Há
muito que a Fundação de Serralves se converteu num pólo de indústrias criativas
e empreendedoras que, por acaso, também tem um Museu de Arte Contemporânea
(basta estar atento ao rol de eventos e iniciativas e ao modo como a Fundação
tem dinamizado a sua estratégia de comunicação e marketing nos últimos anos). Serralves exprime o estado actual da
generalidade das instituições ligadas à arte e à cultura. O Museu é, hoje, uma
empresa e a sua «nobre missão» é vender produtos (neste caso, obras de arte) de
acordo com os protocolos e as exigências pré-definidas pelo mercado (e pelos
mecenas). A missão cultural é, simplesmente, a forma de legitimar uma operação
puramente económica.
O museu
vive da noção fantasmagórica de um «público» que ninguém sabe bem o que é, mas
que é apenas uma fórmula para fazer de todo o utilizador um «consumidor». O
melhor exemplo é, ainda, a exposição sobre o Processo SAAL, que neutralizou a
potência política de uma das experiências mais radicais da democracia
portuguesa à custa da sua extrema estetização.
É
apenas porque a obra (de arte) está reduzida à sua condição de mercadoria e o
espectador à condição de consumidor estúpido-passivo, que se coloca o problema
do grau de pornografia das fotografias de Robert Mapplethorpe. Neste sentido, o
alegado acto de censura é o menos grave e o mais desinteressante de tudo aquilo
a que assistimos nos últimos anos em Serralves. Mas é, também, o acto que torna
mais evidente a progressiva falência de toda uma ideia de instituições de e
para a arte (com a qual se continua a sonhar inocentemente). Não se trata de
demitir a actual administradora, mas de demitir, de uma vez por todas, uma
determinada imagem de modelo de
instituição que morreu às mãos do neoliberalismo e avançar para a invenção
e para a exigência de um outro modelo, de uma outra instituição.
Mais do que uma questão
de súbito «puritanismo moral» ou de «conservadorismo social» do Museu (isto
seria passar ao lado do amplo processo de banalização social da pornografia nas
últimas décadas e, simultaneamente, sublimar a experiência artística do shock), o que está em causa é toda uma nova
Economia Moral do Museu na era da sua neoliberalização, isto é, no processo da
sua financeirização. Não é, pois, coincidência que perante as mesmas imagens de
Mapplethorpe, essa outra instituição que é o Facebook exerça igualmente o seu direito
de censura. Como não podia deixar de ser, o princípio regulador é o mesmo, o
código automatizado e abstracto do algoritmo. Nesse reino sans rêve e sans merci dessa nova economia moral, «espectador» e «obra»,
reduzidos à sua extrema nudez (e extremo abandono), não são mais que as variáveis
sem qualidades de uma equação
algorítmica, cuja “maravilhosa” operação alquimista consiste, precisamente, na
conversão instantânea e permanente de ambos em puros activos financeiros.
•
Pedro Levi Bismarck
Editor
do Jornal Punkto. Arquitecto, investigador no CEAU e assistente convidado na
FAUP.
Imagem
Via Serralves
Ficha Técnica
Data
de publicação: 26.09.2018
Etiqueta:
artes
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