Realizar a Poesia. Guy Debord e a Revolução de Abril \ Maria Ramalho


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Realizar a Poesia
Guy Debord e a Revolução de Abril
Maria de Magalhães Ramalho [1]

O termo situacionista, no sentido da Internacional Situacionista, é exactamente o contrário daquilo a que se designa actualmente em português por “situacionista”, quer dizer, um partidário da situação existente, um salazarista, neste caso.
Revista “Internationale Situationniste”, nº 9, 1964.

Sou situacionista por aceitação. Não discuto problemas políticos, constituições ou programas. Confio instintiva mas não irracionalmente, no General Carmona e no Professor Salazar.
Fernando Pessoa, 1928, In “Pessoa Inédito”

No ano, e no dia, em que passam vinte anos da morte de Guy Debord e quarenta anos do 25 de Abril reúnem-se, neste texto, algumas memórias da ligação deste fascinante personagem e do seu pequeno grupo de “empreendedores de demolições” [2] - os Situacionistas [3] - ao nosso país. Esta ligação, ao que se sabe, limita-se apenas ao período que antecede o 25 de Abril desde o ano de 1971, estendendo-se depois até 1975, durante a intensa, mas demasiado curta, experiência de liberdade.
Para além dos apontamentos incluídos no prefácio de Júlio Henriques à obra “Internacional Situacionista – Antologia” [4], até ao momento não encontrei qualquer estudo que expusesse as relações de Debord e da Internacional Situacionista (I.S.) com o nosso país. De facto, não é uma tarefa fácil pois, para além destas ligações terem sido bastante frágeis e só um número muito reduzido de pessoas em Portugal ter tido realmente contacto com este Movimento, a maior parte dos protagonistas morreram, ou desapareceram sem deixar rasto.
Com segurança sabe-se que Guy Debord e sua mulher Alice Becker-Ho, estiveram em viagem por Portugal em 1980 [5], certamente coincidindo com as suas deslocações ao sul de Espanha onde chegaram a viver nos anos 80 e onde se envolveram directamente também na luta política. Apesar das esperanças que colocava na Revolução de Abril, e dos contactos que manteve ao longo desse período com alguns portugueses e com Eduardo Rothe [6], um situacionista que, por razões pessoais até hoje manterá ligações com Portugal, julgo que Debord nunca terá estado em Portugal antes desse período.
Embora o resultado da estratégia de participação na Revolução de Abril que Debord e os pró-situs portugueses tinham planeado não ter sido, aparentemente, relevante para o processo revolucionário, julgo que o pensamento de Guy Debord e dos seus compagnons de route, ajuda-nos não só a reflectir sobre a importância das revoluções e a necessidade de criar alternativas ao que nos oprime mas, na minha perspectiva também, oferece-nos uma “chave mestra” que permite compreender o que sucedeu depois em termos sociais, políticos e económicos, quer em França após a revolta de Maio, como em Portugal depois do 25 de Abril, dando-nos ao mesmo tempo um retrato de uma lucidez desarmante, sobre um mundo que, ainda em embrião na época, é hoje uma realidade assustadora.
Sendo discutível o modo como esses ideais se poderiam concretizar, o pensamento crítico, acutilante, certeiro e diria quase premonitório de Guy Debord sobre o que é o domínio da “Sociedade do Espectáculo” ou melhor, do “Espectacular Integrado” [7] sobre todas as formas de vida humana, agora ainda mais dramático num mundo globalizado, é só por si impressionante e por isso mesmo fundamental que seja conhecido e divulgado. Acredito pois no que disseram Debord e Gianfranco Sanguinetti [8] a propósito da I.S. e do seu papel fundamental no Maio de 68: Para quem sabe ouvir a erva a crescer essa vitória é também indiscutível. A teoria da I.S. transmitiu-se às massas. Já não pode ser liquidada na sua primitiva solidão [9]. Acrescentaria ainda que esta vitória poderá ser sempre alcançada, nem que seja como uma vitória interior, um despertar individual para uma realidade revelada a cru pelos situacionistas, criando-se assim condições para que, a partir daí, possa ser levado a cabo um verdadeiro combate, um combate contra o reino autocrático da economia mercantil, a exaltação da ignorância e a manipulação da verdade. Depois de ler Debord nada será como antes…
O material que utilizei para procurar expor, muito resumidamente, o que foi este Movimento, que pretendia ser o mais elevado grau da consciência revolucionária internacional [10], foi essencialmente recolhido nas obras e artigos de Guy Debord e de outros situacionistas, a maior parte deles publicados na revista “Internacional Situacionista” [11], no catálogo da exposição “Guy Debord un art de la Guerre” [12], bem como nas cartas e nos filmes por ele produzidos.
Para o capítulo dedicado às ligações de Debord com Portugal, traduz-se pela primeira vez para português [13], alguma da muita correspondência dos anos 70 trocada entre Debord e os seus amigos e camaradas, bem como, uma nota sobre a filmografia de Debord produzida no pós 25 de Abril [14], particularmente o filme “Réfutation de toutes les jugements, tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici portes sur le film La Société du Spectacle” realizado em Outubro de 1975, filme este que, por opção do próprio realizador, deveria incluir o máximo de imagens sobre o que estava a acontecer em Portugal [15].
A recolha directa de depoimentos foi talvez a forma mais interessante que tive à disposição mas também a mais difícil. Tentar saber um pouco mais sobre este período tão intenso parece ser, por esta, ou outra razão, algo pouco agradável, um tempo destinado a ser apagado para sempre, sobretudo as memórias da convivência com Debord que surgem sempre como algo demasiado incómodo.
Por um acaso extraordinário foi mesmo possível conhecer Gianfranco Sanguinetti que, juntamente com Debord, levaram a cabo a dissolução (sisão) da I.S. [16]. Outra feliz coincidência foi saber que afinal Francisco Alves [17], amigo e colega de longa data, tinha sido uma peça fundamental na ligação da I.S. com Portugal mesmo antes da Revolução de Abril, tendo convivido directamente com Debord, no início dos anos 70, durante a sua estadia em Paris.


2. e 3. Guy Debord em Cannes em 1951 (BNF)

