquilo que procura, talvez não tenha. Se porventura encontrarmos a
opção certa, ouviremos uma música e, de vez em quando, uma voz que interfere e
diz “Por favor, espere, apreciamos verdadeiramente a sua consideração” [Please
stand by, we really appreciate your business], e assim por diante.
Finalmente, depois de algum tempo, poderemos ter direito à atenção de um ser
humano, a quem poderemos colocar uma pequena questão. É isto a que os
economistas chamam “eficiência.” Por meio de medidas económicas, este sistema
reduz os custos de mão-de-obra do banco; é claro que ele impõe custos a nós e
esses custos são multiplicados pelo número de usuários, que pode ser enorme –
mas isto não é contabilizado como custo nos cálculos económicos. E se pensarmos
no modo como a sociedade funciona, encontraremos isto em todo o lado.
Assim, a universidade impõe custos aos estudantes e aos
docentes, que não estão apenas inseguros, como também são mantidos num trajecto
que garante que não terão segurança. Tudo isto é perfeitamente natural no seio
de modelos empresariais corporativos. É prejudicial à educação, mas a educação
não é o objectivo.
De facto, se olharmos para o passado, é ainda mais
profundo do que isto. Se voltarmos ao início dos anos 70, quanto tudo isto
começou, havia muita preocupação, que abrangia praticamente todo o espectro
político, com o activismo dos anos 60 – esta é normalmente referida como “a
época dos distúrbios” [the time of troubles], porque o país estava a tornar-se
civilizado, e isso é perigoso. As pessoas tornavam-se politicamente activas e
tentavam conquistar direitos para grupos que são chamados de “interesses
especiais”, como as mulheres, a classe trabalhadora, os agricultores, os jovens,
os velhos e assim por diante. Isto levou a uma séria reacção, manifestada sem
grandes reservas.
No extremo liberal do espectro, há um livro chamado “The
Crisis of Democracy: Report on the Governability of Democracies to the
Trilateral Commission,” Michel Crozier, Samuel P. Huntington, Joji
Watanuki, produzido pela Comissão Trilateral, uma organização de
internacionalistas liberais. A administração de Carter foi quase inteiramente
concebida a partir dos seus pressupostos. Estavam preocupados com aquilo a que
chamavam “a crise de democracia” – a saber, com o excesso de democracia.
Nos anos 60, havia pressões da parte da população, desses
“interesses especiais,” para tentar conquistar direitos dentro da arena
política e isto colocava demasiada pressão sobre o estado. Não se pode fazer
isso. Havia um “interesse especial” que era deixado de fora, nomeadamente, o
sector corporativo, pois os seus interesses são os “interesses nacionais”;
supõe-se que o sector corporativo deve controlar o estado, então nós não
falamos dele. Mas os “interesses especiais” estavam a causar problemas e por
isso eles diziam: “temos de ter mais moderação na democracia,” o público tem de
voltar a ser passivo e apático.
E eles estavam particularmente preocupados com as escolas
e universidades, que consideravam não estar a desempenhar bem a sua tarefa de “doutrinar
a juventude.” Podia ver-se, a partir do activismo estudantil (o movimento dos
direitos civis, o movimento contra a guerra, os movimentos ambientalistas), que
os jovens não estavam a ser devidamente doutrinados.
Então, como doutrinar os jovens? Há muitas maneiras. Uma
delas é sobrecarregá-los com dívidas irremediavelmente pesadas. A dívida é uma
armadilha, especialmente a dívida estudantil, que é enorme, bastante maior do
que a dívida de cartão de crédito. É uma armadilha para o resto da vida porque
as leis são concebidas de modo a que não se possa livrar dela. Se um negócio,
digamos, contrai uma dívida excessiva, ainda pode declarar bancarrota, mas os
indivíduos quase nunca se podem livrar da dívida estudantil por meio da
bancarrota. Eles podem até penhorar a segurança social, se falharmos.
Esta é uma técnica de disciplina.
