MORE TACTICS, LESS PLANNING?

Quando os convidados se tornam anfitrião / Porto. Práticas Urbanas em exposição na Culturgest

 - proposta do colectivo Freee. Slogans no espaço público -
Cidade, hospitalidade e espaço público
Está na Culturgest do Porto, até ao próximo dia 16 de Outubro, a exposição «Quando os convidados se tornam anfitrião/Porto: Estratégias artísticas para encontrar hospitalidade no espaço público». Partindo da contribuição de três colectivos independentes de artistas/arquitectos (Supersudaca, WochenKlausur e Freee) procura-se interrogar e ensaiar novas formas de hospitalidade na concretização do espaço público. Neste caso especifico, o território em experimentação é a própria cidade do Porto, onde os três colectivos instalaram os seus ateliers durante o mês de Julho, produzindo propostas concretas que focaram de forma geral três âmbitos não totalmente distintos: o problema da identidade na transformação acelerada das cidades (Supersudaca); o problema do processo da reabilitação, ou melhor, da reabilitação enquanto processo participativo (WochenKlausur); e o problema da relação habitante – cidade, através do espaço público (Freee).

Não valerá a pena tecer grandes comentários sobre os resultados concretos das propostas ou da sua qualidade, mas reconhecer que em todas elas o que esteve em causa foi sobretudo o modo diferente de interrogar as margens dessa relação débil entre habitante e espaço urbano, procurando trabalhar outras formas de participação pública e colectiva na construção da cidade. Este sim, o ponto essencial do debate e das estratégias urbanas que percorrem toda a Europa nos últimos anos. Mas se a questão da reabilitação urbana dos centros históricos é um problema ultrapassado na maior parte das cidades europeias, virando-se agora o debate para a qualidade da produção do espaço público em tempos neo-liberais; no Porto as duas questões sobrepõem-se, o que possibilita, antes de tudo, uma oportunidade única de intervenção. Mas os ventos (e os eventos) não são animadores, o processo reabilitação em curso (also known as PREC) é um projecto de natureza meramente comercial e económica, baseado em critérios de especulação imobiliária, em detrimento de valores arquitectónicos, paisagísticos, patrimoniais, etc…A reabilitação urbana não é um tema consensual, nem politicamente nem academicamente, mas a profundidade da ferida exige debate e exige, sobretudo, conhecimento e especialistas formados e informados sobre um conjunto muito vasto de estratégias de desenvolvimento.
- ECObox, Urban Tactics, Paris - 
Projecto como táctica
Ora, talvez não parecendo, esta pequena exposição no edifício 104 da Avenida dos Aliados, desvela precisamente essa ferida, não apenas ao interrogar novas formas na hospitalidade do espaço urbano, mas sobretudo, porque o faz, interrogando quem são os agentes criativos e produtores dessa hospitalidade. Isto é, quem são afinal os especialistas dessa hospitalidade, desse processo de pensar o urbano e a cidade? A pergunta é muito mais pertinente do que se possa pensar, sobretudo, após décadas de programas e projectos intensivos e gerais que na maior parte das vezes produziram não mais que os efeitos opostos aos desejados. Porque, se por um lado, há um conjunto de agentes que há muito reclamou e ocupou essa cadeira, por outro, a incursão da arte pela esfera do espaço público já não é apenas decorativa ou meramente provocatória, mas tem reclamado um pensamento e um modus operandi próprio. Não é por acaso, que o projecto dos WochenKlausur, um colectivo de artistas austríacos (sublinhe-se artistas), vise precisamente a própria reabilitação de um edifício no centro do Porto, procurando ensaiar formas de participação activa da comunidade estudantil nesse processo. Tal como fazem, do mesmo modo, Doina Petrescu e Constantin Petcou, arquitectos do colectivo Urban Tactics, que procuram através da construção de pequenos equipamentos públicos potenciar estratégias de aproximação entre habitantes - provocando lugares de comunicação comuns e colectivos, lugares de partilha e de encontro (ver nomeadamente os projectos 56/Eco-interstice e ECObox).
Para os Urban Tactics, precisamente, essa ideia de táctica já não é apenas um modo subversivo e provocador de guerrilha urbana, mas um modo eficaz de trabalhar sobre as diferentes escalas da cidade. Se por um lado, permite mais liberdade na acção, focando-se mais no próprio processo/participação, do que numa planificação desenhada de efeitos e de consequências previstas, por outro, permite maior adaptabilidade, trabalhando em escalas pequenas, mas que do ponto de vista da comunidade local são muito mais eficazes. Ao contrário dos planos intensivos, a táctica é aberta, é múltipla, adapta-se mais rapidamente à entropia constante da cidade, produzindo o máximo de efeitos com os mais pequenos gestos, procurando constantemente ensaiar novas formas de concretizar/experimentar o espaço público. Veja-se o projecto Cuisine Urbaine, onde meras bicicletas são transformadas em dispositivos móveis de cozinha, aptos a cruzarem e a fixarem-se rapidamente em qualquer ponto do bairro berlinense de Kreuzberg.