1. Astronautas do espaço interior [18]
Será no seu regresso a Paris, cidade onde nascera em Dezembro de 1931 que, nos inícios dos anos 50, Guy Debord, com apenas 20 anos de idade, inicia uma vida de aventuras de olhos abertos [19], frequentando o meio dos “mais marginais” afirmando mesmo que a percentagem de amigos seus mortos a tiro era verdadeiramente inusitada. Ocupava o seu tempo deambulando pelas ruas da velha Paris, entre bares e ruelas, num espaço urbano de eleição situado a sul do Sena, a norte da rua de Vaugirard, a leste do cruzamento da Cruz Vermelha e no lado ocidental da rua Dauphine [2o].
Num ambiente fervilhante de experiências intensas vividas pelos Situs, misturadas de fumo e álcool, não pode ser ignorada a presença e influência decisiva de outros movimentos como os Dadaístas, Surrealistas e, sobretudo, os Letristas [21] a quem o pensamento de Debord, sobretudo na sua fase inicial mais teórica e mais ligada ao mundo da arte, tanto deve.
Embora tenha lido muito, bebi mais [22]. Uma das principais características de Debord, e da qual quem o conheceu de perto sempre recorda, era a especial dedicação que tinha à bebida. Em relação ao álcool exaltou as suas qualidades até bem perto da morte quando, dolorosamente, já sentia os efeitos de anos de vício e que, finalmente, o levaram mesmo a cometer o suicídio. Apreciei o que fica para além da violenta ebriedade, ao transpor-se esse estádio: uma paz magnífica e terrível, o autêntico sabor da passagem do tempo [23].
Desde os primeiros tempos de convívio e vivência em Paris, no início como simples grupo de amigos e, mais tarde, como movimento organizado, que a prática da “Dérive” (deriva, deambulação, em português) de Debord e dos seus companheiros através das zonas históricas da cidade, adquirem uma especial importância, influenciando mesmo todo o pensamento artístico e político dos Situacionistas, indo mesmo até ao limite da sua expressão no Maio de 68 pois é precisamente nessas zonas da cidade que os grandes confrontos acabam por ter lugar. O estudo das unidades de ambiência mais propícias não só à melhoria do quotidiano, como à própria alteração da sociedade ou, por outras palavras, a “Psicogeografia insurreccional de Paris” [24], foi mesmo considerada como essencial numa das Conferências da I.S. que decorreu em 1966, numa situação já de pré revolta. O conceito de Psicogeografia, muito cultivado pelo grupo, realça assim a importância dos locais que, nas cidades, são psicologicamente mais atraentes e indutores de boas experiências, e de extraordinárias aventuras, locais estes que quase sempre são identificados com as zonas mais antigas e, algumas vezes também, as mais pobres da cidade.
Debord amou a Paris que existia antes daquilo que definiu como a sua derrocada final, data que situa no pós Maio 68, quando os poderes, provavelmente inquietos pelas revoluções que a cidade antiga havia inspirado, se encarregam de destruir. Na verdade Debord refere-se diversas vezes de forma nostálgica à cidade que conheceu antes de ter sido devastada e integramente destruído o género de vida que nela se levava [25]. Segundo Debord, Paris foi punida afirmando ainda que, estranhamente, para além dele e talvez Louis Chevalier, velho historiador que escreveu “O Assassinato de Paris”, ninguém parecia reparar. Impunha-se assim, cada vez mais, um planeamento urbano guiada por considerações modernas, funcionalistas, devidamente enquadradas pela especulação imobiliária, processo que teve, como resultado, a imposição de um modelo industrial e mercantil extensível a todo o território [26]. Nessas condições, reconhece Debord que a verdadeira desgraça é a de nascer na altura em que semelhante desastre eclodia ou ainda: Quando ser absolutamente moderno se tornou uma lei especial proclamada pelo tirano, aquilo que o honesto escravo acima de tudo receia é que o possam suspeitar de passadista [27].
Mais uma vez esta visão de Debord é assustadoramente actual pois, olhando hoje à nossa volta e observando o que se passa com as nossas cidades, sobretudo aquelas que, por infortúnio, são as mais belas e antigas, verifica-se como o mesmo fenómeno continua a alastrar e urbes inteiras colapsam perante a lógica do negócio, do turismo e do lazer: Berlim, Barcelona, Lisboa, Porto… tornando assim tão real as palavras de Guy Debord quando dizia que “num mundo unificado o exílio é impossível[28].



4. Conferência da Internacional Situacionista em Gotemburgo em 1961 (BNF)
5. Reunião em Paris 1966. Guy Debord de costas abraça Alice Becker (BNF)

2.Realizar a Poesia
“De modo que aquilo a que chamamos aventura poética é difícil, perigoso e, seja como for, nunca garantido.
Não se trata de pôr a poesia ao serviço da revolução, trata-se de pôr a revolução ao serviço da poesia. Só assim a revolução não trai o seu projecto.
A nossa época já não tem de escrever instruções poéticas, tem de as executar”. [29]

Reconhecendo-se como um grupo de teóricos e experimentadores, que se dedicavam, de um ponto de vista revolucionário, a fazer uma nova crítica coerente da sociedade [30], os situacionistas foram, de facto, desde o início do seu movimento em 1957 até à sua auto dissolução em 1972, liderados por Guy Debord, apesar deste parecer sempre menorizar a importância que tinha. No volume 6 da revista I. S. afirma-se mesmo que “a I.S. não tem discípulos ou partidários a recrutar, tem de reunir pessoas capazes de se entregarem a esta tarefa nos próximos anos, por todos os meios e sem que os rótulos interessem.” [31]
Apesar de este Movimento ter tido, de facto, pouquíssimos membros e mesmo esses serem continuamente alvo de expulsões pelo seu implacável líder, ou mesmo se auto excluírem quase sempre de forma arrebatada, eram mesmo assim um grupo internacional, reunindo uma maioria de artistas e escritores, nomeadamente na sua primeira fase, de forte personalidade. Assim, contavam-se na I.S., para além de uma maioria de franceses, alguns ingleses, holandeses, dinamarqueses, italianos, alemães, belgas e até americanos. Até ao momento não há conhecimento de qualquer situacionista português, mas apenas um punhado de pró-situs.
Na resposta à pergunta do questionário publicado na I.S. nº 9 (Agosto de 1964), sobre quantos eram os situacionistas - afirma-se: “Um pouco mais do que o núcleo inicial de guerrilha na Sierra Maestra, mas com menos armas. Um pouco menos que os delegados que estiveram em Londres em 1864, para fundar a Associação Internacional de Trabalhadores, mas com um programa mais coerente[32].
Depois de 65 termina, ou pelo menos esbate-se, a fase mais dedicada ao debate teórico, com maior ligação aos movimentos artísticos mais radicais, começando a I. S., ou mais propriamente Guy Debord, a procurar definir uma estratégia que pudesse colocar em prática um ideal revolucionário. Uma das primeiras iniciativas ficará conhecida por “Escândalo de Strasbourg”, episódio que, de facto, antecedeu o Maio de 68 em dois anos e se transformará no rastilho da rebelião. O grito situacionista: Viver sem tempo morto e gozar sem limites, será talvez um dos lemas que mais longe ecoará e continuará a “animar as hostes” até Maio de 68 [33].
Este primeiro escândalo foi criado pela Secção de Strasbourg da União Nacional dos Estudantes de França, ao publicar um texto de inspiração e produção situacionista contendo uma crítica feroz ao estilo de vida dos estudantes e ao meio universitário no seu todo intitulado: “De la misere en milieu étudiant considérée sous ses aspects économique, politique, sexuel et notamment intellectuel et de quelques moyens d’y remédier”. O conteúdo deste texto, que hoje é ainda bastante actual, irá criar um clima de confronto entre os vários grupos políticos promovendo, igualmente, o temor das autoridades universitárias e não só, tal era o carácter subversivo do tema e o apelo directo à rebelião, uma revolta que se pretendia estender a toda a sociedade, e que se deveria iniciar com a fusão dos estudantes e dos operários.  
Em 1967 é também editado pela primeira vez o livro “A Sociedade do Espectáculo” (S.E.), que cedo se transformará no “Guia” de todos os que ambicionavam uma mudança radical do sistema vigente. Passados todos estes anos, é notável como esta obra, ao contrário de muitas outras que surgiram neste período de agitação permanente, consegue manter a actualidade e dar um contributo teórico extraordinário para a compreensão do complexo sistema de ocultação e mentira que hoje nos rodeia. Podemos assim perguntar como é possível que este livro e o pensamento da I. S. ainda se mantenham actuais? Segundo Anselm Jappe [34] é devido à coerência do pensamento profundo deste movimento e à defesa intransigente dos princípios que criou, recusando o eclectismo tão em voga. [35]Queremos que as nossas ideias se tornem perigosas![36]. Era já a ideia principal que animava os situacionistas e os seus seguidores nos finais dos anos 60.
“O momento da poesia real, que «tem o tempo todo à sua frente”, pretende de cada vez reorientar, segundo os seus próprios fins, o conjunto do mundo e o futuro todo. Enquanto durar, as suas reivindicações não podem entrar em compromissos.
Qualquer revolução nasceu na poesia, começou por ser desencadeada pela força da poesia. Este fenómeno escapou e continua a escapar aos teóricos da revolução – é certo que ninguém pode compreendê-lo se continuar a agarrar-se à velha concepção da revolução ou da poesia – mas foi em geral sentido pelos contra-revolucionários, porque a poesia, onde quer que exista, mete-lhes medo”. [37]



6. Imagem da última “Conversa em Família” de Marcelo Caetano em Março de 74 (Edições Sérgio Guimarães).
7. Imagem da Revista Internacional Situacionista n.º 8, 1963.

