Terra prometida: a habitação da mercantilização à cooperação (2) • Aureli, Ma, Michelotto, Tattara & Toivonen

 

 

Contragolpe 3: desafiar o espaço doméstico

Historicamente, no Ocidente, a identificação da casa com a família correspondeu à separação entre o espaço público e o privado. [1] Na antiguidade, o espaço público era o espaço da vida política e social, enquanto que o espaço privado era o espaço da reprodução biológica, cujo funcionamento dependia do trabalho afectivo e doméstico das mulheres e dos escravos. Com a ascensão do capitalismo e da industrialização nos séculos XVIII e XIX, esta separação público/privado foi ressuscitada dentro do núcleo familiar para distinguir claramente o trabalho desempenhado pelo homem, o ganha-pão, das tarefas domésticas desempenhadas pela mulher. [2] Enquanto que o trabalho [do primeiro] era remunerado, as tarefas domésticas não eram pagas e eram consideradas um “trabalho de amor”, que se esperava da dona de casa para o bem da família. Por causa desta divisão doméstica do trabalho na casa moderna, as actividades laborais, tais como oficinas e estábulos, desapareceram do espaço da casa. Isto é perceptível em muitas tentativas de reforma do espaço doméstico no século XVIII, como os modelos de habitações para as classes trabalhadoras de John Wood, o Jovem. [3]

1. Sobre a separação entre espaço público/espaço privado e as respectivas consequências no espaço doméstico. Cf. Michael McKeon, The Secret History of Domesticity: Public and Private Division of Knowledge, Baltimore, John Hopkins University Press, 2005.

2. Cf. Maria Mies, Patriarchy and Accumulation on a World Scale: Women in the Internacional Division of Labour, Londres, ZED books, 2014, pp. 74-75.

3. Cf. Daniel Maudin, “Habitations of the Laborer: Improvement, Reform and the Neoclassical Cottage in Eighteenth Century Britain”, Journal of Design History, 23, Model, Method and Mediation in the History of Housing Design, 2010, pp. 7-20.

Um desafio à casa enquanto habitação familiar veio de Nova Iorque, no século XIX, onde uma onda de empreendimentos habitacionais debilitou a imagem pastoral da habitação familiar. Além dos célebres cortiços [tenements] para as classes mais baixas, Nova Iorque era também, nessa época, uma cidade de apartamentos e hotéis residenciais. Para alojar os imigrantes da classe média, que não tinham condições para suportar casas unifamiliares devido ao elevado preço do solo, foram construídos os primeiros “apartamentos de classe média” da história.

A palavra apartamento vem do latim appartare, que significa “separar”, mas também “distribuir em partes”. Esta tipologia habitacional foi inicialmente desenvolvida no contexto da arquitectura residencial da classe alta, durante o Renascimento, como um conjunto de quartos para uso de um só residente. No entanto, quando esta organização doméstica chegou a Nova Iorque, no século XIX, foi imediatamente associada à vida de hotel, a ponto de, ao designar edifícios residenciais, as palavras “hotel” e “apartamento” se tornarem intercambiáveis.

Como Elizabeth Collins Cromley observa, os escritores da época não concordavam na terminologia e utilizavam uma variedade de termos para designar edifícios que eram formados por múltiplas habitações, tais como “apartamento francês” e “aparthotel”. [4] Enquanto que os apartamentos eram concebidos para serem habitações permanentes, os aparthóteis funcionavam sobretudo como habitação temporária. No entanto, tipologicamente, estes dois tipos de edifícios eram muito semelhantes, se não mesmo iguais. Ambos ofereciam espaços colectivos como átrios, salas de jantar, salões e jardins na cobertura, mas também serviços colectivos como cozinhas colectivas e serviços de limpeza. Embora tanto os apartamentos como os hotéis fossem empreendimentos comerciais, a sua natureza colectiva e o seu estilo de vida baseado na profissionalização do trabalho doméstico desafiavam valores tradicionais, tais como o trabalho doméstico não remunerado e a absoluta privacidade do núcleo familiar.

4. Elizabeth Collins Cromley, Alone Together: a History of New York’s Early Apartments, Ítaca, Cornell University Press, 1990, pp. 5-6.