Não estou a dizer que tenha sido conscientemente
introduzida com este propósito, mas tem certamente este efeito. E é difícil
argumentar que exista alguma base económica para isto. Basta olhar para o resto
do mundo: o ensino superior é geralmente gratuito. Nos países com as maiores
taxas de educação, digamos, na Finlândia, que está sempre no topo, a educação
superior é gratuita. E num país rico, próspero e capitalista como a Alemanha, é
gratuita. No México, um país pobre, que tem padrões de educação bastante
decentes, considerando as dificuldades económicas que enfrenta, é gratuita.
De facto, olhemos para os Estados Unidos: se olharmos
para os anos 40 e 50, o ensino superior era praticamente gratuito. A G.I.
Bill deu educação gratuita a um vasto número de pessoas a quem nunca seria
permitido frequentar a universidade. Foi muito bom para elas e foi muito bom
para a economia e para a sociedade; foi parte das razões que levaram à alta
taxa de crescimento económico. Mesmo nas universidades privadas, a educação era
praticamente gratuita.
Olhe para mim: fui para a universidade em 1945 numa
universidade da Ivy League, Universidade da Pensilvânia, e o valor da propina
era de $100. Isto corresponderia a cerca de $800, nos dólares actuais. E era
muito fácil obter uma bolsa, então podia-se viver em casa, trabalhar, e ir para
a escola e não custava nada. Agora é escandaloso. Tenho netos na universidade,
que têm de pagar as propinas e trabalhar, e é quase impossível. Para os
estudantes – esta é uma técnica de disciplina.
Uma outra técnica de doutrinação consiste em cortar o
contacto entre docentes e estudantes: aulas longas, professores temporários que
são sobrecarregados, que mal podem sobreviver com um salário de professor
auxiliar. E quando não se tem um emprego seguro, não podemos construir uma
carreira, não nos podemos mover e evoluir. Estas são todas técnicas de
disciplina, doutrinação e controlo.
E isto é muito semelhante àquilo que se poderia esperar
numa fábrica, onde se disciplina os trabalhadores, para que sejam obedientes;
não é suposto que eles desempenhem um papel, digamos, na organização da
produção e determinação das funções no local de trabalho – esse é o trabalho da
administração. Agora, isto está a ser transferido para as universidades. E
penso que não deveria surpreender ninguém que já tenha experiência com empresas
privadas, na indústria; é assim que eles trabalham.
Sobre como o Ensino
Superior devia ser
Antes de mais, devíamos pôr de lado qualquer ideia de que
houve, a certa altura, uma “era de ouro.” No passado, as coisas eram diferentes
e, nalguns aspectos, melhores, mas estavam longe de ser perfeitas. Por exemplo,
as universidades tradicionais eram extremamente hierarquizadas, com uma
participação democrática muito escassa na tomada de decisões. Uma parte do
activismo dos anos 60 surgiu como tentativa de democratizar as universidades
para trazer, digamos, representantes estudantis para os comités do corpo
docente e levar os funcionários a participar.
Estes esforços eram levados adiante pela iniciativa
estudantil, com algum grau de sucesso. Muitas universidades têm agora algum
grau de participação estudantil nas decisões de ensino. E penso que é em
direcção a este tipo de coisas que nos devíamos mover: uma instituição
democrática, na qual as pessoas envolvidas, sejam quem forem (docentes,
estudantes, funcionários), participem na determinação da natureza da
instituição e da sua gestão; e o mesmo devia aplicar-se às fábricas.
Estas ideias não são radicais, devo dizer. Elas vêm
directamente do liberalismo clássico. Se lermos, por exemplo, John Stuart Mill,
uma figura principal na tradição liberal, ele tomava por garantido que os
locais de trabalho deviam ser geridos e controlados pelas pessoas que neles trabalhassem
– isto é liberdade e democracia. Encontramos as mesmas ideias nos Estados
Unidos. Se olharmos para os Knights of Labor; um dos seus objectivos
declarados era “estabelecer instituições cooperativas que tendessem a
substituir o sistema salarial pela introdução de um sistema industrial
cooperativo.”
Ou consideremos alguém como John Dewey, um filósofo
social popular no século vinte, que não defendia apenas a educação voltada para
a independência criativa nas escolas, como também o controlo dos trabalhadores
na indústria, ao qual deu o nome de “democracia industrial.” Ele diz que
enquanto as instituições cruciais da sociedade (como produção, comércio,
transporte, meios de comunicação) não estiverem sob controlo democrático, as
“políticas [serão] a sombra dos grandes negócios sobre a sociedade.”
