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A arte da
arte do poder
Notas ‘póstumas’ sobre a exposição de Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda
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Pedro Levi
Bismarck
Há um e
um só ponto em que Joana Vasconcelos merece todo o meu aplauso: é que se a arte
é a expressão da sua época, então o seu trabalho é o mais brilhante e genial
hino não só ao nosso tempo presente, mas ao que estamos em vias de nos tornar. Na
“arte” de Vasconcelos o regime actual
encontra o espelho encantado das suas próprias ambições. Estão aqui inscritos
todos os valores mediáticos da actualidade: a «arte» como puro marketing (nacional a exportar
rapidamente), o «artista» como dedicado empreendedor
(que trabalha com empresas e bancos) e, por último, nós, os «espectadores»,
como burros em frente ao palácio (da
Ajuda, neste caso) olhando, pasmadamente, o carnaval de desfiles com que se
veste a nobreza política. É que,
afinal de contas, o badalado vestido de Joana Vasconcelos não é mais que o
glorioso traje com que essa nobreza
política há muito sonha recobrir-se, mas que uma última réstia de pudor
democrático ainda lhe impede. Ou, dito de outro modo, ele, o vestido, é o
inconsciente reprimido da actual classe política. Nele, esta projecta todos os
seus desejos de grandeza e toda a sua mediocridade.
Por isso
é que se poderá dizer que as democracias actuais são essencialmente religiões
politeístas, não se dedicam a um só culto como nos regimes totalitários (o caso
da Coreia do Norte e do seu “querido” líder Kim Jong-Un), mas consagram-se a
vários rituais e deuses (o conceito de estrela,
não poderia ter em si uma formulação mais teológica: deus-futebol, deus-artista,
etc…) através dos quais o regime exerce não só o seu poder, mas expressa os
seus mais íntimos recalcamentos – aquilo que ele quer verdadeiramente ser, mas (ainda)
não pode ou não consegue. A história, aliás, ensina-nos que devemos estar particularmente
atentos a esses pequenos hieróglifos à espera de serem decifrados.
Mas, tal
como as danças barrocas eram já a expressão, segundo alguém, da psicose e
esquizofrenia de uma nobreza impotente, perante a ascensão de uma nova classe
(a burguesia capitalista), também a esquizofrenia colorida de Vasconcelos parece
ter o amargo perfume de um drama trágico latente, onde o actual regime procura,
a todo o custo, esconder a sua miséria e a iminência do seu fim. Talvez possamos
ver com uma certa ironia histórica, o facto do palco de todo este espectáculo ser
o desafortunado Palácio da Ajuda, obra de cunho real para sempre inacabada e fatídica
última morada da família real portuguesa. A
ironia não salva mas ressalva, já escrevia Herberto Hélder.