A vida de hotel rapidamente se dispersou pelos Estados Unidos, e enquanto que inicialmente se limitava às classes ricas, entre o final do século XIX e o início do século XX, estendeu-se também às classes média e baixa, na forma de “hotéis de preço-médio”, “aparthóteis” e “pensões”. [5] Tipologicamente, o hotel residencial – especialmente na sua versão de preço-médio – era o tipo de alojamento mais anti-doméstico, conformado por quartos individuais, todos mais ou menos do mesmo tamanho, suportados por espaços colectivos como átrios ou restaurantes. O tamanho e tipo de quarto era habitualmente indiferente ao género do ocupante, ainda que os hotéis tivessem uma política restrita de discriminação de classe e de raça.

5. Paul Groth, Living Downtown: The History of Residential Hotels in the United States, Los Angeles, University of California Press, 1994, p. 38. Cf. Anna Puigjaner, “Bringing the Kitchen Out of the House”, e-flux Architecture, Overgrowth, https://www.e-flux.com/architecture/overgrowth/221624/bringing-the-kitchen-out-of-the-house/

Um compromisso interessante entre o alojamento acessível do hotel e o apartamento privado foram as habitações de “quartos de ocupação individual”, ou SRO [single room occupancy]. Esta tipologia consistia numa colmeia de pequenos quartos, por vezes equipados com uma casa de banho e uma kitchenette, servidos por espaços colectivos. Nalguns casos, os alojamentos SRO eram indistinguíveis de quartos de hotel, enquanto que noutros eram mais parecidos com apartamentos privados, especialmente quando incluíam mais do que um compartimento, como um quarto e uma sala. Em cidades como São Francisco, esta tipologia propagou-se de forma extensiva, a ponto de quarteirões inteiros, como Fillmore e South Market, serem quase exclusivamente por ela constituídos. [6]

6. Ibid., p. 60.

Todos estes desenvolvimentos habitacionais foram iniciados comercialmente, mas a propagação de tipologias não domésticas nos Estados Unidos foi também influenciada por movimentos comunitários que se difundiram largamente no século XIX. [7] Inspirados pela ideia do Falanstério (Phalanstère) de Charles Fourier –uma unidade social consistindo em cerca de 1600 pessoas que habitam um edifício comum, de maneira igualitária, independentemente do género–, movimentos como os Perfeccionistas propuseram uma forma de vida baseada na igualdade e na solidariedade, desafiando a privacidade da esfera doméstica. O ataque à habitação privada foi também levado a cabo por aquelas que a historiadora Dolores Hayde identificou como “feministas materiais”, questionando o isolamento das mulheres na habitação de família convencional e propondo modelos radicais de organizações domésticas baseadas na socialização e profissionalização do trabalho doméstico. [8]

7. Cf. Dolores Hayden, Seven American Utopias: The Architecture of Communitarian Socialism, Cambridge, MIT Press, 1976.

8. Cf. Dolores Hayden, Grand Domestic Revolution, Cambridge, MIT Press, 1976.

Um exemplo claro da confluência entre estes movimentos e desenvolvimentos habitacionais mais pragmáticos foram as Home Clubs construídas em Nova Iorque, entre 1883 e 1890, das quais o Chelsea Hotel é o mais célebre exemplo. Concebidas pelo arquitecto Philip G. Hubert, o inventor da “habitação cooperativa”, as Home Clubs ofereciam uma variedade de apartamentos sem cozinhas individuais, para indivíduos, casais e famílias, servidos por uma variedade de espaços colectivos tais como salas de estar, salas de reunião e cozinhas colectivas. [9] Estes clubes permitiam que famílias e grupos de residentes dispusessem de habitações a um preço de aluguer menor, enquanto tiravam partido do serviço de manutenção colectivo e do apoio mútuo entre residentes. Para além de introduzir um novo modelo espacial para viver de forma colectiva, as Home Clubs foram também um modelo económico inovador, com base em propriedade comum, num modelo de sociedade por acções. A Home Club era organizada como uma corporação de accionistas, que participavam em todos os aspectos do projecto.

9. Ibid., 1976.

À época, a situação era transversalmente diferente na Europa onde, à excepção de alguns casos, este tipo de habitação não foi implementado em larga escala. [10] Durante o século XIX, existiam apenas alguns exemplos de habitação cooperativa, especialmente em Inglaterra, [11] mas o início do século XX foi marcado por algumas experiências significativas e por iniciativas concretas que combinavam habitação cooperativa e tarefas domésticas centralizadas, desde a Einkuchenhaus (casa com uma cozinha) alemã, à Kollektivus sueca e à Dom Kommuna soviética. [12]

10. Cf. Anatole Kopp, Town and Revolution: Soviet Architecture and City Planning 1917-1935, Nova Iorque, George Braziller, 1970.