Esta ideia é quase elementar, tem raízes profundas na
história americana e no liberalismo clássico. Devia ser uma segunda natureza da
classe trabalhadora e, do mesmo modo, devia ser aplicada às universidades. Há
algumas decisões numa universidade onde não se quer ter transparência
democrática, porque tem de se preservar a privacidade dos estudantes, digamos,
e há vários tipos de assuntos sensíveis, mas, em grande parte da actividade
normal da universidade, não há razões para que a participação directa não possa
ser, não só legítima, como útil. No meu departamento, por exemplo, durante
quarenta anos, tivemos representantes estudantis a participar activamente nas
reuniões de departamento.
Sobre “governo
partilhado” e gestão operária
A universidade é provavelmente a instituição social na
nossa sociedade que mais se aproxima do controlo democrático pelos
trabalhadores. Dentro de um departamento, por exemplo, é bastante normal, pelo
menos para os docentes, estarem aptos para determinar numa medida substancial
como se desenvolve o seu trabalho: o que vão ensinar, qual vai ser o curriculum.
Muitas das decisões sobre o próprio trabalho dos docentes estão razoavelmente
sob o seu controlo.
Agora, claro, há um maior número de administradores que
não se pode ignorar ou controlar. O corpo docente pode recomendar alguém para o
mandato, digamos, e ser rejeitado pelos reitores, ou pelo presidente, ou mesmo
pelos administradores ou legisladores. Não acontece com muita frequência, mas
pode acontecer, e acontece. E isto é sempre parte de uma estrutura de fundo
que, embora sempre tenha existido, era muito menos problemática quando a
administração se retirava do corpo docente e era, em princípio, revogável.
Sob sistemas representativos, tem de se ter alguém a
desempenhar funções administrativas, mas este pode ser revogado nalgum momento,
sob autoridade das pessoas que administra. Isto acontece cada vez menos. Há
cada vez mais administradores profissionais, camadas sobre camadas deles, com
cada vez mais posições tomadas remotamente, em relação ao corpo docente.
Entretanto, o corpo docente é cada vez mais reduzido a
uma categoria de trabalhadores temporários, a quem se assegura uma existência
precária e sem acesso à titularidade. Tenho conhecidos pessoais que são
efectivamente conferencistas permanentes; não lhes é dado estatuto real de
docente; têm de se candidatar todos os anos de modo a serem designados de novo.
Estas coisas não deviam ser permitidas.
E no caso dos assistentes convidados isto foi
institucionalizado; não se lhes permite participar no aparato da tomada de
decisões e são excluídos da segurança laboral, o que só amplifica o problema.
Penso que os funcionários também deviam ser integrados na tomada de decisões,
uma vez que também são parte da universidade.
Então, há muito a fazer, mas penso que podemos facilmente
compreender a razão do desenvolvimento destas tendências. Elas são parte da
imposição de um modelo empresarial em nada menos do que todos os aspectos da
vida. Esta é a ideologia neoliberal sob a qual a maioria do mundo tem vivido
durante quarenta anos. E vale a pena reparar que duas partes do mundo, pelo
menos, escaparam praticamente do seu domínio, nomeadamente, a Ásia Oriental,
onde nunca a aceitaram realmente, e a América do Sul nos últimos quinze anos.
Sobre a alegada
necessidade de “flexibilidade”
“Flexibilidade” é um termo muito familiar para os
trabalhadores da indústria. Parte do que é chamado “reforma laboral” consiste
em tornar o trabalho mais “flexível,” tornar mais fácil contratar e despedir
pessoas. Isto é, de novo, um modo de assegurar a maximização do lucro e do
controlo. “Flexibilidade” é supostamente uma coisa boa, como “maior insegurança
laboral.” Pondo de lado a indústria, onde o mesmo é verdade, na universidade
não há justificação.
Consideremos um caso em que há inscrições insuficientes
nalgum lado. Não se trata de um grande problema. Uma das minhas filhas ensina
numa universidade; ela telefonou-me há umas noites e disse-me que a sua
actividade lectiva estava a ser transferida porque um dos cursos oferecidos não
tinha inscrições suficientes. Pronto, o mundo não acabou, adaptaram simplesmente
o regime de ensino – ensina-se num curso diferente, numa secção extra, ou algo
assim. As pessoas não têm de ser descartadas, ou ficar inseguras, devido à variação
do número de estudantes inscritos nos cursos. Há todo o tipo de meios para
ajustar o regime a essa variação.