3. Os situacionistas e a Revolução de Abril
Analisando as cartas trocadas entre Debord e os amigos portugueses [38] antes mesmo do eclodir do 25 de Abril, presente-se já esse ânimo pré-revolucionário. Para além de Francisco Alves, Afonso Monteiro e sua mulher Antónia [39] que foram os principais elos de ligação a Portugal nos anos que antecederam o 25 de Abril, pelo menos a julgar pelas cartas, pouco sabemos sobre o restante grupo. Será mesmo Francisco Alves que, dominando perfeitamente a língua francesa levará a cabo a tradução da “Sociedade do Espectáculo” revista por Afonso Monteiro que, mais dado às deambulações pelos bares de Paris, acabara por estabelecer uma relação mais forte com Guy Debord.
A primeira notícia desses contactos pré-revolução de Abril é-nos revelada através da correspondência trocada com Fernando Ribeiro de Mello, responsável pela Editora Afrodite, culminando a 15 de Maio de 1971 [40], quando se inicia o processo da edição portuguesa do livro “A Sociedade do Espectáculo” [41], que durou mais de um ano.
Carta a Fernando Ribeiro de Mello, 15 de Maio de 1971
“Caro Senhor,
Francisco comunicou-me a vossa carta de 7 de Maio.
Dou-lhe o meu acordo para a edição portuguesa do meu livro ‘A Sociedade do Espectáculo’; com a única condição que o texto publicado seja exactamente o da tradução que vos enviará o meu amigo Alves, sem nenhuma modificação. Eu mesmo colaborei na verificação desta tradução.
Confirmo-lhe que não terá que pagar os direitos de propriedade literária. Concedo-lhe os meus direitos de autor (…).
Com toda a minha simpatia pela sua corajosa iniciativa de edição.
Guy Debord”

Carta a Afonso Monteiro, 14 de Abril de 1972.
“Caro Afonso
(…) Tens novidades do aparecimento do Espectáculo em Lisboa? No próximo livro que irá aparecer – e que tu receberás pelo final do mês – já citei a edição portuguesa como feita. Normalmente publica-se um livro uma dezena de dias depois da correção das provas, e parece-me que Mello já tem as provas há dois meses. Tê-las-á recebido ? Escrevi à Leonor para que ela lhe coloque a questão por telefone. Mas ainda não tive resposta (…)
Amigavelmente a ti e à Antónia.
Guy”



8. Exemplar da primeira edição da Afrodite (M. Ramalho)
9. Revistas nº 10 e 11 da Internacional Situacionista (M. Ramalho)

Publicar um livro com um tal potencial revolucionário seria, à época, algo arriscado, não esqueçamos que, como vimos, ele tinha tido um papel fundamental no eclodir do movimento do Maio de 68. Apesar disso, e tal com é descrito nas folhas da censura depositadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, reveladas neste texto pela primeira vez [42], o seu conteúdo demasiado filosófico contribuiu para que não fosse considerado excessivamente perigoso pelo regime português, que acaba mesmo por autorizar a sua publicação.
Segundo o próprio Debord, a tradução portuguesa foi uma das melhores: “As primeiras traduções foram por todo o lado infiéis e incorrectas, à excepção de Portugal e, talvez, da Dinamarca[43].
O livro, segundo informações dadas por Debord numa carta enviada a Afonso Monteiro, pouco depois da revolução, tinha-se vendido mal nos primeiros anos (1972 e 1973). No entanto, após o 25 de Abril acaba por se esgotar em poucos dias [44].
Na carta enviada a Fernando Ribeiro de Mello, destaque-se também a postura de Debord perante os direitos de autor. Desde o início do seu trabalho como escritor ou estratega político, que Guy nega receber qualquer tipo de retribuição financeira, numa coerência de pensamento que irá manter até ao final da vida [45]. Recusa-se assim a entrar no “mercado da arte”, ser entrevistado, dar aulas ou possuir qualquer outra ocupação que fosse separada daquilo que acreditava, ou apenas daquilo que lhe dava mais prazer. “Ne travaillez Jamais”, no sentido do trabalho alienado – foi a célebre frase escrita por Debord na parede da rue de Seine, em 1963. Debord confessa, no entanto, que era preguiçoso mas, se olharmos para os milhares de fichas de leitura que elaborou ou para a forma como o seu pensamento contribui e continuará a contribuir para a crítica da sociedade em que hoje nos movemos, é possível compreender o verdadeiro sentido da frase.
A forma como a tradução para português do livro a “Sociedade do Espectáculo” chegou a Portugal para ser editada na Afrodite merece aqui uma especial atenção pois, para além de revelar um pouco do ambiente da época, com todas as suas contradições, tem também o interesse de, até ao momento, nunca ter sido relatada. A descrição desta aventura foi-me dada pelos próprios protagonistas, Francisco Alves e Gianfranco Sanguinetti.


10. Folha do relatório dos serviços da censura ao livro “A Sociedade do Espectáculo” (ANTT).

A pedido de Guy Debord, Gianfranco Sanguinetti desloca-se a Portugal em 1971, levando consigo a tradução de Francisco Alves e Afonso Monteiro. A ideia partiu do próprio Debord por considerar demasiado arriscado enviar o documento por alguém que não fosse de inteira confiança. O conteúdo subversivo e a existência de censura e polícia política eram, obviamente, a razão desta desconfiança.
Sanguinetti, de origem aristocrática, encontrava-se envolvido, desde pelo menos finais dos anos 60, com a I.S. sendo mesmo um dos melhores amigos de Guy Debord até pelo menos 1978 [46]. É ele então que se desloca a Portugal, paradoxalmente ao volante de um Bentley azul e branco, modelo Mark VI de 1951, carro este que, segundo o próprio, serviria também para despistar as autoridades. Dessa viagem pouco retém mas, quando chega a Portugal pressente que o ambiente era já de “fim de regime”. O carro avaria em Lisboa e por aí fica cerca de um ano pois Gianfranco não tinha na altura a quantia exorbitante que os mecânicos lhe pediam. Assim, Gianfranco é obrigado a voltar a Portugal exigindo que o carro lhe fosse entregue tal como estava, contando expedi-lo de barco para França, país de onde tinha sido recentemente deportado, pelo envolvimento em acções consideradas subversivas mas que jamais tinham assumido qualquer forma daquilo que se poderia considerar “terrorismo”. Ao invés, como Debord em França, Sanguinetti seria um dos mais incómodos denunciantes daquilo que tem sido uma característica de muitos Estados contemporâneos: o de estarem frequentemente envolvidos em formas violentas de actuação (Terrorismo de Estado).
Após retirar o carro da oficina, procura embarcar no próximo navio que partia nesse mesmo dia de Lisboa às 18h, tendo no entanto sido informado que tal não era possível por não possuir os papéis considerados obrigatórios. É então que Gianfranco, provando uma vez mais como gosta de subverter e gozar com as situações, resolve ligar directamente para a Presidência do Conselho de Ministros e, fazendo-se passar por amigo da filha de Marcelo Caetano, pede a um dos seus secretário que ligasse directamente para o responsável da alfândega, um tal Sr. Martins, de modo a libertar o carro o que realmente veio a acontecer mesmo nos últimos minutos.

