BLACK ARCHIVE
Quintas-Feiras Negras | Arquitectura e destruição
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Sessão #04 | Implosões
Jorge Figueira
José Bártolo
Cooperativa Gesto | 27.10.2011
“A arquitectura moderna morreu em St. Louis, Missouri a
15 de Julho de 1972 às 15h32m, quando o infame complexo de Pruit-Igoe, ou
antes, alguns dos seus blocos de cimento, tiveram o seu golpe final dado pelo
dinamite”
Charles Jencks
Arquivo (vídeos)
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“A paisagem moderna não-mencionada”
No contexto da demolição
de Pruitt-Igoe, teóricos e críticos começaram a construir um mítico
Pruitt-Igoe, somado ao anúncio feito por Charles Jencks em 1977 da destruição
da segunda torre como símbolo da morte da Arquitectura Moderna.
A ideia de um grande
bairro residencial em St. Louis começa em 1937 com a criação do Federal Housing Act, e com os primeiros
subsídios para a habitação local. Mas este só foi efectivamente desenvolvido a
partir de 1949, quando ficaram disponíveis fundos para expropriações,
terraplanagens e para a construção. O objectivo deste bairro, era sobretudo
melhorar as condições de vida centro de St. Louis e regular a intensa e
desordenada expansão suburbana.
Em 1950, a Autoridade
Federal para a Habitação Pública deu luz verde para a construção de 5.800
unidades e encarregou Hellmuth, Yamasaki & Leinweber para desenhar
Pruitt-Igoe. Mas desde o início do projecto foram impostas inúmeras condições e
restrições, desde o sítio, à localização, ao número de unidades e à densidade
prevista, e foi mesmo estipulado o esquema final de 33 edifícios modelares de
11 pisos. A partir daqui, mito e história andam juntos. Muitos pormenores do
projecto foram concebidos dentro de uma intensa pressão para economizar: poucos
elevadores e nenhuma manutenção levaram a um uso frequente das escadas; parques
infantis não foram construídos por serem demasiado dispendiosos, etc…
Para além disso, Pruitt e
Igoe estavam racialmente separados desde o início: brancos viviam nos ‘Igoe
Apartments’ e os Afro-Americanos viviam nas ‘Pruitt Homes’. Mas em 1954, quando
a segregação nas instalações públicas terminou por ordem do Supremo Tribunal,
os residentes já vivam em segregação no ainda incompleto Pruitt e Igoe homes. E
quando a ‘St.Louis Housing Authority’ levantou as restrições raciais. A maioria
dos brancos mudou-se.
As ‘Pruitt Homes’ foram
completadas a 1 Setembro de 1955 e os ‘Igoe Apartments’ completados a 26 de
Fevereiro de 1956. E os dois projectos foram reunidos como Pruitt-Igoe. Em 1957
a ocupação era de 91%, valor que foi decrescendo ao longo dos anos. Em 1958,
muitos residentes escolheram mudar para habitações privadas de baixo custo em
vez de habitação social. Simultaneamente, vandalismo, violência e instabilidade
fiscal agravaram-se e impediram todos esforços de salvar Pruitt-Igoe. E apesar
de várias garantias federais, as taxas de ocupação continuaram a decair
enquanto os índices de criminalidade subiam. Ao mesmo tempo, a manutenção e a
gestão foram completamente negligenciadas. O ano de 1969 marca um conflito
entre a “Housing Authority” e os inquilinos de Pruitt-Igoe, que se juntaram
numa massiva greve às rendas que durou 9 meses, e que juntou igualmente outros
residentes de bairros sociais de St.Louis.
A 16 de Março de 1972, os
inquilinos que ainda estavam em Pruitt-Igoe foram colocados em 11 edifícios, e
uma experiência com vista a catalisar o bairro implodiu um dos edifícios mesmo
no centro do projecto. Um mês mais tarde a 21 de Abril de 1972, um segundo
edifício foi demolido, gerando essa imagem icónica usada por todos os jornais e
televisões americanos. Por fim, em 1973, foram realojados todos os outros
inquilinos, cerca de 800 dos iniciais 15.000, e foi demolido todo o complexo.
Salvou-se apenas a escola e uma subestação eléctrica.
Por essa altura, o mito
Pruitt-Igoe estava firmemente estabelecido. E entregava toda a culpa aos
arquitectos, ignorando os problemas sociais e económicos que contribuíram para
o falhanço do projecto. A redução de Pruitt-Igoe a uma questão de simples
qualidade arquitectónica, não reconheceu a total indiferença social
relativamente à pobreza dos negros do centro de St. Louis, e sobretudo, o mito
elevou Pruitt-Igoe a um estatuto de símbolo retroactivo do modernismo, e que
nunca verdadeiramente teve aquando da sua construção. Assim, faltando todo o
contexto histórico, ignorando a discriminação racial e a crise económica,
desprezando o papel das autoridades e agências de habitação e inflacionando o
papel do arquitecto a de um engenheiro social, o mito efectivamente encerrou o
sítio num vazio, congelando-o no tempo e fazendo com que se tornasse difícil e
impossível a intervenção de qualquer arquitecto. Fora desta narrativa estão
também as vidas dos próprios residentes: muitos deles nunca viveram e nunca
viverão em casas tão decentes como as que tinha em Pruitt-Igoe. A verdade é que
Pruitt-Igoe é tão amado como odiado entre os seus antigos habitantes.
Hoje Pruitt-Igoe é uma
densa floresta urbana!
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Texto traduzido
a partir de “Pruitt Igoe Now: The Unmentioned Modern Landscape”
Pruitt-Igoe, St. Louis. Implosão e Vista geral do complexo. Imagens via Pruitt-Igoe Now |