11. Um dos primeiros exemplos de habitação cooperativa na Europa foram os “quadrantes” que Ebenezer Howard propôs como parte do seu projecto reformista para novas “Cidades-Jardim” ao redor de Londres. Implementado em Homesgarth, Letchworth, o quadrante foi projectado por Harold Clapham Lander enquanto habitação comunal que combinava a total privacidade da habitação individual com os benefícios do trabalho doméstico centralizado. Cf. Norbert Schoenauer, “Early European Collective Habitation: From Utopia to Reality”, in Karen Franck & Sherry Ahrentzen (eds.), New Households, New Housing, Nova Iorque, Van Nostrand Reinold, 1991, pp. 50.53

12. A Dom Kommuna soviética pode ser considerada a forma mais extrema de habitação comunal e socialização do trabalho doméstico, Ibid., pp. 55-67.

Nessa época, muitas iniciativas de habitação cooperativa e projectos de habitação colectiva em hotéis foram atacados pelas instituições governamentais responsáveis pela habitação, como é o caso dos reformistas sociais da “era progressista” nos Estados Unidos. Para estes reformistas, a habitação cooperativa e comunal era uma ameaça séria aos valores da família e da propriedade. [13] Foi a ascensão da habitação social, numa primeira instância, e do mercado da habitação acessível, de seguida, que reduziram a habitação cooperativa a um fenómeno marginal. E onde a habitação cooperativa sobreviveu, como na Alemanha, na Suíça e na Dinamarca, é raro que a natureza cooperativa da habitação tenha continuado a reflectir-se na sua organização tipológica. [14] Uma excepção a esta tendência aconteceu na Suécia, entre os anos 70 e 80. Sob a pressão do movimento Social Democrata das mulheres e de outros grupos feministas, várias iniciativas de habitação cooperativa comprometeram-se com a questão da redução do trabalho doméstico para as mulheres. Como observado pela académica Alison Woodward, o movimento das mulheres da Suécia encontrou a sua mais eficaz expressão arquitectónica na obra do colectivo BIG, um grupo de mulheres arquitectas, designers de interiores e jornalistas que nos anos 70 desenvolveu um influente conceito de habitação comunal baseado em três princípios: comunidades de pequena escala, habitação livre de especulação e uma população de residentes variada, quer em termos de idade, quer de profissão. [15] Esta tentativa de reformar a domesticidade do núcleo familiar rumo a um sistema mais cooperativo e baseado na socialização do trabalho doméstico foi implementada não apenas na habitação privada, mas também na habitação pública.

13. Cf. Charles Hoc & Robert A. Slayton, New Homeless and Old: Community and the Skid Row Hotel, Filadélfia, Temple University Press, 1984, pp.62-86.

14. Cf. Kathrin M. McCamant & Charles R. Durret, “Cohousing in Denmark”, in Franck & Ahrentzen, New Households, New Housing, op.cit., pp.95-126.

15. Alison Woodward, “Communal Housing in Sweden: a Remedy for the Stress of Everyday Life?”, in Ibid., p.72.

Um importante exemplo deste movimento foi o bloco de habitação conhecido como Stacken, um projecto de co-habitação promovido a partir da renovação de uma torre construída no ano de 1969 em Bergsön, Gotemburgo, como parte do Projecto Sueco para um Milhão de Fogos [Miljonprogrammet]. A planta original da torre organizava-se numa composição de cinco apartamentos individuais, servidos por um núcleo central sem qualquer tipo de equipamentos colectivos. Depois de alguns anos de uso, os apartamentos foram reformados de modo a reduzir o tamanho dos compartimentos privados e substituindo as cozinhas privadas por pequenas kitchenettes, enquanto que uma variedade de programas colectivos, incluindo uma cozinha colectiva e um restaurante, foram acrescentados. Em 2002, os habitantes da Stacken formaram uma cooperativa e compraram o edifício ao município, a fim de recuperá-lo e reforçar a estrutura comunal do edifício, acrescentando mais espaços comuns para cuidados e trabalho. [16]

16. Karin Andersson [et al.], Hej Stacken: Project Portfolio: Design and Planning for Social Inclusion 2012/2013, 11 de Janeiro de 2013, https://suburbsdesign.files.wordpress.com/2013/04/stacken-portfolio1.pdf