O primeiro contacto de Guy Debord após o 25 de Abril é feito no final desse mesmo mês através de telegrama dirigido a Afonso Monteiro:
“Em Paris telefone 278 30 26 até terça inclusive — Stop — Es kommt der Sieg es kommt der Tag (Chega a Vitória, chega o dia) [47]— Stop — Amizade.
Debord”
Provando o quanto a Revolução de Abril impressionou Guy Debord, veja-se uma das muitas fichas que utilizou para preparar os seus trabalhos, neste caso a realização da curta-metragem “Réfutation de toutes les jugements, tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici portes sur le film La Société du Spectacle”, produzida em Outubro de 1975. Aqui o autor refere que, entre as imagens que queria utilizar, estava o “Máximo de imagens sobre Portugal – nomeadamente à volta das seguintes datas: 25 Abril 74 – 28 Setembro 74 – manifestação operária de 7 Fevereiro 75 (se ela tiver sido filmada) – 11 Março 75 – Junho 75, e sobretudo a manifestação operária de 17 Junho. (ter multidão, soldados, marinheiros, tanques, generais, Cunhal e Soares: todas as imagens de motins e combates nas ruas são bem-vindas) ” [48].
De facto, este filme integra um conjunto muito expressivo de imagens do 25 de Abril mas que, sem uma análise exaustiva não é hoje possível saber até que ponto são inéditas. Pelo que se conhece através cartas trocadas com Eduardo Rothe, Debord terá solicitado que ele procurasse ter acesso às imagens que nesse preciso momento estariam a ser captadas.



11. 1º de Maio de 1974 (Editorial o Século)
12. Cartaz inspirado na têmpera de Vieira da Silva de 1975 (Edição da FCG)

Carta de Guy Debord a Afonso Monteiro, 8 de Maio de 1974
“Em Portugal agora, tudo pode acontecer, mas não de qualquer maneira. A beleza barroca da situação presente - que, enquanto tal, não pode evidentemente durar – parece-me um produto da extrema miséria objectiva do poder português mais do que uma extrema tolice dos vossos capitalistas ou do general Spínola”.

Debord relata ao longo das cartas endereçadas a diversos amigos, mas sobretudo a Afonso Monteiro e Eduardo Rothe, o quanto lhe interessava o que se passava em Portugal, e o verdadeiro desejo que a situação não evoluísse para uma tomada de poder por parte daqueles que considerava serem os opositores ao verdadeiro espírito revolucionário, que se fomentassem greves selvagens (greves realizadas fora da alçada dos Sindicatos) e que fosse possível instaurar aquilo que ele sempre defendeu, um regime assente nos Conselhos Operários. “Somente ali, onde os indivíduos estão «directamente ligados à história universal»; somente ali, onde o diálogo se estabeleceu para fazer vingar as suas próprias condições” [49].
Este entusiasmo mas, ao mesmo tempo esta desconfiança, ficam bem expressos numa carta enviada a Jacques Le Glou [50] a 6 de Maio de 1974: “Portugueses telefonam-me esperando que surja agora o filme [51] em Portugal, aproveitando a «democracia» actual. Podemos nos perguntar se eles terão tempo”.
Ou ainda noutra endereçada a Eduardo Rothe em Junho de 1974: “(…) o actual poder português entra bem jovem , num espectáculo bem velho. E mais à frente ainda: Espero de vós novidades mais recentes sobre tudo o que acontece. Viva o Conselho para o desenvolvimento da revolução social! [52] Eis a palavra de ordem para período presente e a bandeira do «nosso partido» ”.
Também numa carta datada de Maio de 1974, Debord afirma que o seu editor, certamente Gérard Lebovici [53], estaria disponível para editar um “Aviso aos Proletários Portugueses” entre outras coisas. Julgamos que esta publicação não terá ocorrido mantendo-se “A Sociedade do Espectáculo” a única obra editada em Portugal onde Debord se envolveu directamente na coordenação.
Depreende-se também pela leitura da correspondência que Debord não só estava muito bem informado do que se passava, como de certa forma dirigiu ou pelo menos procurou influenciar, algumas iniciativas tomadas pelo grupo estabelecido em Portugal. De facto, a posição com a qual ele mais se identificava era a de estratega [54], incitando os camaradas como Rothe a aproximarem-se mais dos trabalhadores, numa luta que, a determinado momento, teria como objectivo combater tanto o General Spínola que considerava ser o regresso anacrónico de um novo poder a uma ordem política decadente, como os estalinistas. Por exemplo, são diversas as vezes que Debord se lamenta dos seus companheiros portugueses não o terem convocado a ir a Portugal antes do 28 de Setembro ou seja, antes da manifestação da Maioria Silenciosa para que ele, de alguma forma, pudesse ter auxiliado directamente o movimento.
Ainda na carta a Afonso Monteiro de 8 de Maio de 1974 retiramos mais esta interessante passagem onde Debord, para além de analisar a situação portuguesa, aponta para a estratégia que deveria ser adoptada:
“De momento, as massas não estão armadas senão de esperança e, espero, de exigências. Muito vai depender da qualidade destas exigências. A atmosfera actual parece-me assemelhar-se bem mais do que a Maio de 68 ou a Budapest, à libertação de Paris em 44, ou ao norte de Itália em 45. O fim do fascismo e da Gestapo, a caça aos colaboradores, etc. Mas então a reafirmação de um Estado «democrático» defendido pelos estalinistas bastou para dissolver rapidamente qualquer aspecto revolucionário; embora nas circunstâncias que evoco tenha existido um grande número de partisans armados, que acabavam de combater eles próprios numa série de insurreições locais vitoriosas (mas sendo também ajudados pela presença de exércitos regulares nacionais ou aliados, que pesavam também no sentido da velha ordem). Até agora Portugal conhece uma «Libertação», não uma revolução. Contudo, se a festa não servir absolutamente para caracterizar uma revolução, ela apresenta muitas possibilidades, pelo simples facto de existir tal como é. (…)
O jogo do capitalismo português é mau, também por causa das condições gerais do mundo no qual ele se produz. O atraso de Portugal fá-lo chegar agora ao período europeu de 1944-45. Mas o mundo nascido agora justamente desmoronou entre 1968 e este ano. A modernização que visa Portugal é já um anacronismo lá fora. O Mercado Comum, sonho de toda a tecnocracia ibérica, está em vias de se dissolver sobre o efeito da crise energética, e já da economia. (…)
O objectivo principal dos revolucionários portugueses deverá ser então: fazer da situação actual uma verdadeira revolução do nosso tempo. Eles devem, denunciando o espectáculo mundial, e o «espectáculo revolucionário» do nascimento depois do prazo de uma democracia burguesa, expor o programa mínimo de uma tal revolução. Este programa mínimo depressa se encontra: é tudo o que pode ser feito, dito e escrito, de mais avançado no mundo durante estes últimos dez anos. Mas sobretudo: a exposição de uma perspectiva revolucionária deve consistir sempre em descrever e explicar o que se passa dia após dia, e jamais se contentar do ridículo de proclamar abstractamente objectivos gerais.”

