• Os Coletes Amarelos e Eu • Pamela Anderson





Fico satisfeita que a comunicação social tenha dado conta da minha breve abordagem no Twitter à situação em França, o meu país adoptivo, e que tem experimentado uma série de gigantescos protestos nas últimas semanas.

Alguns seguidores acusaram-me de “apoiar” os motins e a violência, e de não compreender o problema. O que é bastante tendencioso. Porquê? Vamos ver! Porquê estes protestos agora?

Em vez estar hipnotizada com as imagens das chamas, eu gostava de perguntar “de onde vêm estes protestos”?

“Coletes Amarelos” (“Gilets Jaune” designados a partir dos coletes de segurança rodoviária) são um movimento popular de massas contra o sistema actual. É uma revolta que tem estado latente em França há anos. A revolta das pessoas comuns contra o sistema político actual, que — tal como noutros países ocidentais — pactua com a elite e despreza os próprios cidadãos.

O protesto começou depois do presidente Macron ter anunciado um aumento dos impostos sobre o carbono e a poluição atmosférica. O próximo aumento terá lugar em Janeiro. Com isto espera-se arrecadar dinheiro para o orçamento de Estado e, além disso, motivar as pessoas a procurar alternativas aos carros a diesel. Até 2040, Macron quer banir todos os carros a diesel.

Mas, por muitos anos, o Estado francês encorajou as pessoas a comprarem carros abastecidos a diesel. Por exemplo, em 2016, 62% dos carros em França eram a diesel, tal como 95% das carrinhas e dos pequenos camiões. Por isso, não é assim tão surpreendente que muitas pessoas vejam a nova política como uma enorme traição.

Comprar um carro novo não será, provavelmente, um grande problema para o presidente Macron e os seus ministros. Mas é bastante difícil para pessoas que já estão financeiramente sobrecarregadas. Muitas pessoas pobres não terão condições para trabalhar, especialmente se não houver transportes públicos fiáveis. Muitos idosos não poderão ir às compras ou ao médico.

Muitos meios de comunicação vêem os Coletes Amarelos como criminosos que causam destruição.

Eu vejo forças de destruição do outro lado.

E quanto à violência?

Sou decididamente pacifista. Desprezo a violência. Mas também sei que, quando os protestos culminam em violência, a culpa é frequentemente do Estado. O fracasso do Estado em permitir que as pessoas sejam ouvidas. Esta é a posição de muitas organizações internacionais de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional.

Para além disto, os críticos dos “motins violentos" fazem de conta que a sociedade capitalista actual não é violenta. A violência é parte da sociedade moderna e manifesta-se sob muitas formas.

Por exemplo, Philippe Bourgeois reconhece quatro tipos de violência.

A violência política é exercida em nome de um poder ou de uma ideologia estatal.

A violência estrutural diz respeito à ordem política e económica da sociedade, na qual as condições de desigualdade e exploração foram institucionalizadas, incluindo a exploração de “mão-de-obra barata” e de recursos naturais nos países subdesenvolvidos.

A violência simbólica verifica-se quando os oprimidos e impotentes interiorizam a sua humilhação e desigualdade.

E, finalmente, a violência quotidiana é a violência da vida “quotidiana”, como a criminalidade ou a violência doméstica. Esta violência está, muitas vezes, intimamente vinculada à violência estrutural (por exemplo, a criminalidade pode estar associada à pobreza) ou à violência simbólica (a violência doméstica pode estar ligada à desigualdade de género).

Então, o que é a violência de todas estas pessoas e dos carros de luxo queimados quando comparada com a violência estrutural das elites francesas e globais?

Quando alguns manifestantes destroem carros e queimam lojas, eles atacam simbolicamente a propriedade privada, que é a base do capitalismo. Quando atacam polícias, rejeitam e desafiam simbolicamente as forças repressivas do Estado — forças que, antes de mais, protegem o capital.

Moralizar os carros queimados e as janelas partidas dos bancos é inapropriado. Isto deve ser compreendido no contexto do actual status quo. Um status quo no qual o poder dos poderosos e a impotência dos impotentes são preservados. Um status quo de sociedades nas quais apenas alguns lucram enquanto muitos perdem.

E quanto às alterações climáticas?

Alguns poderão pensar que os Coletes Amarelos estão a lutar contra boas políticas que visam reduzir as emissões de carbono.

Mas não nos podemos esquecer que são os 10% mais ricos do mundo os responsáveis por cerca de 50% das emissões do consumo relativas ao estilo de vida.

Para além disto, a luta declarada contra as alterações climáticas é, muitas vezes, um negócio muito lucrativo e utilizada, simplesmente, como promoção de projectos preferenciais, que não seriam viáveis de outro modo devido ao seu custo. Estes projectos são frequentemente escolhidos de um modo pouco transparente.

Não acredito que os Coletes Amarelos apoiem ​​as políticas prejudiciais que causam as alterações climáticas. Eles são contra o sistema político e uma política que fez muito mais pelos ricos do que pelos pobres.

O que vem a seguir?

A verdadeira questão é se os protestos actuais poderão vir a ser algo construtivo. O que vem no dia seguinte e se os progressistas franceses, mas também de todo o mundo, poderão encontrar soluções para construir sociedades iguais e igualitárias.

Os Coletes Amarelos apelam a uma nova ordem de justiça social, o direito de viver com dignidade, com base em salários justos e num sistema fiscal justo. A única solução é criar um sistema desse tipo. Um sistema que represente o respeito pela vida em comum: pela redistribuição da riqueza em benefício das pessoas e da nação. Porque, até agora, o povo foi excluído da distribuição da riqueza e foi deixado destituído.

Há mais para vir. Fiquem atentos a este espaço!

Amor

Pamela
Nota de edição
O recente “activismo político” da actriz americana-canadiana, actualmente a viver em França, tem sido notícia em vários jornais e despertou intensa polémica. Inicialmente publicado numa série de tweetes o texto foi ampliado e publicado no site da Pamela Anderson Foundation. Como facto jornalístico da maior dimensão, a tradução para português era imprescindível. Tradução realizada por Paulo Ávila com revisão de Pedro Levi Bismarck.

Ficha Técnica
Data de publicação: 12.12.2018