Apesar destes exemplos, grande parte da habitação cooperativa acessível que tende a ser construída na Europa e América do Norte segue a tradição da habitação familiar tradicional, onde a existência de algum espaço partilhado é apenas uma mera lembrança do intuito comunal original. A questão da família foi central nos argumentos neoliberais contra o investimento e educação públicos, a chave para as propostas neoliberais de uma nova ordem económica alimentada pelo investimento privado e pelo endividamento familiar. [17] No entanto, a recente onda de medidas de austeridade introduzida pelos governos desde a recessão de 2007-2008 ameaçou seriamente a constituição de famílias entre as novas gerações. Esta situação convenceu os investidores e as autoridades locais em muitas cidades europeias a reduzir drasticamente o tamanho dos apartamentos, de modo a acomodar solteiros, casais ou pequenas famílias. [18] Porém, mesmo dentro destas condições, o legado do núcleo familiar mantém-se firme. Cada unidade de habitação, não importa o quão pequena, tem de permanecer autossuficiente e, portanto, uma habitação privada. Como tal, muitos investidores começaram a promover a construção de “mini” apartamentos abaixo do tamanho regulamentar – evidentemente, como resposta às transformações demográficas e ao aumento dos preços das habitações.

17. Cf. Melinda Cooper, Family Values: Between Neoliberalism and the New Social Conservatism, Nova Iorque, Zone Books, 2017.

18. As mais recentes tipologias de habitação não baseada no núcleo familiar, tais como o co-housing [co-habitação] estão a voltar, não na forma de habitação cooperativa, mas como novas iniciativas especulativas. Nos últimos anos, em cidades como Londres, Nova Iorque, e São Francisco, onde os preços do solo e da habitação são extremamente elevados, o acesso à propriedade baseado no crédito hipotecário já não é acessível para a classe média e as unidades de aluguer voltaram como meio mais lucrativo de especulação habitacional. Esta condição afecta particularmente as gerações mais jovens, cujos rendimentos e cada vez mais precárias condições de existência não permitem aceder a hipoteca e à propriedade. Esta nova onde de habitação de aluguer reduziu drasticamente o tamanho das habitações ao mínimo. Tipologias como a micro-habitação ou os micro-apartamentos, que consistem em unidades de um só compartimento, incluindo quarto de banho e micro-cozinha, estão em ascensão, frequentemente vendidas como uma forma de vida tipo hotel –no entanto, ao contrário dos seus antecessores do século XIX, são extremamente caras.

Projectos como as casas-estúdio Sato [Sato StudioHome], um projecto de habitação comunal em Helsínquia que trabalha com estas medidas, prometem rendas “acessíveis”, mas permitem, na verdade, que os investidores aumentem o preço por metro quadrado dos projectos, uma vez que os apartamentos são mais pequenos. [19] As Sato StudioHome alegam compensar as deficiências do espaço privado ao impor-se como um “edifício de apartamentos comunal e inclusivo” com equipamentos partilhados e até mesmo um “administrador” da comunidade, encarregado de promover a interacção social ente residentes. Estratégias semelhantes foram já desenvolvidas por empresas privadas como a WeLive e a The Collective, que oferecem alojamento numa tipologia semelhante à do antigo hotel residencial comercial, mas que ao contrário destes últimos são bombardeados com uma overdose de retórica sobre viver colectivamente a uma taxa premium. [20] Estas empresas apontam geralmente a jovens profissionais, os tão celebrados (e tão explorados) “Millenials”, excluindo as pessoas com maior necessidade deste tipo de habitações, como pessoas com deficiências e idosos.

19. “Frequently Asked Questions”, SATO StudioHome, n.d., https://www.sato.fi/em/faq-rental-apartments/studiokoti.

20. Cf. Sophie Kleeman, “Absurd ‘Co-Living Space’ WeLive is Jacking Up its Prices”, Gizmodo, 5 de Dezembro de 2016, https://gizmodo.com/absurd-co-living-space-welive-is-jacking-up-its-prices-1789702081.

