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Herdernstrasse 72
Diogo Seixas Lopes
O
último número publicado do Punkto dedicado à “Nostalgia” (Maio 2013) teve como
colaborador, mas também como amigo fiel Diogo Seixas Lopes. Na circunstância deste
seu desaparecimento demasiado cedo, não podíamos não voltar a publicar o artigo
que o Diogo nos escreveu à época, final de 2011, como uma carta que se envia
não de um lugar para outro, mas de um tempo para outro. De um tempo-presente
para um tempo ainda por vir. A carta: promessa do que ainda há-de vir. A carta
como lugar, texto e pretexto para escapar à pulsão eterna e terrível dessa terra
humana, demasiado humana que dá pelo
nome de nostalgia – terra não apenas de ruínas, mas de todas as sementes. Fazer
da nostalgia um poema. E do poema uma invenção para a vida. Só podemos dizer
com Jorge Luis Borges: “Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e
que essas perdas são agora o que é meu. Sei que perdi o amarelo e o negro e
penso nessas impossíveis cores como não pensam os que vêem. O meu pai morreu e
está sempre ao meu lado. Quando quero escandir versos de Swinburne, faço-o,
dizem-me, com a voz dele. Só o que morreu é nosso, só é nosso o que perdemos”.
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A
nostalgia, que durante muito tempo e ainda hoje muitas pessoas chamam doença do
país, caracteriza-se pela necessidade
imperiosa daqueles que a sentem de voltar ao seu país e rever os locais da sua
infância; ou seja, pela necessidade urgente de reencontrar o seu primeiro
domicílio. Quando impedidos de o fazer, são atormentados pelo desgosto, insónias,
falta de apetite e outros sintomas graves.
─ Philippe
Pinel, “Nostalgie” Médecine, Encyclopédie Méthodique
De acordo com esta definição, todos podem sofrer de nostalgia.
Dos animais ao homem selvagem e deste ao homem civilizado. Assim, o veado volta
de imediato ao seu abrigo quando consegue fugir dos caçadores que o perseguem.
O mesmo acontece com o habitante das montanhas, depois de abandonar a sua
cabana na neve à procura de trabalho em lugares distantes para vencer a fome.
Ou ainda com o habitante das cidades, depois de partir em busca de fortuna
noutros hemisférios. Se o seu regresso tarda em acontecer, ele padece de
tristeza e tédio por entre as riquezas que encontrou.
Durante o Renascimento, muitos mercenários helvéticos a soldo de
outros exércitos desertavam para voltar ao seu país. Em campanha nas planícies
de Itália ou França, só pensavam nas cordilheiras dos Alpes. Esse sentimento
passou a ser chamado de nostalgia. Hoje, grande parte dela está reunida na
Suíça, onde emigrantes do mundo inteiro procuram uma oportunidade de vida. Para
compensar a ausência da pátria, resta o folclore e símbolos como a bandeira. Num
Inverno em Zurique, ela lembrava o que tinha ficado para trás:
A bandeira encontra-se
hasteada numa cabana de madeira construída num Schrebergarten, um pequeno terreno que um português
arrenda ao município para plantar hortaliças. De alguma maneira, e apesar do
céu cinzento e da chuva, uma sugestão tropical preenche o espaço entre o pau da
bandeira e a janela, como sempre quando o Norte se encontra com o Sul. Os
trópicos existem na imaginação europeia como utopia, ou, pelo menos, como ponto
quente. E ao mesmo tempo – pelo menos desde Lévi-Strauss – como local de
“tristeza”.
Ákos
Moravánszky, “A cidade do sul cativo. Álvaro Siza, Peter Märkli e Eduardo Souto
de Moura no Campus Novartis” in Falemos de Casas: entre o Norte e o Sul,
Lisboa, Athena, 2010, p. 261.
A arquitectura
portuguesa encontrou um reduto neste local, ainda que por conta doutrem. Quando
até as mais altas patentes exortam ao exílio, restam as recordações dos
assalariados em terra estrangeira. Mas esta longa noite que cai sobre a
profissão, reduzida a exportar mão-de-obra, esconde outras alvoradas. Elas
passam por recusar a nostalgia de um ideal perdido, para começar de novo. Saudades,
só daquilo que ainda está para vir.
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Notas
da edição
Este texto foi publicado
originalmente no número 3 da Revista Punkto “Nostalgia” (Maio 2013). As
fotografias publicadas são do autor do texto.
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Diogo
Seixas Lopes
Lisboa, 1972-2016. Arquitecto formado pela FAUTL.
Doutorado na ETH de Zurique com uma tese de doutoramento sobre Aldo Rossi,
publicada em livro, em 2015, pela Park Books
sob o título “Melancholy and Architecture. On Aldo Rossi”. Foi professor
Auxiliar Convidado no Departamento de Arquitectura da FCTUC. Foi director da
revista Prototypo e do Jornal Arquitectos com André Tavares, com quem
partilharia a curadoria da próxima edição da Trienal de Lisboa. Trabalhava como
arquitecto em parceria com Patrícia Barbas, responsáveis entre outras obras
pela recuperação do Teatro Thalia.
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Ficha
técnica
Data de publicação: 24 de Fevereiro 2016
Etiqueta: Arquitectura \ Espaços