Carta de Guy Debord a Afonso Monteiro, 12 de Junho de 1974
“Teremos tempo? É agora que o proletariado deve dizer abertamente aquilo que ele é o único a poder pensar.
«Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças…» [55]
Envia-me as recentes novidades, e tudo o que vocês publicam. (Começo a ler o português nos poetas que tu me deste).
Até breve. Beijos nossos a A. (Antónia) e L. (Leonor), e também R. (Rita, filha de Afonso e Antónia) que deve estar a instruir-se neste momento. Amizade 
 Glaucos” [56]

Carta de Guy Debord a Eduardo Rothe, 26 Junho de 1974
“Caro Rayo, caros camaradas,
(…) Presentemente, suponho que vocês estarão em contacto com os trabalhadores revolucionários.
Se os trabalhadores não conseguirem neste momento constituir as suas próprias ligações (não apenas nas manifestações de rua ou nas greves, mas nas assembleias de fábricas e de bairro) o movimento será vencido.
O tempo está contado. A situação actual não pode durar, nem para os revolucionários, nem para Spínola. Se a repressão se acentua sem que os trabalhadores tenham ido mais longe, o tempo vai começar a trabalhar contra nós, e talvez ele trabalhe muito rapidamente.
Os estalinistas darão a caução moral à luta contra a revolução, e um pequeno número de polícias, por exemplo militares, poderão ser suficientes, neste estado para serem o «braço secular» da caça aos extremistas, aos «heréticos» desta estranha teologia do Mistério da Democracia sobre a forma trinitária do Spínola-o-Pai, Cunhal-o-filho e o Espírito Santo do Mercado Comum.
(…) Mas «os factos têm a cabeça dura», e o actual poder português entra, bem jovem, num espectáculo bem velho”.

Depois de um longo período sem Debord receber notícias do que se estava a passar em Portugal, chegando mesmo a queixar-se dessa situação, é numa carta a Afonso Monteiro, datada de 24 de Fevereiro de 1975, que ficamos a saber como ele tinha tido conhecimento da manifestação de 7 de Fevereiro de 1975 e da forma como esse acontecimento o tinha deixado entusiasmado, afirmando mesmo que esta demonstração popular representava uma enorme esperança no que poderia vir a ser o processo revolucionário em Portugal:
“É claro que jamais o proletariado moderno até agora foi tão longe, nem mesmo na Hungria onde tantos factores estrangeiros falseavam o jogo.
(…) Em todo o caso, o ponto alcançado deve já conter um ensinamento que nunca pode ser observado em parte alguma no mundo depois que desenvolvemos a nova teoria da revolução.
(…) Nós somos susceptíveis de amizade, de justiça, de compaixão, de razão. E é porque eles dizem isso que os operários portugueses são um escândalo e uma abominação para todas as classes proprietárias do mundo, que devem por isso abatê-los o mais cedo por todos os meios.”

Tratou-se de uma importante manifestação que reuniu um número impressionante de pessoas, juntando a esquerda mais radical e grande quantidade de operários, numa demonstração de repúdio pela intenção da NATO intervir em Portugal entre outras reivindicações. É nesta ocasião que se assiste a uma estranha união entre os maiores partidos existentes à data em Portugal o PSD o PS e o PC – no sentido de tentarem sabotar de todas as formas a manifestação convocada. O que ficou claro para todos com esta demonstração popular e que julgo tanto entusiasmou Debord, foi verificar-se que o partido comunista não conseguia dominar por completo o conjunto da classe operária.
Mais tarde, a 19 de Outubro de 1975, logo após a nomeação de Costa Gomes como presidente da República, Debord escreve uma canção dedicada à Revolução Portuguesa, precisando que deveria ser entoada à maneira da célebre canção do “Desertor” de Boris Vian:



13. Grafiti de 1975, o único que encontrei de inspiração situacionista (Edições Sérgio Guimarães).
14. Imagem da Revista Internacional Situacionista nº 9.

“O Lamento de Costa Gomes
Senhor de Carvalho enviou-me uma carta
Que talvez leia
Se me derem tempo
Ele quer que eu conclua a questão proletária
A História e os seus mistérios
Antes de quarta-feira à noite
General Carvalho, eu não o posso fazer
Eu sou um militar
Muito pouco inteligente
Ninguém melhor que eu é revolucionário
Se a tarefa é leve
Gostaria de vos ver lá
Já vi caçar tantos proprietários
Generais, presidentes de Câmaras
E governos
Eu vi escapar-nos fábricas inteiras
A marinha de guerra
E tantos regimentos
Sem Vasco, sem Cunhal, não teríamos nada na Terra
Nem protectores, nem pais
No mais fundo dos nossos tormentos
A sociedade de classes um pouco por todo o lado se altera
O burocrata austero
Fica seu defensor
Quem poderá melhor travar a ofensiva operária
Com três ministérios
E com jornais mentirosos?
Se você não gostar disto, peça ao Neves
Quantos soldados lhe deixam
E quantos padres?
E diga francamente atendendo à pressa
Será por um triz
E é necessário ser rápido!”


15. Leonor Gouveia e António Beringela, actor secundário que participou em vários filmes portugueses dos anos 70 (álbum pessoal)
16. Leonor Gouveia (álbum pessoal)

Outro dado interessante nas “cartas portuguesas“ de Guy Debord, é a presença de uma figura tão encantadora como misteriosa, uma tal Leonor Gouveia que terá passado por Paris antes do 25 de Abril, e a quem Guy demonstra uma especial afeição, senão mesmo uma certa paixão, lembrando-se sempre dela no final das cartas, enviando lembranças carinhosas, pedindo para lhe dizerem o quanto a amava ou como não esquecia a sua voz. As referências a Leonor começam em 1972 e terminam em 1975 quando Leonor morre e Debord corta definitivamente com os pro-situs portugueses.
Leonor Gouveia, cujos pais se encontravam em Lourenço Marques, vivia no início dos anos 70 com a irmã na Avenida Santos Dumond em Lisboa, perto da Praça de Espanha, num edifício que teria sido erguido pouco tempo antes. Leonor veio para Lisboa estudar, frequentando o curso de românicas na Faculdade de Letras.
Segundo um amigo chegado [57], Leonor tinha um grande carisma e uma inteligência e sensibilidade muito especiais. Juntando a estes testemunhos posso afirmar também que, pelo que transparece nos retratos do seu álbum pessoal que um dia tive a felicidade de folhear, Leonor era um ser “solar” que irradiava aquela energia tão própria de uma pessoa livre e destemida.
Numa das cartas a Eduardo Rothe, datada de 8 de Maio de 1974, Guy Debord enaltece assim as qualidades de Leonor:
“Gianfranco pode dizer-te quanto ela é charmosa, e da minha parte Celeste pode ser colocada à parte, nunca vi nada de mais belo na Europa nos dois últimos anos.”


17. “Documento indestrutível” feito por Alice e Debord dedicado a Leonor (Espólio de Leonor Gouveia). “Cara Leonor, Como tu és uma historiadora, enviamos-te um documento indestrutível para reafirmar quanto nos agradaste. Queríamos ver-te brevemente, em Lisboa ou aqui. Enviamos-te hoje um livro, e o mesmo à Antónia. Escreve-nos, com a tua bela escrita misteriosa. Nós amamos-te. Alice, Guy”
18. Cartão de Debord enviado a Francisco Alves e Afonso Monteiro (Espólio de F. Alves). “ Segunda 17 Janeiro. Caro Chico, caro Afonso, Querem vir jantar na quinta-feira 27 às 19 horas? Espero que tenham trabalhado bem. Da minha parta, continuo inconsolável da partida da Leonor! Guy”.

Guy Debord gostava de tratar Leonor como a “Celeste de Lisboa”. Celeste porque em Itália, país onde Guy também viveu [58], existia outra linda mulher, algo semelhante a Leonor. Esta Celeste italiana foi inclusivamente namorada de Gianfranco Sanguinetti. 
Segundo Sanguinetti, Leonor era uma mulher frágil, de baixa estatura, loura, muito atraente e com grande presença. Também Leonor, tal como Afonso Monteiro, partilhava com Debord o gosto da bebida em excesso.
Mais tarde, é também numa carta a Gianfranco, datada de Outubro de 1975, que ficamos a saber o quanto Debord lamentava a morte prematura de Leonor que, pelo que pude apurar junto de um antigo amigo, aconteceu na África do Sul e não em Moçambique.