A ideia de que o trabalho deve corresponder às condições
de “flexibilidade” é apenas outra técnica normalizada de controlo e dominação. Porque
não descartar os administradores quando não há nada para fazerem durante um
semestre: porque razão é que eles têm de estar ali? A situação é a mesma para
os quadros superiores na indústria: se o trabalho tem de ser flexível, porque
não a administração? Muitos deles são bastante inúteis, ou até prejudiciais,
então livremo-nos deles.
E podemos continuar por aqui. Olhando para as notícias
dos últimos dias, considere-se, por exemplo, Jamie Dimon, o CEO do banco JP
Morgan Chase: ele acabou de obter um aumento bastante substancial, quase dobrou
o seu salário, como mostra de gratidão por ter salvo o banco de acusações
criminais que teriam enviado a administração para a cadeia; conseguiu escapar
apenas com $20 biliões em multas por actividades criminosas. Bem, posso
imaginar que descartar alguém assim poderia ser útil para a economia. Mas não é
a isto que as pessoas se referem quando falam de “reforma laboral.” São os trabalhadores
que têm de sofrer e têm de sofrer pela insegurança, por não saber de onde virá
o pedaço de pão de amanhã e, portanto, têm de ser disciplinados e obedientes e
não devem levantar questões ou perguntar pelos seus direitos.
É este o modo como operam os sistemas tirânicos. E o
mundo do negócio é um sistema tirânico. Quando é imposto nas universidades, percebemos
que reflecte as mesmas ideias. Isto não devia ser nenhum segredo.
Sobre o propósito
do ensino
Estes são debates que remontam ao Iluminismo, quando os
problemas do ensino superior e ensino de massas estavam realmente a ser
colocados, não apenas a educação para o clero e a aristocracia. Eram discutidos
com um imaginário bastante evocativo. Uma imagem da educação era a de que devia
ser como um receptáculo cheio, digamos, com água. Tratava-se daquilo a que hoje
chamamos “ensinar para o teste”: verte-se a água sobre o receptáculo, e o
receptáculo devolve a água. Mas é um receptáculo muito permeável, como todos
nós, que passamos pela escola, experienciamos, já que memorizamos algo em que
não temos qualquer interesse, de modo a passar no exame, e uma semana depois já
esquecemos tudo. O modelo do receptáculo chama-se hoje “nenhuma criança fica
para trás” [no children left behind], “corrida para o topo” [race to
the top], ou outro nome qualquer, e o mesmo nas universidades. Os
pensadores iluministas opunham-se a este modelo.
Outro modelo foi descrito como o estabelecimento de um
fio através do qual o estudante progride à sua maneira, segundo a sua própria
iniciativa, talvez movendo o fio, decidindo ir a outro lado, ou levantando
questões. Estabelecer o fio significa impor um certo grau de estrutura. Então,
um programa de ensino, seja ele qual for, um curso de física ou algo do género,
não será simplesmente um “vale tudo”; tem uma certa estrutura. Estes são
modelos de ensino bastante distintos. O ideal iluminista era o segundo, e eu
penso que é esse que devemos procurar. É essa a verdadeira educação, desde o
jardim de infância à pós-graduação.
Sobre o amor pelo
ensino
Queremos certamente que as pessoas, tanto docentes como
estudantes, estejam envolvidas em actividades satisfatórias, agradáveis,
desafiantes, excitantes – e não acho, realmente, que isso seja difícil. Até as
crianças pequenas são criativas, curiosas, querem saber coisas, entender as
coisas e, a não ser que isto seja arrancado à força da nossa mente, permanece
connosco para o resto da vida. Se temos a oportunidade de prosseguir com estes
compromissos e preocupações, é uma das coisas mais gratificantes na vida.
