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As linhas do novo MAAT (Museu de Arte,
Arquitectura e Tecnologia da Fundação EDP) ondularam toda uma efervescente
série de discursos em torno uma certa missão ética, social e até nacional da
EDP. Nada mau, diga-se, para uma empresa que até há bem pouco tempo pertencia
ao Estado. Há dois tipos de observações que podem ser feitas relativamente ao recém-inaugurado
museu: uma que diz respeito aos aspectos técnicos, funcionais e construtivos do
edifício e uma outra que diz respeito ao aparato conceptual usado para validar
e legitimar a obra. Se podemos falar de arquitectura (e de uma disciplina de
arquitectura) é porque um edifício nunca é mera construção, mas está
necessariamente envolvido numa rede de discursos, num nó entre saber e poder
que é inseparável da obra.
Posto isto, o que impressiona no MAAT não é
tanto o edifício, mas o modo como toda uma série de discursos tentaram colocá-lo
como “símbolo de tudo e de qualquer coisa”: da responsabilidade social da
empresa, da sua generosa e benemérita contribuição ou oferta para o espaço
público da cidade, do seu papel educativo e cultural na formação de um público
e de uma sociedade, e cito, “mais inclusiva, dinâmica e cosmopolita” (esta, a
palavra de ordem dos últimos dias). Mas também como uma instituição apta a
promover a economia, apoiando as indústrias nacionais e a investigação
tecnológica. Uma ligação que é, aliás, evidente no próprio nome do Museu: arte,
arquitectura e tecnologia. Tal como a engenhosa curva da cobertura acessível é
a epítome da generosa dádiva da empresa à cidade, dando a oportunidade sublime
de reconciliar, como tanto se ouviu dizer, “Lisboa com o Tejo”. Também o revestimento
do edifício totalmente em cerâmica “3d” é, segundo a arquitecta Amanda Levete,
uma homenagem à famosa azulejaria portuguesa. Mas, entretanto, ficou-se a
saber, através de pessoas e associações da área, que o revestimento cerâmico
não foi fabricado em Portugal, nem o processo de concepção passou por qualquer
empresa portuguesa, o que levou a que se lamentasse ironicamente o facto da EDP
ter perdido uma oportunidade de realmente investir “nas capacidades
tecnológicas da indústria nacional”.
“A ironia não salva mas ressalva”, como
escreveu Herberto Helder. E esta é aporia irresolúvel destes edifícios: tentam
fomentar um capital simbólico que não passa de um simulacro. O seu discurso
pretende afirmar a sua condição pública, a entrega sublime à cidadania e à
sociedade civil, o investimento nas tecnologias nacionais, mas na verdade ele não
faz mais do que circular e perpetuar as mesmas lógicas de urban branding que têm sido feitas e refeitas ad nauseam um pouco por todo o lado, as mesmas lógicas de
acumulação e gestão de capital, sempre à custa da repetição de lugares-comuns e
de edifícios-museus, sempre com os mesmos programas-canónicos-de-exibição, mais
ao serviço de um mercado universal de arte do que de qualquer missão cultural
ou cívica. No MAAT tudo é cosmopolita, tudo é global e tudo é glamour. Mas nem
no revestimento de cerâmica do edifício o MAAT consegue ser fiel à sua suposta
missão educacional, formativa e tecnológica.
Mas não é esta precisamente a lógica do
neoliberalismo? A afirmação sem complexos de construção de uma esfera pública
de carácter privado, a afirmação despudorada de uma retórica que se afirma precisamente
naquela esfera que não cessa de obliterar, a esfera do comum e da res publica. O MAAT não simboliza a
generosa dádiva do privado ao comum, mas a privatização do comum. Ele não
simboliza a abertura de espaço, mas a colonização do espaço público sob uma
lógica privada de produção de cidade, de edifício, de exibição, de encontro e
de quotidiano totalmente inseridas numa lógica económica global e financeira. Ele
apenas dá aquilo que já tinha sido retirado, mas acrescido de juros. Esse é o
paradoxo do MAAT, ele é o que resta daquilo que se perdeu, a EDP. E nesse
sentido, é o que está em vez de, o substituto daquilo que não se pode ter. Um
pequeno fetiche para consumo
imediato.
Se o papel da retórica é, então, a
normalização e legitimação do edifício na esfera mediática, as próprias formas
fluidas e amaciadas do edifício cumprem um papel semelhante: a afirmação de uma
relação harmoniosa com a paisagem e com a envolvente, com a cidade, é na
verdade a sugestão e a insinuação de uma relação harmoniosa e homeostática da
empresa com a própria sociedade.
O MAAT não produz nenhum espaço público, mas
um espaço de pura representação institucional e de puro espectáculo, numa
lógica de mercado e de turismo global. E, por isso, a figura central dessa
esfera já não é o cidadão, mas o espectador e o consumidor, ou melhor o cidadão-enquanto-espectador. E isso está,
desde logo, patente no modo como esse processo foi gerido e no modo como o museu
se relaciona com a cidade e com a cidadania: ausência de discussão acerca do projecto, inexistência
de um concurso público e de qualquer processo participativo de definição
colectiva do programa e do uso desse espaço. Esses, sim, elementos centrais de
uma qualquer esfera pública e de uma noção minimamente qualificada de espaço
público.
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Pedro Levi Bismarck
É editor do Jornal Punkto, Bolseiro da FCT e investigador do
CEAU, actualmente a fazer doutoramento na FAUP onde é Assistente Convidado.
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Ficha Técnica
Data
de publicação: 12.10.2016
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