Carta a Gianfranco Sanguinetti, 31 de Outubro de 19 75
“Caro Gianfranco,
Uma Portuguesa veio ontem ver-me. Entre uma dúzia de estúpidos sofismas destinados a levar-me por um tempo a Lisboa para redourar um pouco o seu brasão revolucionário, soube da desastrosa notícia. Leonor morreu em Moçambique de malária – agravada evidentemente pelo seu estado de alcoolismo avançado. Lembrei-me que tu disseste que nós deveríamos passar em Portugal para ir buscar Leonor, que era tudo o que havia de bom naquele bando. É assim, que esta derradeira estrela se apaga.
Esperando ver-te em breve. Amizade
Guy, Alice (que acrescenta: «É para nós que se abrem as portas do inferno. Um inferno sem Leonor!»)”.

4. O Desencanto
“Desde as revoluções burguesas nenhuma revolução teve êxito: nenhuma aboliu as classes. A revolução proletária, até hoje, não venceu em parte alguma; mas o processo prático através do qual o seu projecto se manifesta já criou uma dezena, pelo menos, de momentos revolucionários de extrema importância histórica, a qual se convencionou dar o nome de revolução.” [59]
Em Março de 1975, numa carta a Afonso Monteiro, Debord parecia já não acreditar na vitória da revolução portuguesa, ao mesmo tempo que começa também a demonstrar uma certa descrença na acção do grupo português que, com Monteiro à cabeça, não tinha conseguido ter um papel relevante no processo revolucionário em curso:
“Caro Ulisses (pseudónimo que Debord encontrou para Afonso Monteiro)
 (…) 1. Portugal conhece actualmente uma revolução proletária; e ela será quase de certeza derrotada.
(…) 2. A vossa acção pública no movimento ficou aquém do que poderia ter sido feito, porque vocês tomaram posições excelentes, mas muito raramente.
Afectuosamente a todos,
Glaucos”

Observa-se, ao longo das diversas cartas, que uma das estratégias de Debord era a edição de material que, de algum modo, pudesse divulgar o pensamento situacionista, uma posição que manterá ao longo da sua vida – uma crença absoluta no poder da palavra – crença que se vê também tanto nos filmes, como nas poucas obras “artísticas” que produziu, por exemplo nas pinturas com as cinco directivas [60], ou mesmo no material gráfico que foi utilizado para transmitir mensagens de apelo à desordem.
O desencanto e de certa forma o corte com o grupo de camaradas portugueses, dá-se pouco depois da notícia da morte de Leonor, como se esta, ao morrer, morresse também a esperança na Revolução. Assim, após a carta que envia a Gianfranco, a 31 de Outubro de 75, onde lhe dá conhecimento da notícia do falecimento de Leonor, Guy redige, a 15 de Novembro de 1975, uma longa missiva a Afonso Monteiro, aos amigos e todas a as pessoas interessadas (omite a palavra camaradas não sem intenção), expressando então, de forma violenta, o seu desagrado por tudo o que se estava a passar no grupo. Começa por aludir à questão da sua suposta ida a Portugal, na sequência de um convite feito pelo grupo de portugueses, e como lhe desagradava que pensassem que ele poderia encarnar o papel de líder, quando o que ele queria era apenas contribuir como “analista das relações de força em jogo e como especialista militar”. Critica a passividade e um certo ar de triunfalismo latente nos portugueses, segundo Debord sem nenhuma razão:
“Em nome de quê me pedem para vos ajudar, vocês que não julgaram útil ajudar mais o proletariado português? Porque é que deveria fazer por vocês aquilo que vocês não estimaram fazer pelos trabalhadores? E se vocês pensam que estes trabalhadores, tendo todos exactamente cada dia o máximo de consciência possível da sua situação e da sua acção imaginável e praticável, sem necessitar de vocês, então que necessidade têm vocês de mim, para ajudar gloriosamente a não fazer girar a quinta roda da carroça [61] do triunfo proletário.
Eu resumo: a partir da posição, certamente a mais avançada de todo o movimento, que vocês tiveram no verão de 1974, o pouco que vocês fizeram, e a risível maneira como vocês teorizaram esse género de atitude e o resultado, certamente não me permitem aprovar a vossa política «completamente má», no sentido de Hegel: «Porque é bem necessário designar como má uma obra que não é obra nenhuma».
De acordo intimo com a qualidade da vossa operação histórica, a atmosfera do vosso grupo, tendo em conta os ecos que me chegam, é lamentável, nada foi colectivamente conduzido para tirar partido daquilo que poderia lá estar, eliminando logo a seguir, com razões firmemente dadas, aqueles que manifestamente não deveriam ou que aí não deveriam estar.”
Confirmando a ideia que, de certa forma, a figura de Leonor é simbólica na relação que Debord estabelecera com Portugal, veja-se, ainda na mesma carta, a seguinte passagem:
"Existem pessoas, para mim em muito pequeno número, que merecem ser seguidas de longe, e sem outras boas razões, simplesmente porque se reconhece nelas uma certa qualidade de vida possível (e então, é exactamente como as revoluções, é preciso fazer por elas tudo o que efectivamente podermos). E para dar apenas um exemplo que se aplica à circunstância, em Portugal segundo a minha opinião, era Leonor que correspondia a esta definição. Mas disseram-me que ela morreu em Moçambique, o que é uma outra prova do facto que nem toda gente achou que deveria viver convosco a revolução em Lisboa.
Guy Debord (Glaucos)”


19. As cinco directivas de Debord, manuscrito de 1963 (BNF). “Os 5 slogans em Odense (1963). Directivas n.ºs 1. SUPERAÇÃO DA ARTE; 2. REALIZAÇÃO DA FILOSOFIA; 3. TODOS CONTRA O ESPECTÁCULO; 4. (sobre Gallizio) ABOLIÇÃO DO TRABALHO ALIENADO; 5. NÃO A TODOS OS ESPECIALISTAS DO PODER. CONSELHOS OPERÁRIOS POR TODA A PARTE.”

5. Para quem sabe “ouvir a erva a crescer”. [62]
Julgo, que o fascínio que continua a exercer o pensamento situacionista e particularmente o de Guy Debord deve-se a uma série de circunstâncias, entre os quais a convergência das ideias expressas em textos, filmes, cartazes etc. e a vida que escolheu levar, no caso de Debord, uma estranha combinação entre o severo, formal e aristocrático e o máximo de ardor revolucionário de cariz proletário, associado também ao apelo constante à aventura, ao desregramento e ao hedonismo. O seu lado romântico e sedutor, encantaria certamente também muitos dos que o rodeavam. Num olhar quase arqueológico sobre todas imagens que pude obter onde Debord aparece acompanhado, quer nos filmes como nas fotografias, assinalo a forma intensa, delicada e carinhosa como ele se relaciona com as mulheres, o modo como pousa a mão nos seus ombros, como as envolve, como as observa… Debord, como muitos sedutores carismáticos, parecia prometer a todos os que o que o queriam acompanhar, uma vida repleta de aventuras. Haverá algo mais sedutor do que isso?