Isto é tão verdadeiro para um físico investigador, como
para um carpinteiro; tenta-se criar algo de valor, lidando com um problema
difícil e resolvendo-o. Penso que é isto que transforma um trabalho no tipo de
coisa que queremos fazer; trabalhamos mesmo que não precisemos. Numa
universidade que funcione razoavelmente, vê-se pessoas que trabalham o tempo
todo, porque gostam do seu trabalho; é isso que elas querem fazer; é-lhes dada
a oportunidade, têm os recursos, são encorajadas a ser livres, independentes e
criativas – o que há melhor do que isto?
É isto que elas gostam de fazer. E isto, de novo, pode ser feito em qualquer
fase do ensino.
Vale a pena pensar sobre alguns dos programas
imaginativos e criativos, de ensino, que estão a ser desenvolvidos a vários
níveis. Por exemplo, alguém me descreveu, no outro dia, um programa que estão a
aplicar no ensino secundário, um programa de ciências onde se coloca aos
estudantes uma questão interessante: “Como pode um mosquito voar sob a chuva?”
Esta é uma questão difícil, se pensarmos bem. Se algo
atingisse um ser-humano com a força que uma gota de chuva atinge um mosquito,
esmagá-lo-ia de imediato. Então, como é que o mosquito não é instantaneamente
esmagado? E como pode continuar a voar? Se prosseguirmos com esta questão podemo-nos
confrontar com questões matemáticas, físicas, e biológicas, questões
suficientemente desafiantes para que queiramos encontrar uma resposta.
É assim que devia ser a educação em todas as fases, até
ao jardim de infância, literalmente. Há programas de jardim de infância nos
quais, digamos, a cada criança é dada uma colecção de pequenos itens: pedras,
conchas, sementes e coisas assim. Então, propõe-se à turma a tarefa de
descobrir quais são as sementes. Começa com o que eles chamam de “conferência
científica”: as crianças conversam entre si e tentam descobrir quais são as
sementes. E, claro, há alguma orientação do professor, mas a ideia é fazer com
que as crianças pensem.
Depois de algum tempo, fazem-se vários experimentos e
descobrem-se quais são as sementes. Nessa fase, cada criança recebe uma lupa e,
com a ajuda do professor, perfura a semente, observa o seu interior, e encontra
o embrião que a faz crescer. Estas crianças aprendem realmente, não apenas algo
sobre as sementes e o que faz com que as coisas cresçam; mas também sobre como
descobrir. Aprendem o prazer da descoberta e da criação, e é isso que
impulsiona a sua independência, fora da sala de aula e fora do curso.
O mesmo se aplica a todo o ensino, até à pós-graduação.
Numa pós-graduação razoável, não esperamos que os estudantes copiem e repitam o
que dizemos; esperamos que eles nos digam quando estamos errados, ou que
proponham novas ideias, para desafiar, para seguir caminhos que ainda não
tenham sido pensados. É este o verdadeiro ensino a qualquer nível, e é isto que
devia ser encorajado. Devia ser este o propósito do ensino. Não é despejar
informação na cabeça de alguém que depois a esvazia, mas permitir que essa
pessoa se torne criativa, independente, que possa encontrar entusiasmo na
descoberta, criação e criatividade, seja qual for o nível ou domínio para onde
os seus interesses a transportem.
Conselhos para a
organização de um sindicato pelos Assistentes Convidados
Vocês sabem melhor do que eu o que tem de ser feito, o
tipo de problema que enfrentam. Apenas sigam em frente e façam o que tem de ser
feito. Não se sintam intimidados, não se assustem e reconheçam que o futuro
pode estar nas vossas mãos se estiverem dispostos a compreendê-lo.
•
Noam
Chomsky
Professor emérito de linguística no Massachusetts
Institute of Technology.
Nota da
edição
O que se segue é uma transcrição editada (preparada por
Robin J. Sowards) de observações feitas por Noam Chomsky, em 2014, numa reunião
de membros e aliados da Adjunct Faculty Association of the United
Steelworkers em Pittsburgh, Pensilvânia. Tradução para português por Paulo
Ávila. O original em inglês pode ser lido em Jacobin,
com o título “The Death of American Universities”. No sentido de expor a
dimensão do problema que Chomsky trata e que não se limita ao caso
americano optou-se pelo título “A Morte das Universidades”.
Ficha
Técnica
Data de publicação: 02.10.2018
Etiqueta: Pensamento
\ Crítica