 

 

Da mercantilização à cooperação

Houve desde sempre uma forte relação entre os sistemas de propriedade e as tipologias do espaço doméstico. Tipologias habitacionais específicas, como a casa geminada ou a vivenda unifamiliar, foram historicamente usadas como uma forma de organizar espacialmente a ideia de propriedade privada enquanto direito individual. Por exemplo, na casa geminada, a espacialização da propriedade consubstancia-se através do princípio da parede de meação, uma parede de suporte estrutural que não pode ser perfurada. Na vivenda unifamiliar, a propriedade é incorporada na circunscrição da casa por um jardim. Outro aspecto tipológico importante que reflecte a propriedade privada é o acesso à família, que é frequentemente providenciado por uma única entrada. Esta entrada leva directamente à rua, no caso da habitação unifamiliar, ou ao núcleo vertical, no caso do apartamento privado. O sistema de uma só entrada assegura que a casa está perfeitamente individualizada e que há uma clara distinção entre o domínio privado e o domínio público. O número de compartimentos, os diferentes tamanhos e a sua disposição hierárquica são também meios potenciais de reforçar um sentido de propriedade e autossuficiência, ao fazer com que a casa pareça completa em si mesma. No caso do micro-apartamento, o facto de todos os serviços de um apartamento convencional, incluindo a cozinha e o quarto-de-banho, serem comprimidos num quarto tipo hotel torna claro que o espaço é um apartamento privado, e não uma unidade de uma habitação comunal mais ampla.

Com a ascensão da propriedade privada da habitação no período do pós-guerra, tornou-se praticamente impossível promover mudanças radicais na forma como a habitação é detida, construída e tipologicamente organizada. Isto levou alguns investigadores a definir o problema da habitação em termos de “obstinação”. [21] Não só os hábitos domésticos são extremamente duradouros e difíceis de alterar – já que conferem um sentido de orientação (especialmente durante tempos de incerteza) – mas também, quando se fala de habitações, fala-se de um sistema no qual uma condição espacial específica está vinculada a enquadramentos sociais e jurídicos que estão profundamente enraizados na mentalidade das pessoas. É por esta razão que a tarefa mais urgente não é a de produzir “novas tipologias” ou habitações mais inteligentes, mas a de relacionar estrategicamente formas alternativas de propriedade com organizações tipológicas específicas, que apontem ao reforço de um sentido de confiança e solidariedade entre os habitantes.

21. Cf. Wouter Bervoest & Hilde Heynen, “The Obduracy of the Detached Single Family House in Flanders”, International Journal of Housing Policy, 13, no.4, Outubro 2013, pp. 358-380.

É evidente que a transformação da habitação mercantilizada rumo à cooperação não pode ser apenas uma iniciativa “bottom-up”. Aqueles envolvidos neste processo terão de negociar com o estado por mais do que iniciativas ou subvenções justas. As transformações na tipologia e na propriedade apenas poderão acontecer se, ao nível estatal, existir a possibilidade de reforma do modo como os direitos de propriedade são usados para transformar tudo em mercadoria, inclusive as necessidades mais básicas. Só dessa forma poderá o aprovisionamento de habitação acessível e de habitação social coincidir com a retirada da habitação do mercado, movendo-se em direcção à ideia da habitação enquanto direito humano universal.

 

 

Pier Vittorio Aureli

Cofundador do atelier DOGMA, em 2002. É professor na Architectural Association School of Architecture, em Londres, e professor visitante na Universidade de Yale.

 

Leonard Ma

Arquitecto canadiano baseado em Helsínquia, é professor na New Academy.

 

Mariapaola Michelotto

Arquitecta e investigadora, diplomada pela Faculdade de Arquitectura da TU-Delft com a tese Città Fabbrica, é actualmente colaboradora do atelier DOGMA.

 

Martino Tattara

Cofundador do atelier DOGMA, em 2002. É professor na KU Leuven, na Bélgica.

 

Tuomas Toivonen

Cofundador da New Academy, uma iniciativa educativa em torno da arquitectura e do urbanismo baseada em Helsínquia, assim como do atelier de arquitectura e urbanismo NOW.

 

Imagens

1. Do you hear me when you sleep?, Vista exterior do tipo II, Somerleyton Road, Londres,  DOGMA, 2019.

2. Do you hear me when you sleep?, Planta axonométrica de uma casa cooperativa, Somerleyton Road, Londres, DOGMA, 2019.

 

Nota de edição

Este texto foi originalmente publicado na plataforma digital e-flux Architecture, integrado na série “Collectivity. Editada por Nick Axel, Nikolaus Hirsch e Beth Hughes, “Collectivity” foi uma colaboração entre a e-flux Architecture e a Bienal de Arquitectura e Urbanismo de Seoul, 2019, no contexto da exposição temática “Collective City”.

Por questões editoriais, a versão portuguesa que aqui se apresenta foi publicada em duas partes. A tradução foi realizada por Rui Fernandes, com revisão de João Paupério.

 

Ficha Técnica

Data de publicação: 02.06.2021

Edição #31 • Primavera 2021 •