20. Debord apresenta no livro Panégyrique (Tomo II) esta enigmática fotografia da sua mão.

É impossível não ver como um pessimismo sombrio perpassa as últimas análises que Debord faz da sociedade em meados dos anos 90, altura em que prefere a morte à vida que tanto amou pois, segundo as suas palavras: “Em toda a doença incurável, muito se ganha não tentando a cura.” [63] Esta perspectiva sombria parece continuar a perseguir-nos quando olharmos à nossa volta passados já catorze anos de um novo século, como continua a engordar o Espectáculo Integrado que agora, como jamais, ocupa todos os pequenos espaços da sociedade, num sistema globalizado que, cada vez mais, dispensa o próprio homem.
O espectador quanto mais comtempla, menos vive, quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes menos compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo [64], isto é tão mais real quando sabemos que uma imensa maioria de jovens (ou menos jovens) transportam agora nos seus bolsos o perfeito dispositivo de alienação, um aparelho móvel com acesso permanente a todas as redes, a todas as páginas de milhares de outros seres que constroem sobre si próprios imagens idealizadas. Através deste gadget (expressão efectiva de que, no momento em que a massa das mercadorias cai na aberração, o próprio aberrante se torna uma mercadoria especial [65]), consomem-se diariamente milhares de informações falsas ou deturpadas. Paradoxalmente, apesar de se saber que estes pequenos aparelhos constituem as mais perfeitas câmaras de vigilância, julga-se que um dia se poderá com eles provocar uma revolução ou então, à falta de melhor, talvez fazer-se fotografar em ambiente revolucionário para que, nesse mesmo instante, essa imagem seja transmitida a todas as redes e órgãos de comunicação social que hoje, mais do que nunca, representam o meio que permite à administração do sistema prosseguir esta administração determinada [66]. Com dizia Debord, “antigamente apenas se conspirava contra uma ordem estabelecida. Hoje conspirar a seu favor é uma nova profissão em grande desenvolvimento”. [67]
Apropriarmo-nos da nossa vida, da nossa própria natureza significa, antes de mais, apropriarmo-nos do tempo, do facto de sermos um ser histórico, algo que o tempo-mercadoria e o espectáculo nos negam continuamente, imiscuindo-se em cada parcela do nosso quotidiano. Desta forma, o dia, a noite, o tempo de lazer, o tempo de férias tudo, enfim, acabam por resultar em momentos abstractamente iguais entre si, distinguindo-se apenas pelo seu maior ou menor valor como mercadoria: “O fim da história é um agradável repouso para todo o poder presente. Garante-lhe absolutamente o êxito do conjunto das suas iniciativas, ou pelo menos o ruído do êxito”. [68]
Muito para além de acreditar numa “imagem” de sociedade justa sem classes, num ideal longínquo de felicidade onde não haverá sofrimento, explorados ou desigualdades, julgo que o que o pensamento situacionista nos aponta é que a mudança pode começar a cada momento, no aqui e agora, uma via que, do meu ponto de vista, será muito mais solitária do que passível de alguma vez ser publicitada ou compreendida em grande escala e transmitida às massas, pois afinal “a vitória será daqueles que souberem provocar a desordem sem a amar [69].
“Todas as revoluções penetram na história, e nem por isso a história está pejada delas; os rios das revoluções voltam onde começaram, para de novo fluírem”. [70]
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Referências
1. Agradeço o envio de qualquer contributo sobre este tema. Contacto: mariabaptistaramalho@hotmail.com.
2. Debord, G. - Panegírico, Tomo I, original de 1989. Lisboa: Antígona, 1995, p. 24
3. Membros da “Internacional Situacionista”, denominação de um movimento de vanguarda nascido em Itália, no decorrer de uma conferência organizada por um pequeno grupo de artistas e intelectuais em 1957 em Cosio d’Arroscia (Ligúria). Guy Debord surge no grupo dos fundadores e será mais tarde responsável, juntamente com Gianfranco Sanguinetti, pela sua dissolução.
4. Internacional Situacionista-Antologia. Lisboa: Antígona, 1997.
5. Guy Debord. Un art de la guerre. Paris: Bibliothèque nationale de France. Gallimard, 2013, p. 204.
6. Eduardo Rothe, venezuelano, iniciou muito cedo, com apenas 15 anos, a sua actividade como militante de diferentes partidos radicais de esquerda, tanto na Europa, como na América do Sul. Veio para Portugal numa altura em que integrava a I.S. de modo a participar no pós-25 de Abril, chegando mesmo a ter um filho de uma portuguesa. Nos últimos anos envolveu-se directamente na política activa, tendo inclusivamente pertencido ao governo de Hugo Chavez.
7. Sociedade do Espectáculo foi um conceito criado por Guy Debord que dará origem, em 1967, ao seu mais célebre livro e, em 1973 ao filme com o mesmo nome. Edição consultada: Debord, G. - A Sociedade do Espectáculo, Lisboa: Antígona, 2012. Muito resumidamente, segundo G. Debord a sociedade transformou-se no reino autocrático da economia mercantil onde tudo o que era outrora vivido directamente se afastou numa representação e nada mais resta ao homem que transformar-se num espectador de um espectáculo que hoje abrange a totalidade da nossa sociedade (o Espectacular Integrado): “quem olha sempre para saber a continuação jamais agirá”. Esse é, segundo G. Debord o principal objectivo do poder instalado que recorre essencialmente a 5 princípios para se manter: Inovação tecnológica; fusão da economia e do estado; segredo generalizado; falsificação e afirmação do presente perpétuo. In Debord, G. - Comentários sobre a Sociedade do Espectáculo. Prefácio à quinta edição italiana de “A Sociedade do Espectáculo”. Lisboa: mobilis in mobile, 1995.
8. Principal membro da secção da Internacional Situacionista em Itália.
9. Guy Debord e Gianfranco Sanguinetti, “Détournement” de uma bela frase de K. Marx “, retirado do texto Debord, G.; Sanguinetti, G. - La véritable scision dans L’internationale. Circulaire Publique de L’Internationale Situacioniste, Paris: Éditions Champ Libre, 1982. Primeira edição de 1972, p. 322.
10. Revista I.S. nº 9, O Questionário, 1964. In Antologia, p. 159.
11. Revista publicada entre 1958 e 1969, num total de doze números. Possível consultar em: http://www.larevuedesressources.org.
12. Op. cit.
13. Tradução efectuada pela autora com a inestimável ajuda de Francisco Alves.
14. Neste conjunto de filmes acessível na net e na colecção de DVD da Columbia - Tristar Home Video, inclui-se também o documentário “Guy Debord, sont art, son temps”, realizado por Brigitte Cornand para o canal + francês. Sabe-se que este filme foi de facto também dirigido pelo próprio Debord, em vésperas do seu suicídio em Novembro de 1994, tendo pouco tempo depois sido apresentado na televisão (Janeiro de 1995). Uma vez mais observa-se que mesmo numa situação limite, Debord agia sempre como estratega.
15. Documento dactilografado sobre o filme. In Guy Debord, Un art de la guerre, p. 192.
16. Op. cit.
17. Francisco Alves, arqueólogo português com notável carreira na área da arqueologia naval e subaquática, tradutor do livro “A Sociedade do Espectáculo”, edição da Afrodite de 1972.  
18. Expressão utilizada por Alexander Trocchi no seu interessante artigo “ Technique du coup du monde”, para designar o grupo-piloto que deveria iniciar a experiência de uma “Universidade Espontânea” onde a arte e a vida não se encontrassem separadas. In I.S. nº 8, p. 53.
19. Paneg. Tomo 1, p. 21.
20. Idem, p. 35.