Da cidade ao urbano
A capacidade interrogativa, provocadora e ensaística dessas práticas artísticas tem sido, assim, essencial no desenho de uma nova aproximação ao espaço urbano. Fazendo da arquitectura, enquanto disciplina artística, um veículo essencial de intervenção na cidade. Porque, para além, das pesadas estruturas académicas e públicas (como as Sociedades de Reabilitação Urbana) são estes pequenos colectivos artísticos e arquitectónicos que se têm afirmado como os novos agentes, os novos hosts, capazes de pensar e problematizar a cidade mas também o urbano. Porque, como dizia Manuel Delgado numa já antiga Quaderns é essencial, antes de mais, compreender que uma coisa é a cidade outra é o urbano, isto é, uma coisa é a estrutura, a geometria, outra os fluxos, a vida que ai transcorre livre, quase imprevisível.

- Cuisine Urbain, Urban Tactics, Berlim - 
Quem são os agentes criativos da cidade?
Hoje que, cada vez mais, somos reféns da investida avassaladora das metodologias científicas como forma única de pensar e actuar sobre o real, é nos argumentos das práticas artísticas (e arquitectónicas) que encontramos um modo essencial de pensar/actuar no espaço urbano. Sobretudo, porque é o seu sentido experimentador/problematizador que lhe confere essa capacidade de articular a cidade simultaneamente com o urbano, ao invés de outras práticas puramente objectuais com procedimentos meramente formais e extraordinariamente rígidos. É isso precisamente que nos mostram as variadas discussões e experiências destes três colectivos aqui presentes: uma nova abordagem, privilegiando mais a táctica e menos o projecto, mais livre, adaptável, ensaística e problematizante e menos rígida, pesada e formal.
Por isso, esta exposição é talvez muito mais radical do que poderíamos à partida pensar. E é fruto de um discurso que passa também pelo trabalho extraordinariamente interessante de Petcou e Petrescu. Ela interroga as margens tradicionais entre o público e o privado, resgatando a cidade como construção colectiva de um comum; ensaia novos modos de relacionar habitantes e cidade; e assume a necessidade de pensar o urbano e a cidade simultaneamente. Coloca as práticas artísticas num outro âmbito de acção, interrogando activamente o processo tradicional de intervenção no centro da cidade, mas acima de tudo, deixa suspensa no ar essa questão fundamental: quem são hoje, afinal, os verdadeiros agentes e especialistas capazes de pensar e intervir nas cidades? As pesadas e inoperantes instituições com os seus processos tradicionais ou esses pequenos colectivos de artistas e arquitectos que assim se movem livremente/activamente pela cidade? Nunca como nestes últimos dias de verão foi tão profunda e abismal a distância entre este número 104 da Avenida dos Aliados e o edifício da Câmara Municipal. Nunca como hoje foi tão profunda e abismal essa distância entre o passado e o futuro. O que fomos? O que podemos ser?

Terrível, a primeira chegada a um porto. Parece que se atraca num país de engenheiros. Ah, mas o mundo é isto deveras? E é preciso refazer a nossa vida? Avança-se com mal-estar. Ah! Eis, finalmente, jardins, livrarias, casas onde não se faz nada. Pode-se respirar.
Henri Michaux, Equador

PEDRO LEVI BISMARCK
MAO - ARCHITECTURE AND URBAN PRACTICES