O ACASO | EDITORIAL


Editorial

De Mallarmé aprendemos a ler o vazio das palavras, de Duchamp aprendemos a interrogar a arte, de John Cage a escutar o silêncio da música, e de Siza que para ver é preciso tocar o imperceptível. § A obra não se faz a partir de um sentido único e universal mas faz-se na medida em que se entrega ao espectador: provocando-o, questionando-o, possuindo-o. § A obra de arte é um agenciamento incessante e imprevisível de outros significados, sentidos, interpretações. É um acaso. E o acaso é o espaço da interpretação, da experiência, da comunicação que se abre entre nós e a obra. § O acaso não é aquilo que é sem sentido ou fortuito mas é o que possibilita que nada esteja à partida destinado. É a imprevisibilidade, a imponderabilidade: é a própria vida. §  O acaso é o espaço vazio que nos é dado para podermos ser livres, o espaço nunca predefinido onde somos nós entregues à experiência de podermos ser nós próprios, falhando, falhando de novo, falhando sempre. § A arquitectura é a experiência do acaso, isto é a experiência da vida, da construção inconstante de uma rotina nunca predefinida. Os desenhos e as imagens acabadas ficam no arquivo, lá fora a vida continua, a arquitectura ganha vida, enfeitiça-se, sacraliza-se e profana-se, desaparece e renasce. § A natureza indeterminável da arquitectura não é a sua imperfeição mas a sua grande possibilidade: que esta na paisagem ausente do quotidiano seja capaz de provocar o imprevisível, de nos interrogar, rasgar o véu do saber e trazer sempre algo novo, impossível e belo. § Que haja sempre uma hipótese de fugir ao que estamos fatalmente destinados é esse o sentido da palavra acaso.

PUNKTO 1 | O ACASO | NOVEMBRO 2010

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GODOFREDO PEREIRA

MIGUEL LEAL

PEDRO LEVI BISMARCK

ATELIER DA BOUÇA

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