21. A Internacional Letrista foi fundada em 1952 por Isidore Isou, cidadão romeno estabelecido em Paris no pós-guerra. Esta corrente artística que recebe igualmente as influências dos Dadaístas e dos primeiros Surrealistas, propõe uma inversão total dos conceitos de arte a partir da destruição do existente e da reconstrução de algo de novo, propondo diversas formas de acção que serão fundamentais no pensamento situacionista, nomeadamente o conceito de “Détournement”, de difícil tradução para português mas que poderá ser entendido como desvio, reaproveitamento de ideias, conceitos, princípios existentes para construir algo de novo; Superação da divisão entre vida e arte, o “Dépassement de L’art” directiva nº 1 de Debord (óleo sobre tela de 1963) e ainda a criação de escândalos como forma de chamar a atenção para as ideias que se defendem, aproveitadas mais tarde pelos Situacionistas que aliás vão buscar o seu nome exactamente a este conceito de criação de situações como forma de expressão.
22. Paneg, Tomo 1, p. 38.
23. Idem, p. 39.
24. Guy Debord. Un art de la guerre, p. 163 e 164.
25. Paneg. Tomo 1, p. 48.
26. Estamos na época em que o General de Gaulle e Georges Pompidou implementavam o “plan d'aménagement et d'urbanisme de la région parisienne”. 
27. Paneg. Tomo 1, p. 75.
28. Idem, p. 49.
29. I.S. nº 8, “all the king’s men”, Jan 63. In Antologia, p. 145.
30. I.S. n.º 9, Agosto 64. In Antologia, p. 161.
31. I.S. n.º  6, Agosto 61. In Antologia, p. 64
32. I.S. n.º 9, Agosto 64. In Antologia, p. 164.
33. Uma das máximas dos estudantes de Strasbourg. In Guy Debord. Un art de la guerre, p.57.
34. Filósofo alemão e principal estudioso da obra e vida de G. Debord.
35. Jappe, A. - Guy Debord. Lisboa: Antígona, 2008, p. 104.
36. I.S. nº 11, 1967, p. 30.
37. All the king’s men I. S. nº 8, 1963. In Antologia, p.142.
38. Toda a correspondência foi traduzida pela autora. Cópia destas cartas foi em tempos descarregada da internet do sítio: http://juralibertaire.over-blog.com/article-revolution-portugaise-mode-d-emploi-41903624.html. Actualmente esta página já não apresenta a totalidade da correspondência que foi possível aceder na altura. De qualquer modo elas também se encontram publicadas em Correspondance: Janvier 1973 - Décembre 1978, volume 5, Edição da Fayard, 2005.
39. Infelizmente Afonso e Antónia já faleceram, deixando um vazio difícil de preencher no que toca à recolha de mais informações sobre a relação dos Situacionistas com o Portugal de Abril.
40. Editora fundada em 1965 que desde sempre se dedicou a divulgar temas considerados subversivos para a época.
41. A Sociedade do Espectáculo, tradução de Francisco Alves e Afonso Monteiro, Colecção Ensaio/Documentos, nº 2, Lisboa: Edições Afrodite, 1972.
42. Agradeço muito a Pedro Marques que gentilmente me enviou esta sua descoberta.
43. Comentários (…), p. 111.
44. Carta de Guy Debord a Afonso Monteiro, 12 de Junho de 1974. Au Portugal, l’édition du Spectacle, qui s’était mal vendue depuis deux ans, a été épuisée en quelques jours en mai. (…).
45. Infelizmente esta postura foi colocada em causa tanto pela herdeira Alice Becker-Ho sua viúva, como pela Biblioteca Nacional de França, actual detentora do espólio pessoal.
46. Data em que termina a longa série de troca de correspondência entre os dois, ver: http://www.notbored.org/debord.html.
47. Esta frase em alemão inspira-se, segundo o que me foi possível apurar, num poema de Bertolt Brecht inserido na Mãe Coragem.
48. Manuscrito dactilografado in Guy Debord- Un Art de la Guerre, p. 192. Este filme como todos os outros estão disponíveis na net: http://www.youtube.com/watch?v=3sJ97CAlrko.
49. Última frase do livro S.E, p. 137.
50. Produtor de cinema francês que conviveu de perto com Debord.
51. Filme “A Sociedade do Espectáculo” realizado por Debord em 1973.
52. Em português no original.
53. Gérard Lebovici, empresário e produtor de filmes, assassinado em 1984, era um grande admirador de Guy Debord que lhe retribuía a estima de igual modo. Lebovici abriu mesmo uma sala de cinema – Studio Cujas - no Quartier Latin, para passar apenas os filmes de Debord em contínuo, tal era forma apaixonada como encarava a sua obra. Quando Lebovici é assassinado, surgem diversas insinuações sobre o envolvimento de Debord o que o próprio refutou de forma emocionada em “Considérations sur l'assassinat de Gérard Lebovici”, dispondo-se pela primeira vez a defender a sua honra dentro do sistema, ou seja, pondo uma acção em tribunal contra quem o difamou, acção esta que acabou por ganhar.
54. Ver Agamben, G. – O cinema de Guy Debord. In http://pt.scribd.com/doc/72289259/AGAMBEN-Giorgio-O-Cinema-de-Guy-Debord.
55. Em português no original.
56. Guy Debord várias vezes utilizou pseudónimos. Neste caso Glaucos corresponde a uma divindade grega ligada ao mar. Na minha opinião, Debord terá escolhido este pseudónimo tendo em conta as considerações de Rosseau sobre este deus. Rosseau comparava o ser humano a uma estátua de Glaucos que, depois de ter passado muito tempo debaixo de água, ficava repleta de concreções, algas e detritos. Restituir o que era o estado original da estátua ou do homem submetido às adulterações que a sociedade nele provoca será o objectivo principal a alcançar. Julgo que esta ideia revela muito do pensamento mais profundo de Debord e, de certo modo também, como ele se posicionava face aos restantes seres humanos. Uma curiosa crença na pureza original do homem e, consequentemente, na possibilidade de redenção. Debord, ao assumir este nome, colocava-se também numa posição à parte - o Deus Glaucos - aquele se salvou e que de alguma forma também estaria destinado a apontar o caminho da “salvação”.
57. Agradeço muitíssimo a Fernando Casanova por me ter possibilitado contactar directamente com o espólio de Leonor. Foram emoções inesquecíveis.
58. Vive em Florença em 1972.
59. Artigo não assinado, I.S. nº 12, 1969. In Antologia, p. 278,
60. As cinco directivas executadas por Debord em óleo sobre tela são: 1. Dépassement de l’Art, 2 ; Réalisation de la philosophie ; 3. Tous contre le spectacle” ; 4. Abolition du travail aliéné, e 5. Non a tous les spécialistes du pouvoir. Les conseils ouvriers partout.
61. Expressão usada para definir uma pessoa considerada inútil.
62. “Para quem sabe «ouvir a erva a crescer», essa vitória é também indiscutível. A teoria da I.S. transmitiu-se às massas. Já não pode ser liquidada na na sua primitiva solidão. É óbvio que pode ainda ser falsificada, mas em condições muito diferentes”. Teses sobre a Internacional Situacionista e o seu tempo, Guy Debord e Gianfranco Sanguinetti. In Antologia, p. 322 e 333.
63. Filme Guy Debord, sont art, son temps.
64. S.E., p. 18.
65. S.E., p. 39.
66. S.E., p. 15.
67. Comentários (…), p. 90.
68. Comentários (…), p. 27.
69. Debord, G. - Thèses sur la Révolution Culturelle. In I.S., nº I (edição original), p. 21.
70. Paneg., Tomo Primeiro, p. 31 e 32.
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Nota da autora
Dedico este trabalho a Francisco J. S. Alves, companheiro de longas horas de conversas que um dia teve o privilégio de fazer parte desta história mas da qual, a partir de 1973 em Paris, começou a distanciar-se em favor de uma paixão pela História da Antiguidade que o levou à descoberta da Arqueologia.
Agradeço ainda ao José Paulo Ruas a realização de algumas imagens e ao Jaime Ribeiro pela partilha.
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Imagem de capa
«Détournement» da pintura de Guy Debord «Réalisation de la Philosophie» (M. Ramalho e C. Loerke).
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Nota de edição
Artigo publicado pela ocasião dos vinte anos da morte de Guy Debord a 30 de Novembro de 1994.
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Maria Ramalho
Arqueóloga, ICOMOS.